sábado, 1 de março de 2014

Dizem que não houve reformas

Luís Naves
A esquerda andou três anos a sacudir a água do capote e agora, não podendo negar o fim da recessão, explica que o Governo não fez reformas. A afirmação é um pouco incoerente, pois se não foram feitas reformas, para que serviu tanto barulho? Quando a incoerência é sublinhada, logo os comentadores respondem que houve apenas cortes, sem responderem a uma questão simples: como é que o País passou 11 avaliações da troika?

Todos brincam com as palavras. A esquerda, acompanhada pela direita que não gosta de Passos Coelho, esteve três anos a anunciar desgraças: vinha aí o colapso da sociedade portuguesa, acompanhado pela destruição do estado social e a espiral recessiva. O Governo era acusado de incompetência, de fazer cortes cegos, de falta de humanidade e simples estupidez. A sua estratégia era a errada e todas as mudanças foram combatidas, mesmo aquelas que agora se convencionou achar minimalistas, como foi o caso da agregação de freguesias. E não era Portugal que tinha de mudar, era a Europa.

Quem conheça o memorando de entendimento sabe que as medidas ali exigidas foram concretizadas. Talvez não tenha havido no período democrático um conjunto tão vasto de reformas estruturais. As alterações mais importantes que a troika pretendia diziam respeito a rendas excessivas, privatizações, leis laborais, concorrência, racionalização da administração, rendas urbanas e justiça. Foi tudo concluído. O Governo afirma ter cumprido 400 medidas (incluindo as do memorando) nos prazos previstos, mas não se livra da fama de não ter feito reformas: temos cem mil funcionários públicos a menos, mas nada foi feito; o saldo primário do Estado foi reduzido em 7 pontos percentuais de PIB, com a economia em queda, mas nada foi feito; houve diminuição superior a 20% nos compromissos com rendas excessivas das PPP rodoviárias, também na saúde e na energia, mas nada foi feito; a liberalização das leis laborais e das rendas urbanas surgiu finalmente, após vinte anos de discussões fúteis, mas nada foi feito; houve redução nas chefias públicas, nos gastos com fundações, nos organismos redundantes ou na burocracia, mas nada foi feito; as empresas estatais e as câmaras ganharam disciplina orçamental, mas nada foi feito.

Não houve reformas? Então, o que é que aconteceu nestes três anos?

Os socialistas têm um dilema: o memorando foi negociado por eles, não sendo possível criticar o Governo por fazer as reformas que o documento previa; também não podem elogiar o Governo por as fazer, resta-lhes negar a existência dessas reformas.
Os críticos à direita têm um problema ainda maior: quando foram ministros, nada fizeram de memorável; e não podem elogiar o Governo por fazer o que eles nunca conseguiram e, em muitos casos, nem sequer tentaram.
Título e Texto: Luís Naves, O Fragmentário, 01-03-2014

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