quarta-feira, 10 de agosto de 2016

A origem da cerimônia de abertura e do revezamento da tocha olímpica

 Cesar Maia

1. Em nota, semanas atrás, este Ex-Blog lembrou porque as cidades (países) passaram a lutar tanto para sediar a Olimpíada, especialmente após a Olimpíada de 1936 em Berlim. 
         
2. As cidades e seus países estão dispostos a investir bilhões na Olimpíada e a realizar um enorme esforço em torno de suas candidaturas, o que, em geral, dura pelo menos doze anos. A nota de abertura (08/08) contava a história da candidatura do Rio, lembrando que partiu de 1993, portanto, vinte e três anos atrás, por orientação dos Senhores João Havelange e Roberto Marinho, iniciou-se esse processo, conquistando em 2009 a sede, dezesseis anos depois.
        
3. A razão da disputa de sede de uma Olimpíada tem quatro vetores:
a) A progressão esportiva do país que deve começar antes e reforçar a candidatura, e crescer depois.
b) Justificativa para fortes investimentos urbanos surgindo como legado da Olimpíada.
c) A construção de grandes equipamentos esportivos que passariam a ser a infraestrutura esportiva básica desse país.
         
4. d) Finalmente a difusão da imagem global da cidade e do país, com reflexos econômicos e políticos. Este quarto vetor passou a ter um grande destaque na Olimpíada de Berlim em 1936 e depois na de Moscou com a coreografia do ursinho Misha que encantou e ajudou a humanizar a imagem do regime soviético. 
         
5. Além destes dois casos muito estudados, a busca de projeção internacional da cidade-sede passou a ser um objetivo de todas. Os demais vetores passaram a ser uma obrigação. Outro grande destaque foi Barcelona, que além do fator imagem mostrou a importância e reconhecimento do legado urbano.

         
6. O segundo caderno do Globo (05/08) publicou uma ampla matéria analisando a inauguração do fator imagem na Olimpíada de Berlim de 1936. Como foi usada para manipular a opinião pública internacional em relação à Alemanha nazista, a matéria do Globo chamou de "farsa". E lembrou que, para isso, foram criadas a Cerimônia de Abertura e o Revezamento da Tocha. Essa Olimpíada é matéria de um filme recém lançado na Alemanha.

7. (GLOBO, 05/08) 7.1. Quando a tocha olímpica chegar ao Maracanã, hoje, o mundo verá de novo uma tradição que começou há oitenta anos, quando Joseph Goebbels, chefe da propaganda nazista, fez da Olimpíada de Berlim uma encenação tão perfeita que foi capaz de convencer o mundo de que o ditador Adolf Hitler era, na verdade, um pacifista.
    
7.2. Os detalhes da montagem dessa farsa, que deu ao regime a chance de se preparar com calma para atacar quase toda a Europa, a partir de 1939, são revelados em um novo filme, “Der traum von Olympia” (O sonho da Olimpíada), produzido pela TV alemã ARD, que acaba de ser lançado no país por ocasião do jubileu daquele evento.

7.3. O filme parte das perspectivas do nazista Wolfgang Fürstner (interpretado por Simon Schwarz) — membro do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães e comandante da aldeia olímpica — e da saltadora judia Gretel Bergmann (Sandra von Ruffin), a melhor da sua geração, banida da Alemanha por ser judia, depois chamada de volta como medida de propaganda, e por fim impedida de treinar e de saltar.         

7.4. Planejados a partir de 1931, os Jogos corriam o risco de boicote porque tanto o Comitê Olímpico quanto outros países participantes viam Hitler, no poder desde 31 de janeiro de 1933, como um tirano que era uma ameaça para o mundo. Submetida às regras ditadas pelo Tratado de Versalhes desde a derrota na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha começava a dar sinais de que descumpria exigências de desmilitarização.    

7.5. Com a máquina de propaganda de Goebbels, Berlim conseguiu, porém, convencer o mundo do “pacifismo” de Hitler. Embora o regime continuasse tão racista quanto antes, os truques de Goebbels deram certo. Nos quiosques, os jornais nazistas foram substituídos pela imprensa internacional. Durante um ano inteiro, foi mostrada na Alemanha uma exposição sobre os Jogos Olímpicos bastante didática, ensinando como funcionava a avaliação, para aumentar o júbilo e a participação popular no evento.
   
7.6. Para garantir o efeito de show dos Jogos, o primeiro evento esportivo a ser transmitido pela TV, Goebbels introduziu a viagem da tocha olímpica, que percorreu milhares de quilômetros, da Grécia até o estádio olímpico de Berlim, ideia que entusiasmou o comitê e passou a fazer parte do programa oficial de todas as Olimpíadas desde então. A viagem da pira olímpica é sem dúvida uma ironia da História: símbolo da paz e da união entre os povos, foi concebida por um dos maiores inimigos do mundo no século XX, Joseph Goebbels.

7.7. Baseado no livro do historiador Oliver Hilmes “Berlin 1936 — Sechzehn tage im august” (“Berlin 1936 — 16 dias em agosto”), lançado há poucas semanas, o filme mostra como foi possível a Hitler ofuscar os alemães, que só quando já era tarde demais descobriram como eram conduzidos pelo seu Führer para o precipício. — Berlim, o epicentro de uma ditadura brutal, parecia uma cidade em clima de festa — diz Hilmes, que no livro mostra os truques de Goebbels para enganar o mundo.

7.8. Conhecida até agora sobretudo pelas imagens de Leni Riefenstahl em “Olympia” (1938), a Olimpíada de Berlim é mostrada no novo filme da perspectiva dos bastidores: como os nazistas conseguiram encenar o espetáculo e desviar as atenções do mundo das suas intenções reais. Exibindo os acontecimentos sob a perspectiva de personagens históricos, como Gretel Bergmann e Wolfgang Fürstner, Oliver Hilmes mostra como o espetáculo foi possível, derrubando um depois do outro alguns mitos dos Jogos de 1936.

7.9. Enquanto nas encenações de Riefenstahl a Olimpíada acontece debaixo de um céu azul durante um verão que teria batido o recorde de tanto sol, na realidade, decifrada por Hilmes nos arquivos, o tempo foi chuvoso e o céu estava quase sempre coberto. Segundo Hilmes, com a ajuda desses truques, ainda hoje usados na publicidade, a competição de 1936 teve para Hitler um efeito político muito mais importante do que se julgava até agora. — Trata-se do primeiro grande evento esportivo que foi instrumentalizado totalmente pela política — afirma o autor. Para desviar as atenções das suas intenções reais, Hitler teria ordenado até uma pausa na política antissemita. O ódio contra os judeus continuava sendo um dos principais programas do partido, mas a política racista foi ocultada dos visitantes.
Título e Texto: Cesar Maia, 10-8-2016

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Jogos Olímpicos de Verão de 1936 ou Jogos da XI Olimpíada foram os Jogos Olímpicos realizados em Berlim, capital e um dos 16 estados da Alemanha, entre 1 e 16 de agosto, com a participação de 3963 atletas, sendo 328 mulheres, representando 49 países, em 22 modalidades esportivas, tornando-se até então os mais grandiosos, bem realizados, ricos e politicamente explorados Jogos Olímpicos até então.

Abertos com grande pompa no espetacular e moderno Estádio Olímpico de Berlim por Adolf Hitler, esperavam todos que os arianos ganhassem. Infelizmente para o Führer, um pequeno grupo de atletas negros norte-americanos conquistou a maioria das medalhas do atletismo, a modalidade mais importante dos Jogos, liderados por Jesse Owens, que ganhou quatro medalhas de ouro nos 100m, 200m, revezamento 4x100 (estafetas) e salto em distância (comprimento), no mais emblemático episódio da história dos Jogos Olímpicos. Mas por outro lado, a Alemanha liderou o quadro de medalhas, com 33 medalhas de ouro.

Os Jogos forneceram um palco para a estética nazi e foi utilizado como veículo de propaganda pelo regime hitleriano, como nunca antes acontecera.

Os nazistas aproveitaram o evento para propagandear suas ideias e não economizaram para isso. O orçamento dos jogos foi ampliado em 20 vezes. O resultado foi a construção do mais moderno complexo esportivo até então. O Reichssportfeld (hoje conhecido como Olympiapark Berlin) tinha como ponto central o Estádio Olímpico de Berlim, com capacidade para abrigar 100 mil pessoas.

Os organizadores criaram o cortejo da tocha olímpica, que existe até hoje. Um sino gigante com a inscrição "Ich rufe die Jugend der Welt" (Eu chamo os jovens do mundo) – celebrou a chegada da tocha na cidade olímpica. Dessa forma, o regime nazista tentava se apresentar como pacífico e aberto para o mundo.

O governante nazista de Berlim, Julius Lippert, disse em discurso três dias antes da abertura dos jogos para os representantes do Comitê Olímpico: "Berlim saúda os guerreiros olímpicos do todo o mundo. Saúda ainda, nos senhores e com os senhores, os representantes de mais de 50 nações, com as quais toda a Alemanha deseja conviver como num reduto de paz no espírito da compreensão mútua."

Por ordens de Hitler foram retiradas dos arredores da cidade olímpica todas as referências antissemitas ou que pudessem manchar a imagem da Alemanha pacífica que ele pretendia apresentar aos visitantes. O pasquim nazista Der Stürmer, por exemplo, foi recolhido de todas as bancas de revistas nas proximidades do complexo olímpico.

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