quinta-feira, 19 de setembro de 2013

E Napoleão criou o Brasil…

… sem nunca o ter sonhado. Foi essa, em última análise, a principal consequência da primeira invasão francesa de Portugal, em 1807.



Luís Almeida Martins
Em novembro de 1807, quando o exército francês de Junot se encontrava já em território espanhol aproximando-se da fronteira portuguesa, o regente D. João (futuro D. João VI, após a morte da mentalmente incapacitada D. Maria, sua mãe) decidiu que toda a Corte se transferiria para o Brasil. Em poucos dias, os muitos caixotes da bagagem seriam empilhados no cais da Junqueira, frente ao Palácio de Belém, e milhares de cortesãos, com todos os seus haveres, embarcariam para a América do Sul em navios portugueses e britânicos protegidos por fragatas da “Loura Albion” fortemente armadas. Estava-se perante uma resolução inédita na História: a administração de um país, e portanto a sua capital, mudava de continente. Era como se o próprio Estado também mudasse de sítio, dando como certa a ocupação de Portugal e a divisão do seu território peninsular em três fatias, com destinos diferentes, conforme o imperador dos Franceses decidira pelo Tratado de Fontainebleau.

Ao longo dos mais de 200 anos passados desde então, D. João tem sido quase sempre acusado de cobardia. Ao fugir, abandonara o povo português à sua sorte, reservando para si e para os seus uma vida faustosa e tranquila do outro lado do Atlântico, numa estranha e inédita corte tropical de recortes europeus. Isto pode ser verdade, claro, mas o seu oposto também não é mentira. Ao permitir que D. João deixasse Lisboa antes de os seus exércitos invasores terem entrado na cidade, a França napoleónica viu-se incapacitada de obter a rendição, e portanto a submissão, da Coroa portuguesa – como sucedera em Espanha, numa situação com um forte paralelismo.

Do ponto de vista jurídico, Portugal continuou pois a existir, ainda que do outro lado do Atlântico. E quando, derrotados os franceses, o Portugal ibérico passou a ser administrado pela Inglaterra, as mais importantes decisões aqui tomadas eram sempre submetidas à aprovação de D. João, lá no Rio de Janeiro.
Mas foi sem dúvida o Brasil que mais lucrou com a transferência da Corte. Para começar, com a capital instalada no seu território, os seus portos foram abertos ao comércio internacional, pondo-se termo ao monopólio efetivo da marinha portuguesa naquelas águas. Depois, foi abolida a proibição da existência de indústrias transformadoras. Finalmente, centralizou-se a administração, abriram-se estradas, fundaram-se escolas e bibliotecas… O Brasil estava maduro para a independência. Esta, que se concretizaria em 1822 sob a égide da família real portuguesa, foi pois uma consequência da invasão francesa de Portugal. Provavelmente, se a Corte não se tivesse ali instalado, o destino da gigantesca (e pouco desenvolvida) colónia seria partir-se aos bocados, dando origem a vários Estados independentes, como sucedeu à América espanhola.

Pensemos portanto duas vezes antes de censurar a decisão – talvez cobarde, sim – do regente e dos seus cortesãos. A qual, a bem dizer, nem foi deles, mas sim dos Ingleses.
Título e Texto: Luís Almeida Martins, in “365 Dias com histórias da História de Portugal”, páginas 267/268.
Digitação: JP

A independência das colónias espanholas da América foi também uma consequência das guerras napoleónicas. Os povos e os governos coloniais hispano-americanos aproveitaram a sujeição da metrópole a Napoleão para, a partir de 1811, se irem libertando da tutela de Madrid.

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