… sem nunca o ter sonhado. Foi essa, em última análise, a principal consequência da primeira invasão
francesa de Portugal, em 1807.
Em novembro de 1807, quando o exército francês de
Junot se encontrava já em território espanhol aproximando-se da fronteira
portuguesa, o regente D. João (futuro D. João VI, após a morte da mentalmente
incapacitada D. Maria, sua mãe) decidiu que toda a Corte se transferiria para o
Brasil. Em poucos dias, os muitos caixotes da bagagem seriam empilhados no cais
da Junqueira, frente ao Palácio de Belém, e milhares de cortesãos, com todos os
seus haveres, embarcariam para a América do Sul em navios portugueses e
britânicos protegidos por fragatas da “Loura Albion” fortemente armadas.
Estava-se perante uma resolução inédita na História: a administração de um
país, e portanto a sua capital, mudava de continente. Era como se o próprio
Estado também mudasse de sítio, dando como certa a ocupação de Portugal e a
divisão do seu território peninsular em três fatias, com destinos diferentes,
conforme o imperador dos Franceses decidira pelo Tratado de Fontainebleau.
Ao longo dos mais de 200 anos passados desde
então, D. João tem sido quase sempre acusado de cobardia. Ao fugir, abandonara
o povo português à sua sorte, reservando para si e para os seus uma vida
faustosa e tranquila do outro lado do Atlântico, numa estranha e inédita corte
tropical de recortes europeus. Isto pode ser verdade, claro, mas o seu oposto
também não é mentira. Ao permitir que D. João deixasse Lisboa antes de os seus
exércitos invasores terem entrado na cidade, a França napoleónica viu-se
incapacitada de obter a rendição, e portanto a submissão, da Coroa portuguesa –
como sucedera em Espanha, numa situação com um forte paralelismo.
Do ponto de vista jurídico, Portugal continuou
pois a existir, ainda que do outro lado do Atlântico. E quando, derrotados os
franceses, o Portugal ibérico passou a ser administrado pela Inglaterra, as
mais importantes decisões aqui tomadas eram sempre submetidas à aprovação de D.
João, lá no Rio de Janeiro.
Mas foi sem dúvida o Brasil que mais lucrou com a
transferência da Corte. Para começar, com a capital instalada no seu território,
os seus portos foram abertos ao comércio internacional, pondo-se termo ao
monopólio efetivo da marinha portuguesa naquelas águas. Depois, foi abolida a
proibição da existência de indústrias transformadoras. Finalmente,
centralizou-se a administração, abriram-se estradas, fundaram-se escolas e
bibliotecas… O Brasil estava maduro para a independência. Esta, que se
concretizaria em 1822 sob a égide da família real portuguesa, foi pois uma
consequência da invasão francesa de Portugal. Provavelmente, se a Corte não se
tivesse ali instalado, o destino da gigantesca (e pouco desenvolvida) colónia
seria partir-se aos bocados, dando origem a vários Estados independentes, como
sucedeu à América espanhola.
Pensemos portanto duas vezes antes de censurar a decisão
– talvez cobarde, sim – do regente e dos seus cortesãos. A qual, a bem dizer,
nem foi deles, mas sim dos Ingleses.
Título e Texto: Luís Almeida Martins, in “365 Dias com histórias da História de
Portugal”, páginas 267/268.
Digitação: JP
A independência das colónias
espanholas da América foi também uma consequência das guerras napoleónicas. Os
povos e os governos coloniais hispano-americanos aproveitaram a sujeição da
metrópole a Napoleão para, a partir de 1811, se irem libertando da tutela de
Madrid.
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