A esquerda andou três anos a
sacudir a água do capote e agora, não podendo negar o fim da recessão, explica
que o Governo não fez reformas. A afirmação é um pouco incoerente, pois se não
foram feitas reformas, para que serviu tanto barulho? Quando a incoerência é
sublinhada, logo os comentadores respondem que houve apenas cortes, sem
responderem a uma questão simples: como é que o País passou 11 avaliações da
troika?
Todos brincam com as palavras.
A esquerda, acompanhada pela direita que não gosta de Passos Coelho, esteve
três anos a anunciar desgraças: vinha aí o colapso da sociedade portuguesa,
acompanhado pela destruição do estado social e a espiral recessiva. O Governo
era acusado de incompetência, de fazer cortes cegos, de falta de humanidade e
simples estupidez. A sua estratégia era a errada e todas as mudanças foram
combatidas, mesmo aquelas que agora se convencionou achar minimalistas, como
foi o caso da agregação de freguesias. E não era Portugal que tinha de mudar,
era a Europa.
Quem conheça o memorando de
entendimento sabe que as medidas ali exigidas foram concretizadas. Talvez não
tenha havido no período democrático um conjunto tão vasto de reformas
estruturais. As alterações mais importantes que a troika pretendia diziam
respeito a rendas excessivas, privatizações, leis laborais, concorrência,
racionalização da administração, rendas urbanas e justiça. Foi tudo concluído. O
Governo afirma ter cumprido 400 medidas (incluindo as do memorando) nos prazos
previstos, mas não se livra da fama de não ter feito reformas: temos cem mil
funcionários públicos a menos, mas nada foi feito; o saldo primário do Estado
foi reduzido em 7 pontos percentuais de PIB, com a economia em queda, mas nada
foi feito; houve diminuição superior a 20% nos compromissos com rendas
excessivas das PPP rodoviárias, também na saúde e na energia, mas nada foi
feito; a liberalização das leis laborais e das rendas urbanas surgiu
finalmente, após vinte anos de discussões fúteis, mas nada foi feito; houve
redução nas chefias públicas, nos gastos com fundações, nos organismos
redundantes ou na burocracia, mas nada foi feito; as empresas estatais e as
câmaras ganharam disciplina orçamental, mas nada foi feito.
Os socialistas têm um dilema:
o memorando foi negociado por eles, não sendo possível criticar o Governo por
fazer as reformas que o documento previa; também não podem elogiar o Governo
por as fazer, resta-lhes negar a existência dessas reformas.
Os críticos à direita têm um
problema ainda maior: quando foram ministros, nada fizeram de memorável; e não
podem elogiar o Governo por fazer o que eles nunca conseguiram e, em muitos
casos, nem sequer tentaram.
Título e Texto: Luís Naves, O Fragmentário, 01-03-2014
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