RESUMO
Grande parte da Europa está
ansiosamente fazendo prognósticos quanto aos resultados das eleições
parlamentares de 22 de setembro, no próximo domingo, na Alemanha, mas esta antecipação
conjectural pode ser um pouco equivocada e inoportuna. É claro que ninguém
discute a importância da Alemanha para a existência da União Europeia, uma vez
que se trata hoje da maior economia do ‘velho continente’ e o principal credor
da maioria das economias nacionais necessitadas de seus resgates financeiros na
‘zona do euro’, de modo que a saúde da economia alemã é vital para a saúde
econômica da União Europeia como um todo.
Mas essa relação de
interdependência é uma estrada de mão dupla. Ou seja, a economia da Alemanha
também depende da zona de livre comércio e das exportações que faz para o resto
da Europa, numa época de austeridade financeira onde esta só pode comprar de
Berlim aquilo que lhe é absolutamente essencial e, pois, condicionando uma
situação geral de consumo muito baixo.
Como essa situação condiciona
também uma recuperação muito lenta de suas economias nacionais afetadas pela
crise europeia, é de se esperar que Berlim continue a ajudá-las, com dinheiro e
facilidades, mesmo correndo o risco de uma crescente oposição doméstica.
ANÁLISE
O desempenho econômico da
Alemanha está ligado fortemente aos desenvolvimentos externos por causa da
dependência do país das exportações. De acordo com o EUROSTAT, em 2012, as
exportações da Alemanha foram equivalentes a algo em torno de 52 por cento do
seu PIB, sendo os países do resto da Europa os maiores compradores de seus
produtos manufaturados de alto valor agregado, pelo que, para a economia alemã
é crucial a capacidade de consumo dessas nações europeias. A estabilidade
política e econômica da Alemanha, em grande parte depende do seu acesso aos
mercados estrangeiros, originando-se disso o seu apoio inabalável à ‘zona euro’
e da União Europeia em si, como um bloco econômico e até, se possível – embora
altamente improvável –, como uma só nação, uma espécie de “Estados Unidos da
Europa”.
Até o presente momento, as
exportações alemãs têm sobrevivido, principalmente ao tumulto da crise
europeia, em parte porque as empresas alemãs diversificaram seus mercados de
exportação com relativo sucesso. Desde 2007, as exportações para a União
Europeia e para a ‘zona do euro’ caíram em relação à feita para outros países,
em particular para os países asiáticos e os EUA.
Na verdade, os EUA são o
segundo maior mercado destino das mercadorias exportadas pelos alemães. Em
2012, quase 30 por cento de todos os bens exportados da União Europeia para os
Estados Unidos veio da Alemanha. Perto de 16 por cento das exportações de bens
alemães foram para a Ásia, com a China sendo o quarto maior mercado destino da
exportação da Alemanha.
Entretanto, a economia da
Alemanha não escapou ilesa à crise. Nos últimos anos, o crescimento da economia
alemã arrefeceu. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, o PIB da
Alemanha cresceu apenas 0,9 por cento em 2012, abaixo dos 4 por cento em 2010.
Em 2013, o Fundo Monetário
Internacional espera que o PIB cresça apenas 0,3 por cento. A taxa de
desemprego provavelmente vai seguir essas contrações e os eleitores alemães vão
pressionar Berlim para aumentar os gastos do governo – algo que as autoridades
alemãs pediram que outros países evitassem. Ou seja, em épocas difíceis, os
países ficam mais suscetíveis em contrair a “doença socialista”, sem lembrar
que a crise europeia que atinge a maioria de seus países se deve às práticas
socialistas postas em práticas por seus governos, principalmente a partir das
quatro últimas décadas do século passado...
O DILEMA DA ALEMANHA
Tal quadro macroeconômico se
constitui no cerne atual do dilema alemão. O desejo de aumentar a demanda
doméstica – elevando salários, por exemplo, para aumentar o consumo – poderá
expor mais o país aos riscos externos, como também tornar as suas exportações
menos competitivas no resto do mundo. A demanda alemã é ainda relativamente
forte, apesar da crise europeia, e o país tem custos de empréstimos
relativamente baratos que facilitam o consumo doméstico, como tem, por
conseguinte, uma baixa taxa de desemprego – algo em torno de 5,3 por cento da
força de trabalho em julho de 2013, segundo o EUROSTAT. Esta é, aliás, a menor
taxa de desemprego desde que esse órgão estatístico da União Europeia começou a
registrar seus dados, em 1991.
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Gráfico das transações de
comércio externo da Alemanha no mesmo período.
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Uma opção que parece estar
sendo considerada é a introdução de um ‘salário mínimo’. Foram bem modestos os
aumentos dos custos trabalhistas da Alemanha ao longo dos últimos trimestres
econômicos, não passando de uma média de 30 euros por hora de trabalho (cerca
de 40 dólares) em 2012. Tais custos foram apenas ligeiramente maiores do que os
da média da ‘zona do euro’. No entanto, o setor industrial se opõe a essa
medida, alegando receio de perder a competitividade.
Berlim, ao que parece, também
vai abordar a sua questão da imigração. Com uma população envelhecida e em
declínio, a Alemanha está a buscar modos e maneiras de atrair estrangeiros que
possam reforçar a sua força de trabalho. O país, na verdade, tem assistido um
aumento de imigrantes ao longo dos últimos anos, em função da capacidade desses
de resistir à crise, mas, historicamente, tem dificuldade em retê-los e
integrá-los à sociedade. Qualquer novo governo eleito terá que introduzir
políticas para reter imigrantes e ao mesmo tempo dissipar os temores de que os
estrangeiros possam se tornar apenas aproveitadores do sistema nacional de
seguridade social.
Uma terceira prioridade para o
novo governo alemão será a de reavaliar a estratégia energética do país. Os
custos de energia para as famílias e as empresas têm aumentado ao longo dos
últimos anos por causa da transição do país para a energia renovável. A
transição revelou-se mais cara do que o esperado, dando lugar a preocupações de
perda da competitividade. Considerando os recursos que foram comprometidos e os
desenvolvimentos já em curso, a Alemanha não pode simplesmente abandonar a
estratégia atual, mas as suas metas provavelmente vão ser revistas e analisadas
opções alternativas, como o gás de xisto betuminoso que já está sendo
considerada.
Graças ao fato de a Alemanha
ter poucos recursos energéticos domésticos, a sua estratégia energética também
faz parte de sua política externa. A integração da infraestrutura com a de
outros países é importante para a importação de energia pela Alemanha, bem como
as relações bilaterais com a Rússia, seu principal fornecedor de óleo e gás
natural, amplamente utilizados no aquecimento habitacional, num país
basicamente de baixas temperaturas ambientais. Garantir o acesso irrestrito ao
gás natural e ao petróleo russo continuará a ser uma prioridade da política
externa alemã, apesar de as relações com Moscou, por vezes, sejam conflitantes
no que tange ao objetivo da Alemanha de integrar a Europa.
A INSIGNIFICÂNCIA DA POLÍTICA PARTIDÁRIA
Como efetivamente a Alemanha
vai continuar a integrar a Europa dependerá, em grande parte, da sua vontade de
ajudar outros países europeus, em particular os da zona do euro. Os principais
partidos políticos alemães provavelmente aceitarão a noção de que a Alemanha
terá de fornecer mais ajuda aos países em dificuldades. A continuação da
assistência financeira é um elemento crucial da estratégia nacional da Alemanha
de assegurar a coesão do bloco na Europa e preservar a união monetária, isso
sem falar em possíveis saltos posteriores que transformar a União Europeia numa
espécie de “Estados Unidos da Europa”.
Destarte, é quase certo que a
Alemanha continue a fornecer fundos para financiar a recuperação de membros
nacionais com longa história de construtivismo e distributivismo socialista nos
últimos cinquenta anos, graças ao que estão na situação periclitante em que se
encontram.
Berlim já contribuiu com uma
quantidade considerável de dinheiro para o resgate econômico desses países e o
governo estima que a verdadeira e direta responsabilidade da Alemanha com
relação à crise da dívida europeia, até agora, tenha sido da ordem de 95
bilhões de euros.
Em todo caso, o país não pode
se dar ao luxo de arriscar ver-se envolvido na eclosão de uma nova crise
financeira ou tampouco assistir a uma dissolução da zona do euro. Um grupo de
planejadores, “think tank”, alemão estima que, se a eurozona vier a quebrar, e
se os cinco países que receberam ajuda se tornarem definitivamente insolventes
– como parece já ser o caso da Grécia –, a Alemanha perderá algo em torno de 30
bilhões de euros. Todavia, o custo real provavelmente seria muito maior,
considerando as consequências econômicas que tal falência teria para além do
setor financeiro.
De uma forma notável, isso não
significa que a Alemanha vai, de repente, mudar a sua estratégia e financiar
programas de incentivo de longo alcance para os países em dificuldades. A ajuda
alemã aos países em dificuldades virá ainda apenas conforme a pressão dos
mercados financeiros e a instabilidade política em países individuais que
ameaçam a estabilidade da zona do euro. Ou seja, é provável que a ajuda alemã
futura consista apenas em dar mais tempo aos países que receberam ajuda
pecuniária alemã para pagar suas dívidas mais prementes. Além do mais, esses
países podem reduzir o custo de tais pagamentos e contar com o Banco Central
Europeu para intervir nos mercados de obrigações, se necessário.
Barreiras legais e
institucionais limitam a capacidade de Berlim em ser pró-ativa na ajuda a
outros países e, mesmo que houvesse um consenso geral entre a elite política de
que a Alemanha deve fornecer ajuda mais ampla a esses países, os pequenos
grupos de oposição poderiam chegar a desafiar e atrasar os planos de
assistência de forma relativamente fácil.
O Tribunal Constitucional
alemão já teve de apreciar a legalidade das contribuições alemãs para as
medidas de ajuda à UE (até agora, o tribunal não decidiu quais foram os
esforços que violaram a Constituição alemã). No próximo ano, o tribunal provavelmente
vai ter que determinar se perdoa a dívida desses países em crise, uma opção que
está sendo considerada para o caso da Grécia e que, certamente, violaria a
Constituição alemã.
Para garantir a sobrevivência
da zona do euro, a Alemanha também vai tentar preservar a aliança franco-alemã.
Historicamente, a integração europeia significa solidificar a força econômica
alemã com a liderança política francesa, que a crise europeia tem mantido esse
relacionamento em níveis variáveis de tensão e ressentimentos. A pressão que
Berlim enfrentará para ceder às exigências francesas – que incluem permitir
mais gastos do governo, a incorporação mútua de suas dívidas soberanas, e a capacidade
de mudarem o papel do Banco Central Europeu para que aceite uma inflação mais
elevada, além de intervir mais abertamente nos mercados de títulos soberanos –
dependerá em grande parte do quanto fortemente o desempenho da economia de
ambos os países irão divergir.
À medida que a crise persistir
e sejam postas em prática novas medidas de auxílio alemão, o desafio para
Berlim será o de convencer não só os eleitores alemães, mas também os países
menores no norte da Europa da importância de participar dos esforços de ajuda
conjunta, para evitar nova desintegração da zona do euro. Tais países, que
incluem a Holanda, a Finlândia e a Áustria, normalmente são céticos com relação
a eficácia de ajudar os países atingidos, da mesma maneira como a Alemanha é
cautelosa em fazê-lo, uma vez que a coisa mais difícil é mudar a mentalidade
socialista de sua gente, que insiste em viver à custa dos recursos públicos.
A Alemanha é frequentemente
retratada como a líder da Europa, um país que pode definir o futuro da União
Europeia, etc. Pode haver alguma verdade nessa interpretação, mas as ações de
Berlim, na verdade, são guiadas pela força da demanda externa e pela
necessidade de manter a coesão da União Europeia em nível próximo a uma sonhada
nacionalidade europeia única.
Título e Texto: STRATFOR
Tradução: Francisco Vianna
NT (*) - O Reichstag (termo
alemão que significa "Dieta Imperial") foi uma instituição política
do Sacro Império Romano-Germânico, bem como o Parlamento da Confederação da
Alemanha do Norte e, posteriormente, da Alemanha até 1945, quando terminou o
Terceiro Reich socialista nazista de Adolf Hitler e seu Partido dos
Trabalhadores alemão. Atualmente, uma das câmaras do Parlamento bicameral
alemão chama-se Bundestag (a outra se
chama Bundesraf), mas o palácio onde
ambas se reúnem (foto) ainda é conhecido como Reichstag.
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