Valdemar Habitzreuter
O Big Bang é o responsável de eu me encontrar flutuando neste
espaço incomensurável. Encontro-me numa viagem fascinante embarcado na nave
VIDA, apreciando o vai vem das coisas onde tento compreender o seu significado.
Einstein foi teimoso e não quis abdicar de sua teoria de um
Universo estático, Mas Georges Lemaître, brincando com idéias, depois que
ouvira Friedman falar algo sobre o Universo em expansão, teve uma grata
intuição fortuita perguntando-se a si mesmo: e se o Universo estivesse em
expansão? Imaginou um “átomo primordial” que, se explodisse, lançaria matéria
para todas as direções do espaço e, desta forma, dar-se-ia a origem do
universo. Foi ridicularizado e ironizado por Hubble dando o apelido depreciativo
de Big Bang (grande estouro) a sua teoria. Hoje sabemos, através da ciência,
que esta teoria da origem do universo é praticamente a acertada.
Nesta minha viagem univérsica sinto que “estou no mundo”, “o mundo
é para mim”, “sou o centro do meu mundo”. Que maravilha é isto! É a Vida que
pervade meu ser e me impulsiona para um estado de pura admiração. A quem
atribuir e como entender a dádiva da Vida? Já nos indagamos sobre o significado
da palavra VIDA? Feche os olhos por alguns instantes e deixe-se conscientemente
perpassar por esta coisa que chamamos de vida que já está em nós mas, por ser
tão óbvia, não a percebemos por completo. Olho ao derredor e percebo outros
“eus” no mundo. Não estou sozinho na nave da Vida, eu tenho companhia.
Certifico-me do que é constituído o outro “eu”. Percebo nele meu próprio “eu”.
E isso me fascina, porque não ocupo um centro, mas sou pluricêntrico e tenho
uma experiência de nós. A minha postura perante estes outros “eus”, sem dúvida,
há de ser sempre uma atitude correta e honesta para ser congruente com o
princípio da autobenevolência, já que o meu “eu” é o “eu” do outro e
vice-versa.
Assim, nós vamos sondando o mundo dos “eus” e percebemos também o
mundo das coisas nesta nossa viagem da Vida. Percebemos que as coisas, os
fenômenos se nos apresentam naturalmente e as experienciamos como reais. Também
elas fazem parte do nosso mundo. Estamos inseridos no mesmo mundo. Mas, há
momentos trágicos nesta viagem: há experiências que nos levam à reflexão.
Experiencio o nascimento e morte dos outros “eus”. Portanto, tenho que admitir
um mundo sem o meu “eu”, embora eu possa vislumbrar um “eu” sem o mundo.
Façamos uma pausa nas nossas reflexões filosóficas e olhemos pela
janela da Vida onde o Macrocosmo se descortina aos nossos olhos. Que beleza
toda esta estrutura do Universo com milhares de Aglomerados de Galáxias e seus
sistemas estelares! Olha só a nossa Via Láctea com bilhões e bilhões de
estrelas! O nosso Astro-Rei, o sol, também uma estrela, ao redor do qual giram
os planetas e nós juntos no nosso planeta terra! E além da nossa Via Láctea, o
que existe? Milhares de outras a distâncias quase infinitas! Pensar que o
Universo existe há 13,7 bilhões de anos! E quando chegará ao fim? Sim, não há
dúvida que está caminhando para o seu fim. De duas, uma: ou ele continuará a
expandir-se até que as estrelas se extingam e haverá, então, um fim gelado, ou
a expansão cessa e começaria a contrair-se e toda matéria tenderia para um
mesmo ponto (esmagando todos os nossos ossos) e, quem sabe, exploderia
novamente pelo enorme aquecimento que esta contração teria provocado,
espalhando pelo espaço afora as “rationes seminales” de todas as coisas.
E o que falar do Microcosmo constituído destas partículas
elementares, os quarks e leptons, juntamente com as forças eletromagnéticas,
forte, fraca e da gravidade, que são as responsáveis pela matéria? Qual o
Arquiteto que projetou tamanha perfeição para que o mundo esteja construído a
partir de partículas invisíveis?
Desviemo-nos um pouco desta paisagem deslumbrante e consideremos o
mistério da vida. Qual sua origem? A partir de oceanos primordiais que
Alexksander Ivanovich Perin e John Burdon S. Haldane, na década de 20 propuseram?
De fato as condições dos oceanos primordiais foram reproduzidas em laboratório
e constatou-se a produção de compostos orgânicos essenciais (aminoácidos). Mas
a teoria mais aceita é de que há 3,8 bilhões de anos a atmosfera terrestre era
composta basicamente de metano (CH4), amônia (NH3), vapor d”água (H2O),
Hidrogênio (H2) e Nitrogênio (N) que formaram moléculas orgânicas simples
(aminoácidos), açúcares e ácidos graxos ao entrarem em combinação com aqueles
elementos, acima citados, pelo calor dos vulcões, radiação ultravioleta e
descargas elétricas. As moléculas se depositaram nos oceanos formando o caldo
primordial. Surgiram daí moléculas orgânicas maiores (parecidas com o atual
RNA) capazes de se autoreproduzirem e de evoluírem. As moléculas adquiriram
membranas. O RNA é substituído pelo DNA, o fundamento de todos os seres vivos.
E não termina aí a especulação com respeito à vida. Como se deu
sua evolução? É um tema assaz interessante. Levaria tratados e mais tratados a
respeito, mas foquemos apenas a teoria do darwinismo sem adentrar na
especulação da evolução a partir de uma simples célula.
Antes de Darwin, o lamarckismo já estabelecia a lei do uso e
desuso dos órgãos: um órgão desenvolve-se com o uso constante, e atrofia-se com
o desuso. Assim, por exemplo, o coccxis no final da coluna vertebral inferior
seria um vestígio da perda da cauda no homem. E sua outra lei estabelece que o
caráter adquirido pelo uso, ou perdido pelo desuso, seria transmitido aos
descendentes.
Mas, Darwin e, depois, o neo-darwinismo esclareceram com mais
precisão esta transformação ou evolução dos seres vivos. Darwin na sua obra A
Origem das Espécies, formula a lei da evolução pela seleção natural: os seres
mais aptos sobrevivem e os menos aptos são eliminados. E o neodarwinismo
acrescenta as idéias de mutações, recombinações gênicas, migrações, etc.
Nos 13,7 bilhões de anos do universo, em que altura apareceu o ser
humano? Há 4,5 bilhões de anos, formou-se o planeta terra. E, somente
recentemente, adquirimos o status de homo sapiens, talvez a 200 mil anos.
Teilhard de Chardin em “O Fenômeno Humano” dá-nos uma
interpretação interessante quanto à evolução do homem. Diz ele que o ser humano
passou por várias esferas: passou através da hilosfera (matéria bruta),
biosfera (vida), noosfera (inteligência), e caminha para adentrar a logosfera (espírito).
Já éramos potencialmente homens na matéria bruta (hilosfera), passamos para
seres vivos (biosfera) e atualmente, como seres inteligentes, encontramo-nos na
noosfera em demanda da esfera superior que é a logosfera ou a esfera do
espírito.
Desde a aparição do homem com sua inteligência, ele se movimentava
diferentemente em seu meio ambiente conforme suas visões do mundo. Nos
primórdios da civilização ele tinha uma visão animístico- antropomórfica: a
realidade apresentava-se a ele como representações onde era dominado pela
imaginação de seres superiores se manifestando, dando sentido aos fenômenos que
ocorriam na natureza. Ele era espontâneo, ingênuo e acrítico, não fazendo
distinção entre aparência e realidade, não se preocupando em fazer indagações
para obter respostas do por quê das coisas, contentando-se com a crença de
super-seres que causavam os fenômenos. Mas, não ficou estacionário nesta visão
de mundo mítico. Começou a usar a razão para obter explicações da realidade
circunjacente. Interessou-se na busca de princípios e causas intrínsecas e
essenciais do ser, do devir e do agir de todos as coisas. Daí decorre a
racionalidade grega com os primeiros filósofos estabelecendo o conceito de phisis para nortear-se na investigação
da Natureza.
Passou paulatinamente o homem para uma visão mecanicista e
positivista que estamos vivenciando até hoje, embora esteja compelido a
retornar novamente a uma visão mais humana pelo fato de que a visão mecanicista
e positivista reduzir a realidade a um simples cientificismo ou cientismo,
prescindindo de Deus, onde há somente o interesse pela quantificação de caráter
matemático, pelo movimento local mensurável e negando toda e qualquer
objetividade das qualidades sensíveis.
E agora que tudo isto está posto a nossa frente surgem as diversas
indagações: nós e as coisas, a que espetáculos estamos sujeitos? Quanto à
regularidade material, há algo substancial em todas as coisas? Sim, a
substância das coisas é inabalável. É a essência, a realidade das coisas.
Portanto, é aquilo com que alguma coisa é o que é e não outra coisa diferente,
é a identidade da coisa.
Mas, não pára por aí. Tudo
tem um dinamismo muito real. Tudo está em movimento, onde o sujeito muda e
permanece ao mesmo tempo, com um início “a quo” e um final “ad quem”. Na falta
do “a quo” partimos do não ser para o ser e isto é prerrogativa somente de
Deus: criar as coisas do nada. Na falta do “ad quem”, ou seja, movimento do ser
ao não ser, teremos um aniquilamento (um tornar-se nada), mas conforme a lei de
Lavoisier: “nada se perde tudo se transforma”, estamos num impasse e precisamos
deixar isto para a metafísica resolver. Diferentemente é a mudança substancial,
quando se dá a passagem para uma nova substância, gerando um novo ser e
corrompendo o anterior. Nada melhor do que apelar para o filósofo (Aristóteles)
quando define o movimento: “movimento é o ato do ente em potência, enquanto
tal”. Por que ele afirma isto? Porque o movimento é um modo de ser real e
atual. Não é pura potência.
Continuemos a navegar na nave da Vida na intimidade do espaço e
tempo. O espaço não se define simplesmente como um lugar. Há várias modalidades
conceptuais de espaço. Há o espaço matemático, ou espaço abstrato onde a
extensão é puramente considerada em si e por si, é o espaço geométrico; há o
espaço sensitivo que é sempre o mesmo se considerarmos o alcance visivo dos
olhos, só os objetos que mudam, mas não é distinto dos objetos que o compõem, e
é finito porque os sentidos, principalmente o olho, têm alcance limitado; há o
espaço imaginativo similar ao sensitivo, mas infinito, ilimitado, embora a
condição necessária seja que eu tenha sempre o objeto presente como foco para a
atividade imaginativa; há o espaço absoluto que entifica o espaço imaginativo,
consistindo como “algo extenso, homogêneo, infinito, independente dos corpos e
que contém todos os corpos”; por fim podemos acrescentar o espaço físico que é
a “grandeza mensurável utilizada na determinação do movimento da posição dos
corpos” da qual a ciência física se ocupa.
Adentremos agora na noção de tempo. “Não mais-AGORA-ainda não”, é uma expressão muito feliz para
designar o tempo presente, sensorial como “fluxo contínuo de sensações
sucessivas ou simultâneas na consciência”. O presente é o agora que não é mais
(passado) e que ainda não é (futuro); há também o “fluxo objetivo e contínuo de
coisas e movimentos no mundo real da nossa experiência” que é o tempo físico; o
tempo imaginativo é “a linha cronológica (infinita) na qual a imaginação situa
imagens de eventos”; e o tempo absoluto é a “entificação do tempo imaginativo,
concebido como independente dos eventos, homogêneo e infinito”.
Se há controvérsias a respeito da realidade do espaço e tempo
absolutos, uns admitindo sua realidade subsistente em si, independente e
antecedente aos eventos e às coisas, outros reduzindo o espaço e tempo a algo
meramente subjetivo, embora Selvaggi tenha uma colocação feliz com respeito a
esta discussão de espaço e tempo absolutos: pela sua impossibilidade de
observação, e a psicologia genética afirmar que formamos gradualmente, no
exercício da sensação, as noções de tempo e espaço, creio ser também possível o
exercício mental de “flutuar” fora do tempo e espaço e imergir no Oceano do Ser
e ondular ao sabor da Realidade em si, ou seja, estabelecer-se na pura
consciência de si. Seria possível isto? Talvez, só após a morte, quando o eu
persistir sem o mundo.
Este mundo, um todo em si, uno e indiviso, como sustentador da
vida e caminhando para a perfeição num processo evolutivo, é a nossa hospedagem
que nos faculta a nossa própria evolução em demanda da perfeição, embora como
seres finitos nunca superaremos a PERFEIÇAO ORIGINÁRIA, mas sim, contentando-nos
a imitá-la.
Título e Texto: Valdemar
Habitzreuter, 14-11-2013
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