João Marques de Almeida
Como bem explica Hanna Arendt, o início
do totalitarismo dá-se com a diabolização pessoal dos adversários políticos.
Parece que os dirigentes do Bloco são especialistas, mostraram-no com Durão
Barroso
1. O período entre
o Congresso do Bloco de Esquerda e a reação das suas principais figuras à
contratação de Durão Barroso pela Goldman Sachs marca a “le penização” do BE.
Tal como a Frente Nacional, e outros partidos extremistas, o BE usa uma
linguagem de ódio e raiva, e explora um discurso profundamente nacionalista
assente em argumentos populistas e demagógicos. Por exemplo, as reações de
Marine Le Pen e de Mariana Mortágua à ida de Barroso para o banco norte-americano
são exactamente iguais. Não se entende a tolerância que existe em Portugal em
relação ao discurso político do BE. Se fosse um partido de extrema-direita a
dizer o que diz o BE, haveria uma indignação geral; e “fascismo” seria a
palavra mais ouvida.
O discurso do BE a propósito
das sanções é de um nacionalismo primário absolutamente espantoso. No
parlamento, a líder do BE chegou ao cúmulo de afirmar “neste campeonato (o das
sanções) a direita torce pela Alemanha.“ Quem é que a esquerda acusava de usar
o futebol como uma forma de manipular o povo? Exactamente, Salazar. Foi ao
nível a que Catarina Martins chegou.
Aliás, as esquerdas falam das
sanções como se fossem certas. Parece que dão jeito para quem decidiu adoptar
um discurso nacionalista e populista. As sanções permitem o ataque a “Bruxelas”,
à “Europa” e à “Alemanha”. Desconfio que no fim não haverá quaisquer sanções
mas apenas recomendações. Mas, entretanto, o BE e o PCP, com o apoio tácito do
PS, já diabolizaram um inimigo externo. Exactamente do mesmo modo que fazem a
Frente Nacional em França e o UKIP em Inglaterra. Os discursos nacionalistas,
populistas e carregados de ódio têm sempre consequências. É secundário se o
proprietário desse discurso é Marine Le Pen ou Catarina Martins.
2. Da diabolização
da “Europa” por causa das supostas sanções, que ainda não foram propostas nem
adoptadas, o BE passou rapidamente ao referendo. Mais uma vez, como acontece
quase sempre, o discurso nacionalista começou com uma mentira. Ao contrário do
que diz, o BE não quer fazer um referendo ao Pacto Orçamental. Quer fazer um
referendo ao Euro. A estratégia é clara: querem aproveitar as dificuldades dos
portugueses para criarem condições para tirar o país do Euro.
À mentira juntam a demagogia,
dando ao referendo uma legitimidade democrática falsa. É necessário dizer
frontalmente que um referendo sobre o Euro constituiria uma iniciativa
anti-democrática e mesmo anti-constitucional. A redução da democracia à vontade
popular resulta de um entendimento populista e errado da democracia. O ponto
central da democracia diz respeito à legitimidade do poder: não deve ser
conquistado de um modo arbitrário, mas através da vontade da maioria. Mas há um
segundo ponto central na democracia. A vontade democrática exprime-se com
regularidade e permanentemente. As pessoas julgam os governos e, de acordo com
essa avaliação, decidem se querem mudar o seu voto. Dito de outro modo, a
democracia é um processo infindável de legitimização política, não é um
processo para impedir a liberdade de mudar. Como qualquer pessoa entende, seria
altamente anti-democrático realizar eleições uma vez e depois acabar com elas.
Chama-se a isso uma ditadura.
É isto que o BE está a propor
com o referendo. A impossibilidade de se repetir referendos sobre a mesma
questão de um modo periódico – por exemplo de quatro em quatro anos – torna-os
anti-democráticos. O que se faz se os eleitores mudarem de ideias? O génio da
democracia é o modo como permite os cidadãos mudarem as suas preferências
políticas e consequentemente os governos. Tornando impossível a virtude da
mudança, os referendos transformam a democracia numa ditadura da vontade de um
momento. Não espanta que a proposta venha do BE, um partido populista e
anti-democrático.
Além disso, a saída de
Portugal do Euro significaria o abandono da União Europeia, uma questão de
natureza constitucional. Como afirma a nossa Constituição, as maiorias simples
são insuficientes para provocar revisões constitucionais. A saída de Portugal
da UE, ou do Euro, constituiria uma revisão constitucional. Se algum dia se fizer
um referendo à Europa, exige-se um requisito essencial: uma maioria de dois
terços. Tal como com qualquer outra alteração da Constituição. Se querem um
referendo sobre a Europa, façam primeiro uma revisão constitucional impondo uma
maioria de dois terços para certos referendos.
3. A natureza
demagógica e populista do BE manifestou-se de novo com o anúncio da ida de
Durão Barroso para a Goldman Sachs. Os comentários dos seus dirigentes foram
repugnantes, cheios de ódio, transformando-os numa calúnia pessoal, inaceitável
num regime democrático. Antes de mais, não existe nada de político na escolha
de Barroso. Um cidadão livre tomou uma decisão que diz unicamente respeito à
sua vida profissional. Foi o reconhecimento de competência e valor. A Goldman
Sachs pode ter defeitos, mas não convida para “Chairman” pessoas sem elevadas
qualificações. Como afirmou e bem o presidente da República, Barroso alcançou o
topo da vida empresarial. Depois de ter atingido o topo da vida política
europeia.
Mas o BE atacou Barroso para
atacar a “União Europeia ao serviço das instituições financeiras.” Foi isso
que, tal como Marine Le Pen, Mariana Mortágua disse. Como presidente da
Comissão Europeia, Barroso teria estado ao serviço da Goldman Sachs. Só uma
mente perversa poderia fazer uma afirmação de tal gravidade sem apresentar
nenhuma evidência. Onde estão as provas para se acusar Barroso de ter servido
os interesses de bancos como presidente da Comissão Europeia? Será que Mariana
Mortágua, tal como Marine Le Pen, julga que goza de uma impunidade absoluta
para dizer os maiores disparates e fazer acusações sem qualquer fundamento?
Como explica muito bem Hanna Arendt, o início do totalitarismo dá-se com a
diabolização pessoal dos adversários políticos. Parece que os dirigentes do BE
são especialistas.
É óbvio que a experiência e os
conhecimentos políticos foram importantes para o convite a Durão Barroso. Mas o
investimento na experiência e nos conhecimentos para valorizar vida
professional é a coisa mais natural do mundo. Só quem vive de tachos públicos é
que não entende, ou não precisa de entender, esse ponto óbvio. Do mesmo modo
entende-se perfeitamente que a experiência da vida política seja uma mais valia
para uma instituição como a Goldman Sachs. Não é a esquerda que defende uma forte
intervenção do Estado na economia? Enquanto houver essa intervenção, as pessoas
com passado político serão fundamentais para o sector privado.
Durante os mandatos de Durão
Barroso, a Comissão Europeia propôs legislação para o sector financeiro que incomodou
profundamente os bancos. Um bom exemplo foi a taxa sobre as transações
financeiras, e os bancos tudo fizeram para a travar. As insinuações, a
demagogia e as estratégias totalitárias do BE é que deviam preocupar os
portugueses. Quanto à ida de Barroso para a Goldman Sachs, não tem relevância
política. Pelo contrário, é simplesmente o adeus à política de alguém cujo
valor é reconhecido por esse mundo fora. Dá muito trabalho. E provoca muitas
invejas.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
10-7-2016
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