O céu não é mais nosso, é deles

José Manuel

Como o petróleo que nós achávamos ser nosso, o céu também não mais nos pertence.

Foi-se, como aquela música famosa dos anos setenta em que o Paulinho da Viola cantou, deixando saudade:  Foi um rio que passou em minha vida 

O céu azul cor de anil, o céu de brigadeiro, onde passeavam aquelas três antigas irmãs altivas e brasileiras, não pertence mais ao seu país de origem.

Primeiro foi a mocinha TransBrasil, barriga verde, Catarinense de nascimento, que resolveu ir embora deixando as suas duas irmãs sozinhas e perdidas naquele céu azul profundo.

Dizem que foi atrás do pote de ouro no final do arco-iris, e nunca mais apareceu deixando saudade a todos que conheciam a sua jovialidade e as suas cores exuberantes pintadas em seu corpo metálico.

As duas irmãs mais velhas, apesar de tudo, continuaram achando que o céu era brasileiro e insistiam em continuar voando atrás do brigadeiro volúvel que amavam, mas que começava a querer abandoná-las nas aerovias da amargura.

Depois, foi a Vasp, a irmã do meio, mais velha e paulista quatrocentona, que foi enganada e arrancada do céu por um ser abjeto que entendia tudo de ônibus, estradas, mas absolutamente nada, nada de céu.

Nem o penacho na cauda que ela adorava mostrar soberbamente em voo, nem a sua pujança hereditária, conseguiram evitar o seu desaparecimento.

Foi uma pena que aquele céu azul longo, profundo e sem fim tivesse ficado para ser passeado somente pela mais idosa e agora solitária, a rosa-dos-ventos.

A gaúcha Varig, rainha dos pampas e dos ares, que enquanto namorou por décadas o velho ícaro, era soberba naquele azul, agora se derretia lentamente nos ventos quentes, vermelhos e laranja que se aproximavam diabolicamente daquele céu tão brasileiro, tão azul, mas que aos poucos se tingia nas cores do engano, da mentira, da usura e da desordem.

E foi assim que as três irmãs naturais e legítimas que, por quase um século, fizeram do céu azul a glória do Brasil no mundo, desapareceram deixando um rastro de tristeza saindo de suas turbinas, nos ares que começavam a ser pouco a pouco entregues aos abutres metálicos do resto do mundo.

O céu brasileiro, que antes era um jardim azul idílico, suspenso e cheio de flores onde as três irmãs passeavam com galhardia, de repente se transformou em um caos sem precedentes, com as bandeiras vorazes do mundo inteiro, querendo cada vez mais uma fatia apetitosa daquele azul nacional.

Até o brigadeiro por quem elas suspiravam, largou a sua farda azul, pegou o seu quepe e abandonou-as de vez deixando-as a ver a terceira fonte da juventude desaparecer sem explicações.

Até recentemente o céu ainda se defendia como podia ao ataque externo, mas pelo menos 80% de sua área ainda estava garantida à sua soberania nacional.

Agora não mais, definitivamente o céu é deles, mas também ninguém sabe ao certo de quem é ou vai ser, tal a confusão que irá se instalar por aqui, pois  será muito difícil de controlar um céu quando ele pertencer aos outros.

O Brasil acaba de entregar 100% do seu céu nacional a quem quiser se instalar e voar por aqui.

Definitivamente o céu não é mais o limite.

A nossa bandeira não mais tremula ao vento, nem o nome Brasil voa mais, pintado em suas fuselagens. Tampouco, o céu continua azul cor de anil, nem muito menos de brigadeiro.

Ou como disse o editorial do jornal Valor Econômico em 13-11-2014;  “Entre a Varig e o Google, estamos navegando no escuro.”

Título e Texto: José Manuel, ex-tripulante Varig, 17-11-2014

Relacionados:

O petróleo não é mais nosso. É deles 

Entre a Varig e o Google, estamos navegando no escuro
[Caso Varig] Teledomingo – RBS - Rio Grande do Sul