Miguel Lourenço Pereira
Perder em Alvalade não foi
surpresa para ninguém. O estádio do Sporting tem sido, neste século, o local
preferencial para o Porto tropeçar. Mais do que na Luz – onde um espírito de
combate especial pareceu sempre tomar conta dos jogadores até ao ano passado –
o terreno leonino converteu-se numa espécie de chão maldito do qual poucos
treinadores saíram sem ser vergados por uma derrota. Mas não foi pelo passado
pouco alegre que o Porto perdeu, e perdeu bem. A ausência total de surpresa vem
da incapacidade da equipa do FC Porto – jogue quem jogue – de se apresentar
como tal, uma equipa, trabalhada e mecanizada para impor o seu modelo de jogo.
O Porto tem o melhor plantel de Portugal e salvo algumas posições – os centrais
e o avançado, as mais evidentes – as melhores individualidades da Liga. Poucos
treinadores do FCP tiveram à sua disposição material mais do que suficiente
para armar um bom onze com alternativas à altura. É a total falta de fio de
jogo, desde Agosto, que mais preocupa. No ano passado o Porto foi na Liga
muitas vezes uma equipa sem chama, sem garra, sem um plano B mas o plano
principal quase sempre funcionou bem e só quando este emperrou se notou a falta
de alternativas de jogo ou de uma mentalidade ganhadora. Para 2015/16 já nem
isso se vê. Não há um criativo que pegue no jogo desde o meio (como houve
Oliver). Não há um avançado que se associe (e o Porto teve dois anos para
preparar o pos-Jackson) com os colegas nem há centrais que saibam sair a jogar
(o desesperante pontapé para a frente de Maicon só encontra rival no passe para
os laterais de Marcano ou Indi). Os defeitos do ano passado continuam todos lá.
As virtudes, nem vê-las.
Criticar não é amar menos.
Criticar o treinador, o
presidente ou os jogadores não é, necessariamente, um exercício negativo. Muito
pelo contrário. Quando as evidências estão aí, à vista de todos, não criticar
ou, melhor dito, assobiar para o lado como se nada estivesse a acontecer, é o
primeiro passo para cair no precipício. Houve uma grande vontade da SAD em que
o projecto Lopetegui funcionasse. Deu-se ao treinador tudo o que ele pediu e
raramente se lhe impôs o que a outros. A aposta num treinador sem experiência
não era nova (sem experiência e know how do futebol português, sim) mas o sonho
de Pinto da Costa de criar um Barcelona na foz do Douro, com um modelo de jogo
espanhol, apoiado no 4-3-3 blaugrana, era sedutora para muitos e houve
momentos, no ano passado, em que se vislumbrou essa possibilidade. O clube
gastou dinheiro em jogadores, aumentou como nunca a folha salarial e segurou o
treinador nos piores momentos porque acreditava no futuro da ideia. Era bonito
acreditar que algo assim era possível. Se calhar até é. Mas o homem elegido
para a levar a cabo definitivamente não cumpre os requisitos mínimos para treinar
um plantel e uma instituição que, claramente, o superam.
Lopetegui continua a
comportar-se como uma avestruz. A crítica não é com ele, ele é o “ungido” e se
alguém o questiona é porque está “contra ele”. Podia-se gostar ou não gostar do
Lopetegui treinador, o que não se pode obviar é a quantidade incrível de erros
de gestão e de trabalho táctico que acumula. Já não vivemos na idade da pedra
da informação e qualquer leigo vê um jogo do Porto e percebe o que está mal.
Muito provavelmente a imensa maioria dos jogadores que levam meses em sub
rendimento, com outro treinador – com ideias que se possam entender, com
conceitos claros e com capacidade para adaptar-se ao meio - pudessem render ao
seu verdadeiro nível.
Há, naturalmente, futebolistas
no plantel que estão muitos furos abaixo do nível de exigência do clube mas
sempre os houve. O Porto foi campeão europeu com Maciel, Ricardo Fernandes e
Ricardo Costa no plantel. Não é isso que está em causa e não é por culpa de
Jose Angel, Evandro, Bueno ou Sérgio Oliveira que as coisas estão como estão. O
importante é que esses jogadores sejam minorias, sejam úteis em determinados
momentos (Fernandes era com as bolas paradas, a velocidade de Maciel foi útil
na liga, Costa era um polivalente que cumpria) e façam parte de algo maior, uma
equipa. O Porto tem jogadores de grande nível e tem muita classe média (alguma
dela claramente sobrevalorizada pelo catálogo Doyen) mas o que não tem é uma
equipa.
Digam o que disserem, as equipas são construidas por dois elementos: o
treinador e o balneário.
O primeiro peca por
incompetente, o segundo está ausente desde que a SAD achou que mais valia a
pena publicitar a política de ciclos curtos do que cultivar o espírito do
clube. Sapunaru, que foi precisamente um desses jogadores cumpridores sem nível
aparente para ser jogador de um FC Porto, explicou há pouco como se surpreendeu
pela negativa quando veio ao Olival de visita e percebeu que nada sobrava dos
seus dias em espírito de equipa e força de balneário. Não há equipas que
triunfam em campo que não se forjem antes nos vestuários. Essa é uma das mais
evidentes regras do futebol e poucas pessoas perceberam isso tão bem como Jorge
Nuno Pinto da Costa. O maior presidente da história do futebol português – um
homem que será, para o futebol luso, tão relevante como Eusébio, Ronaldo, Figo,
Peyroteo, Futre, Pedroto ou Cândido de Oliveira – forjou a sua identidade e a
do clube a partir dessa base. Que tenha sido ele a prescindir dela explica
quase tudo o que há por saber sobre a derrota de Alvalade onde triunfou um
plantel pior, um treinador fraco, um presidente anedoctico mas, acima de tudo,
uma equipa superior.
Começa a ser cansativo o
chavão “O PdC é que sabe” quando está claro que não é assim, pelo menos não o é
há meia década. Isso faz de PdC incompetente? Nem por sombras? Empalidece o seu
passado e a dimensão da sua figura? Nem por assombro. O que isso provoca é um
dano ao clube que pode vir a ser irreversível porque justifica cada uma das
suas ações – boas e más – sem se pensar no impacto que isso possa ter.
Desmontar o balneário para apostar-se na política low cost e na potencialização
de vendas foi um erro que se está a pagar caro quando não há líderes no balneário
capazes de pegar nos colarinhos do plantel e por ordem na casa. Apostar todas
as fichas num treinador que pode ser excelente na teoria mas é nefasto na
prática também o foi e maior o vai ser ficar com ele até ao fim apenas e só
esperando por outro “momento Kelvin” que poupe justificações a dar aos sócios e
adeptos. Entregar o clube ao catalogo Doyen, esquecendo as reais necessidades
do plantel também foi um erro e hoje, quando sabendo há mais de um ano que não
íamos ter nem centrais de jeito nem Jackson, ninguém se incomodou sequer em
reforçar essas duas posições chaves, apostando antes em atrair a figura
mediática de um Iker Casillas que não tem culpa nenhuma de ser quem é mas que,
desportivamente, não trouxe nada que Helton já não desse à equipa.
Pinto da Costa está mandatado pelos sócios para tomar decisões.
Todos sabemos que enquanto se
candidate será vencedor porque a imensa maioria dos portistas é grata ou tem
medo do incerto futuro de um clube sem ele. O que no entanto começa a ser
evidente é a necessidade que Pinto da Costa faça aquilo que não faz há largos
anos de cem dias, ou seja, presidir. A ausência de decisões presidenciais, de
tomadas de posição claras e evidentes apenas reforça a sensação de vazio de
liderança e de desnorte de um clube que se fez grande na Europa precisamente
por ter sempre claro o caminho a seguir. Perder em Alvalade não é o fim do
mundo e houve seguramente piores treinadores na história do clube do que
Lopetegui. Nem uma coisa nem outra é o grande problema a resolver nos próximos
episódios porque está em causa algo maior. A necessidade de um reboot à cultura
de clube, a necessidade da instituição de ser liderada – de facto – por quem
foi eleito para isso com toda a justiça. Está na hora que os adeptos esqueçam
os pequenos detalhes que podem ser os tropeções em campo que têm solução (basta
reeditar a serie de triunfos lógicos contra rivais inferiores e decidir o
titulo no Dragão) e focarem toda a sua atenção em quem tem escolhido os últimos
treinadores (com uma total ausência de critério comum). Em quem dinamitou a
cultura de balneário que ajudou a criar. Em quem transformou os sócios e
adeptos em consumidores mas continuou a alimentar o peso das claques
organizadas de forma desproporcionada. Em quem, em suma, desviou o clube do
excelente caminho por onde seguia. Porque são eles os únicos responsáveis e os
únicos com poder e capacidade para corrigir os seus próprios erros. Ficamos à
espera!
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