João Carlos Espada
Se as democracias continuarem a optar por
uma política reactiva que permita aos autoritários manterem a iniciativa,
podemos contar com a sombria perspectiva de ainda mais erosão do espaço
democrático.
Authoritarianism Goes Global: The Challenge to Democracy é
o título do mais recente livro publicado pela já longa parceria entre o International Forum for Democratic Studies (IFDS) e a Johns Hopkins University Press. Resulta de uma série de
debates e palestras promovidos desde 2014 pelo IFDS em Washington, DC.
O livro tem como editores
Larry Diamond e Marc F. Plattner — os dois directores-fundadores, desde 1990,
do Journal of Democracy — bem como Christopher Walker, o sucessor de Marc
Plattner na direcção do IFDS.
Plattner e Walker dirigiram em
Junho passado o painel de abertura do Estoril Political Forum 2016 (EPF) sobre este mesmo
tema, onde o livro foi apresentado. O impacto foi marcante nas largas centenas
de participantes no EPF e alimentou debates ao longo dos três dias do evento.
Com razão: o livro não deixa nenhum democrata (de esquerda ou de direita)
tranquilo.
Logo na abertura, os editores
referem três tendências que marcaram o quarto de século após a queda do Muro de
Berlim, em 1989. A primeira tendência (na verdade iniciada pelo 25 de Abril de
1974 em Portugal e pela consolidação democrática de 25 de Novembro de 1975)
ficou conhecida por “Terceira Vaga de Democratização”. Levou às transições
democráticas na Grécia e em Espanha, depois na América Latina e em vários
países asiáticos. Culminou na queda do comunismo em 1989 e deu um novo impulso
à democratização mundial. De 1990 até 2005, o número das chamadas “democracias
eleitorais” cresceu de 76 para 119. No mesmo período, o número de países
considerados livres pela Freedom House passou de 65 para 89.
Uma segunda tendência, que os
autores denominam de “backlash against democracy” começou a emergir por volta
de 2005. Basicamente tratou-se de uma reacção doméstica de vários regimes
autoritários contra oposições internas, em países como o Egipto, a Rússia, a
Venezuela ou o Zimbabwe. Em 2006, o Journal of Democracy estimava
que esse retrocesso estaria a ocorrer em apenas 20 dos cerca de 80 países que
recebiam assistência democrática. Seria, por isso, um fenómeno limitado.
Mas uma terceira tendência — a
que os autores chamam “vaga autoritária” — veio entretanto ampliar o alcance e
a natureza daquele retrocesso, que era inicialmente limitado e sobretudo
doméstico. “Liderados pelos ‘Cinco Grandes’ estados autoritários da China,
Rússia, Irão, Arábia Saudita e Venezuela, os poderes autoritários têm tomado
acções mais coordenadas e decisivas para conter a democracia a um nível global”
— escrevem os editores na introdução do livro.
É esta natureza global, e já
não doméstica, da reacção autoritária que dá o título ao livro e domina os
vários capítulos. Numa primeira parte, é analisada a estratégia global de cada
um dos “Cinco Grandes”. A segunda parte contém sete capítulos que analisam as
estratégias de “soft-power” da vaga autoritária em áreas como a alteração das
normas internacionais, a manipulação do mecanismo de observação de eleições, o
controlo sobre a sociedade civil, a ofensiva global sobre os meios de
comunicação social e a internet à escala global.
Não é possível resumir aqui a
imensa informação que o livro contém sobre esta “vaga autoritária global”. Mas
talvez valha a pena referir alguns aspectos da impressionante campanha
mediática que está a ser financiada à escala global pelos “Cinco Grandes”.
No caso da Rússia, por
exemplo, a cadeia de televisão RT tem uma sede em Washington e estações
emissoras em Nova Iorque, Miami e Los Angeles. Além de emitir em inglês, tem
também uma edição em árabe e outra em espanhol.
Também a China, através da
CCTV, oferece programas televisivos em inglês, francês, árabe, russo, e
espanhol. Na sua sede em Washington, a CCTV emprega cerca de trinta jornalistas
na produção de programas em mandarim — e mais de cem na produção de programas
em inglês. A CCTV tem doze escritórios na América Latina, e uma enorme rede em
África. Segundo uma investigação da Reuters, 33 estações em 14 países
transmitem primariamente conteúdos produzidos ou fornecidos pela CRI (China
Radio International) nos EUA, Austrália e Europa.
Como sublinha Christopher
Walker na conclusão de Authoritarianism Goes Global, o que
caracteriza as redes emissoras dos “Cinco Grandes” é a comum oposição ao
Ocidente, aos EUA e à União Europeia. “Na medida que que aqueles cinco regimes
possam concordar com alguma ideologia, essa ideologia é o anti-americanismo”,
observa Walker.
E conclui: “se as democracias
continuarem a optar por uma mera política reactiva que permita aos autoritários
manterem a iniciativa, podemos contar com a sombria perspectiva de uma ainda
maior erosão do espaço democrático nos próximos anos.”
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