Rafael Souto
Tenho saudades da Varig, a
charmosa empresa brasileira de aviação fundada em 1927 e que sucumbiu no início
deste século.
Não sei se era o célebre voo
100, que com maestria ligava o Galeão, no Rio de Janeiro, ao aeroporto Salgado
Filho, em Porto Alegre. Talvez o serviço impecável que tornava o voo uma
celebração. Quem sabe saudosismo típico de um gaúcho.
Sinto falta da malha aérea da
Varig com mais de trinta destinos internacionais e que era a maior empresa área
da América Latina. Hoje vemos nossas companhias com pouca expressão fora do
Brasil e com serviços medíocres.
Além de tudo isso, o que mais
chamava minha atenção era a dedicação dos funcionários da Varig. O amor à causa
da empresa. A dedicação por tornar um sonho possível. O vínculo genuíno entre
as pessoas. Meu pai trabalhou nessa empresa por 35 anos e eu percebia o que
significava esse vínculo profundo com um negócio.
Aquela Varig não é mais
possível no mundo contemporâneo. Inchada de pessoas, com estruturas demais e
muitos privilégios, gerava pouco resultado e não teve musculatura de gestão
para enfrentar a competição após a abertura da economia brasileira. Pouco eficiente
para voar em um mercado de alta complexidade. A má administração e alguns
interesses políticos que não convém aprofundar colocaram fim a ela.
Por outro lado, percebo que o
mundo do trabalho virou um cassino das carreiras. Os ciclos de trabalho estão
cada vez mais curtos. As estatísticas mostram que o período de permanência dos
executivos nas empresas diminui ano após ano. O tempo médio numa empresa é de
quatro anos.
Os profissionais falam em
propósito, valores e em uma causa que seja importante para o mundo. No fundo,
não têm paciência para construir. Trocam com facilidade os projetos. Argumentam
que as empresas precisam pensar no longo prazo, mas não fazem o mesmo ao olhar
sua própria contribuição.
Um dos conceitos que venho
defendendo há alguns anos é a "trabalhabilidade". Esse neologismo
pode ser definido como a capacidade de gerar trabalho e renda. Pensar além do
emprego. Ter autogestão da carreira e não depender das decisões da empresa na
condução da vida profissional.
Os efeitos colaterais da era
da trabalhabilidade são o carreirismo excessivo e os ciclos curtos demais. A
ausência de um legado consistente tem sido a marca dos currículos. Estamos
produzindo uma geração especializada em trocar de emprego e fazer networking.
Tenho saudades do compromisso
das pessoas, que estava acima de receber propostas no mercado. A construção do
negócio estava em equilíbrio com o projeto individual. Hoje, percebo poucos
executivos envolvidos, de fato, com o projeto da empresa. O grupo de pessoas
que faz das corporações um trampolim para o posicionamento de mercado aumenta
de maneira acentuada.
A geração Google discursa
sobre o coletivo e o propósito. Procura uma causa nobre para colocar sua alma
inovadora. Busca empresas que contribuem para o mundo. Puro marketing. O
individualismo aumenta ano a ano. Esse fenômeno permeia todas as gerações. Não está
mais restrito aos jovens. Percebo um universo individualista disfarçado com
expressões modernas e de forte apelo emocional.
As empresas também se tornaram
seres mais frios, pouco dispostas a pensar no longo prazo. Nas bonitas placas
que descrevem a visão e a missão, falam sobre inovação, mas não permitem erros.
Demitem com facilidade e pouco depois reclamam do apagão de talentos.
Por isso, tenho saudades da
Varig. Da Varig e de todos os executivos do século 20 que construíram empresas
com entregas robustas e que faziam do seu compromisso com o projeto algo sério.
Muito antes da moda sobre resiliência, já tinham esse espírito de superação e
permanência.
Como quase tudo no Brasil,
ainda estamos amadurecendo.
Entre os longos ciclos de
trabalho da geração Varig - com delegação total da carreira para a empresa - e
o oposto, a visão excessivamente focada no curto prazo com trocas rápidas de
emprego, teremos que encontrar o equilíbrio.
Estamos em uma zona de
transição. Entre a Varig e o Google, precisaremos encontrar um espaço mais
consistente de construção de carreiras e de compromisso com resultados.
E se o moderno é ficar
trocando de empresas, vou procurar a Varig.
Título e Texto: Rafael Souto é
sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado, Valor Econômico, 13-11-2014
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