quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O que esperar da União Europeia após as eleições na Alemanha

Da empresa de inteligência STRATFOR (Strategic Forecasting Inc. – Austin – Texas, USA)

O edifício sede do “Reichstag” *, em Berlim,neste mês. Foto: John Macdougall/AFP/Getty Images
RESUMO
Grande parte da Europa está ansiosamente fazendo prognósticos quanto aos resultados das eleições parlamentares de 22 de setembro, no próximo domingo, na Alemanha, mas esta antecipação conjectural pode ser um pouco equivocada e inoportuna. É claro que ninguém discute a importância da Alemanha para a existência da União Europeia, uma vez que se trata hoje da maior economia do ‘velho continente’ e o principal credor da maioria das economias nacionais necessitadas de seus resgates financeiros na ‘zona do euro’, de modo que a saúde da economia alemã é vital para a saúde econômica da União Europeia como um todo.

Mas essa relação de interdependência é uma estrada de mão dupla. Ou seja, a economia da Alemanha também depende da zona de livre comércio e das exportações que faz para o resto da Europa, numa época de austeridade financeira onde esta só pode comprar de Berlim aquilo que lhe é absolutamente essencial e, pois, condicionando uma situação geral de consumo muito baixo.
Como essa situação condiciona também uma recuperação muito lenta de suas economias nacionais afetadas pela crise europeia, é de se esperar que Berlim continue a ajudá-las, com dinheiro e facilidades, mesmo correndo o risco de uma crescente oposição doméstica.

ANÁLISE
O desempenho econômico da Alemanha está ligado fortemente aos desenvolvimentos externos por causa da dependência do país das exportações. De acordo com o EUROSTAT, em 2012, as exportações da Alemanha foram equivalentes a algo em torno de 52 por cento do seu PIB, sendo os países do resto da Europa os maiores compradores de seus produtos manufaturados de alto valor agregado, pelo que, para a economia alemã é crucial a capacidade de consumo dessas nações europeias. A estabilidade política e econômica da Alemanha, em grande parte depende do seu acesso aos mercados estrangeiros, originando-se disso o seu apoio inabalável à ‘zona euro’ e da União Europeia em si, como um bloco econômico e até, se possível – embora altamente improvável –, como uma só nação, uma espécie de “Estados Unidos da Europa”.

Até o presente momento, as exportações alemãs têm sobrevivido, principalmente ao tumulto da crise europeia, em parte porque as empresas alemãs diversificaram seus mercados de exportação com relativo sucesso. Desde 2007, as exportações para a União Europeia e para a ‘zona do euro’ caíram em relação à feita para outros países, em particular para os países asiáticos e os EUA.
Na verdade, os EUA são o segundo maior mercado destino das mercadorias exportadas pelos alemães. Em 2012, quase 30 por cento de todos os bens exportados da União Europeia para os Estados Unidos veio da Alemanha. Perto de 16 por cento das exportações de bens alemães foram para a Ásia, com a China sendo o quarto maior mercado destino da exportação da Alemanha.

Entretanto, a economia da Alemanha não escapou ilesa à crise. Nos últimos anos, o crescimento da economia alemã arrefeceu. De acordo com o Fundo Monetário Internacional, o PIB da Alemanha cresceu apenas 0,9 por cento em 2012, abaixo dos 4 por cento em 2010.
Em 2013, o Fundo Monetário Internacional espera que o PIB cresça apenas 0,3 por cento. A taxa de desemprego provavelmente vai seguir essas contrações e os eleitores alemães vão pressionar Berlim para aumentar os gastos do governo – algo que as autoridades alemãs pediram que outros países evitassem. Ou seja, em épocas difíceis, os países ficam mais suscetíveis em contrair a “doença socialista”, sem lembrar que a crise europeia que atinge a maioria de seus países se deve às práticas socialistas postas em práticas por seus governos, principalmente a partir das quatro últimas décadas do século passado...

Gráfico dos mercados de exportação da Alemanha na primeira década do século XXI

O DILEMA DA ALEMANHA
Tal quadro macroeconômico se constitui no cerne atual do dilema alemão. O desejo de aumentar a demanda doméstica – elevando salários, por exemplo, para aumentar o consumo – poderá expor mais o país aos riscos externos, como também tornar as suas exportações menos competitivas no resto do mundo. A demanda alemã é ainda relativamente forte, apesar da crise europeia, e o país tem custos de empréstimos relativamente baratos que facilitam o consumo doméstico, como tem, por conseguinte, uma baixa taxa de desemprego – algo em torno de 5,3 por cento da força de trabalho em julho de 2013, segundo o EUROSTAT. Esta é, aliás, a menor taxa de desemprego desde que esse órgão estatístico da União Europeia começou a registrar seus dados, em 1991.

Gráfico das transações de comércio externo da Alemanha no mesmo período.
A demanda interna estável da Alemanha ajudou os países da Europa Central e do Leste, em particular, a evitar contrações econômicas mais profundas, mas Berlim está sob pressão para fortalecer a demanda ainda mais. Esperamos que a Alemanha possa debater como poderá fazer isso sem prejudicar sua posição de liderança e seus números econômicos, após as eleições parlamentares de domingo que vem.

Uma opção que parece estar sendo considerada é a introdução de um ‘salário mínimo’. Foram bem modestos os aumentos dos custos trabalhistas da Alemanha ao longo dos últimos trimestres econômicos, não passando de uma média de 30 euros por hora de trabalho (cerca de 40 dólares) em 2012. Tais custos foram apenas ligeiramente maiores do que os da média da ‘zona do euro’. No entanto, o setor industrial se opõe a essa medida, alegando receio de perder a competitividade.

Berlim, ao que parece, também vai abordar a sua questão da imigração. Com uma população envelhecida e em declínio, a Alemanha está a buscar modos e maneiras de atrair estrangeiros que possam reforçar a sua força de trabalho. O país, na verdade, tem assistido um aumento de imigrantes ao longo dos últimos anos, em função da capacidade desses de resistir à crise, mas, historicamente, tem dificuldade em retê-los e integrá-los à sociedade. Qualquer novo governo eleito terá que introduzir políticas para reter imigrantes e ao mesmo tempo dissipar os temores de que os estrangeiros possam se tornar apenas aproveitadores do sistema nacional de seguridade social.

Uma terceira prioridade para o novo governo alemão será a de reavaliar a estratégia energética do país. Os custos de energia para as famílias e as empresas têm aumentado ao longo dos últimos anos por causa da transição do país para a energia renovável. A transição revelou-se mais cara do que o esperado, dando lugar a preocupações de perda da competitividade. Considerando os recursos que foram comprometidos e os desenvolvimentos já em curso, a Alemanha não pode simplesmente abandonar a estratégia atual, mas as suas metas provavelmente vão ser revistas e analisadas opções alternativas, como o gás de xisto betuminoso que já está sendo considerada.

Graças ao fato de a Alemanha ter poucos recursos energéticos domésticos, a sua estratégia energética também faz parte de sua política externa. A integração da infraestrutura com a de outros países é importante para a importação de energia pela Alemanha, bem como as relações bilaterais com a Rússia, seu principal fornecedor de óleo e gás natural, amplamente utilizados no aquecimento habitacional, num país basicamente de baixas temperaturas ambientais. Garantir o acesso irrestrito ao gás natural e ao petróleo russo continuará a ser uma prioridade da política externa alemã, apesar de as relações com Moscou, por vezes, sejam conflitantes no que tange ao objetivo da Alemanha de integrar a Europa.

A INSIGNIFICÂNCIA DA POLÍTICA PARTIDÁRIA
Como efetivamente a Alemanha vai continuar a integrar a Europa dependerá, em grande parte, da sua vontade de ajudar outros países europeus, em particular os da zona do euro. Os principais partidos políticos alemães provavelmente aceitarão a noção de que a Alemanha terá de fornecer mais ajuda aos países em dificuldades. A continuação da assistência financeira é um elemento crucial da estratégia nacional da Alemanha de assegurar a coesão do bloco na Europa e preservar a união monetária, isso sem falar em possíveis saltos posteriores que transformar a União Europeia numa espécie de “Estados Unidos da Europa”.

Destarte, é quase certo que a Alemanha continue a fornecer fundos para financiar a recuperação de membros nacionais com longa história de construtivismo e distributivismo socialista nos últimos cinquenta anos, graças ao que estão na situação periclitante em que se encontram.

Berlim já contribuiu com uma quantidade considerável de dinheiro para o resgate econômico desses países e o governo estima que a verdadeira e direta responsabilidade da Alemanha com relação à crise da dívida europeia, até agora, tenha sido da ordem de 95 bilhões de euros.
Em todo caso, o país não pode se dar ao luxo de arriscar ver-se envolvido na eclosão de uma nova crise financeira ou tampouco assistir a uma dissolução da zona do euro. Um grupo de planejadores, “think tank”, alemão estima que, se a eurozona vier a quebrar, e se os cinco países que receberam ajuda se tornarem definitivamente insolventes – como parece já ser o caso da Grécia –, a Alemanha perderá algo em torno de 30 bilhões de euros. Todavia, o custo real provavelmente seria muito maior, considerando as consequências econômicas que tal falência teria para além do setor financeiro.

De uma forma notável, isso não significa que a Alemanha vai, de repente, mudar a sua estratégia e financiar programas de incentivo de longo alcance para os países em dificuldades. A ajuda alemã aos países em dificuldades virá ainda apenas conforme a pressão dos mercados financeiros e a instabilidade política em países individuais que ameaçam a estabilidade da zona do euro. Ou seja, é provável que a ajuda alemã futura consista apenas em dar mais tempo aos países que receberam ajuda pecuniária alemã para pagar suas dívidas mais prementes. Além do mais, esses países podem reduzir o custo de tais pagamentos e contar com o Banco Central Europeu para intervir nos mercados de obrigações, se necessário.

Barreiras legais e institucionais limitam a capacidade de Berlim em ser pró-ativa na ajuda a outros países e, mesmo que houvesse um consenso geral entre a elite política de que a Alemanha deve fornecer ajuda mais ampla a esses países, os pequenos grupos de oposição poderiam chegar a desafiar e atrasar os planos de assistência de forma relativamente fácil.
O Tribunal Constitucional alemão já teve de apreciar a legalidade das contribuições alemãs para as medidas de ajuda à UE (até agora, o tribunal não decidiu quais foram os esforços que violaram a Constituição alemã). No próximo ano, o tribunal provavelmente vai ter que determinar se perdoa a dívida desses países em crise, uma opção que está sendo considerada para o caso da Grécia e que, certamente, violaria a Constituição alemã.

Para garantir a sobrevivência da zona do euro, a Alemanha também vai tentar preservar a aliança franco-alemã. Historicamente, a integração europeia significa solidificar a força econômica alemã com a liderança política francesa, que a crise europeia tem mantido esse relacionamento em níveis variáveis de tensão e ressentimentos. A pressão que Berlim enfrentará para ceder às exigências francesas – que incluem permitir mais gastos do governo, a incorporação mútua de suas dívidas soberanas, e a capacidade de mudarem o papel do Banco Central Europeu para que aceite uma inflação mais elevada, além de intervir mais abertamente nos mercados de títulos soberanos – dependerá em grande parte do quanto fortemente o desempenho da economia de ambos os países irão divergir.

À medida que a crise persistir e sejam postas em prática novas medidas de auxílio alemão, o desafio para Berlim será o de convencer não só os eleitores alemães, mas também os países menores no norte da Europa da importância de participar dos esforços de ajuda conjunta, para evitar nova desintegração da zona do euro. Tais países, que incluem a Holanda, a Finlândia e a Áustria, normalmente são céticos com relação a eficácia de ajudar os países atingidos, da mesma maneira como a Alemanha é cautelosa em fazê-lo, uma vez que a coisa mais difícil é mudar a mentalidade socialista de sua gente, que insiste em viver à custa dos recursos públicos.

A Alemanha é frequentemente retratada como a líder da Europa, um país que pode definir o futuro da União Europeia, etc. Pode haver alguma verdade nessa interpretação, mas as ações de Berlim, na verdade, são guiadas pela força da demanda externa e pela necessidade de manter a coesão da União Europeia em nível próximo a uma sonhada nacionalidade europeia única.
Título e Texto: STRATFOR
Tradução: Francisco Vianna

NT (*) - O Reichstag (termo alemão que significa "Dieta Imperial") foi uma instituição política do Sacro Império Romano-Germânico, bem como o Parlamento da Confederação da Alemanha do Norte e, posteriormente, da Alemanha até 1945, quando terminou o Terceiro Reich socialista nazista de Adolf Hitler e seu Partido dos Trabalhadores alemão. Atualmente, uma das câmaras do Parlamento bicameral alemão chama-se Bundestag (a outra se chama Bundesraf), mas o palácio onde ambas se reúnem (foto) ainda é conhecido como Reichstag. 

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