Fernando Gouveia
Não foram poucos os episódios
de cobertura para lá de distorcida, e em muitos casos simplesmente mentirosa,
durante a campanha eleitoral nos EUA. A “desculpa” quanto à utilização do
expediente era algo do tipo “ele é péssimo, seu governo será um inferno, então
não é errado fazer de tudo para evitá-lo”. E fizeram quase tudo, mesmo. Porém,
deu errado.
Em vez de parar, resolveram
intensificar a tática comprovadamente furada – demonstrando a um só tempo a
existência das bolhas ideológicas pós-verdadeiras e a idiotice avassaladora dos
que nelas habitam.
Serve de exemplo o episódio do
“dossiê Trump”: segundo o “documento”, ele seria chantageado pela inteligência
russa, já que tinham em mãos alguns filmes de estripulias íntimas num hotel
russo, inclusive em práticas fetichistas de nível “avançado”. De alguma forma,
isso chegou às mãos de políticos americanos e eles encaminharam para seus
próprios órgãos de inteligência.
Foi nessa fase que entrou a
gloriosa mídia. Um veículo forte na web e uma emissora de alcance internacional
deram a história. O primeiro trouxe o tal documento; a outra apenas
mencionando, naquelas de “esta história ainda não está confirmada”.
A esta altura, como todos já
sabem, era lorota. O “dossiê” foi refutado de forma até meio patética e a coisa
ganhou ares de tragicomédia quando um grupo reclamou a autoria e era no fim das
contas uma pegadinha. Vexame total.
Mas o que se viu em seguida
foi um festival de bizarrices. Bem poucos pediram desculpas, o resto resmungou,
houve quem preferisse o silêncio, mas chamou atenção o tamanho da turma
ENDOSSANDO a coisa toda, mesmo sendo mentira. Para eles, Trump seria um mal
maior, de modo que qualquer expediente se tornaria válido para atacá-lo – até a
mentira. Outros buscaram mais discrição na trucagem, partindo para o “bom, mas
pode ser verdade, não é mesmo?”.
E quem apontasse (e aponta)
esse tipo de traquitana era (e é) chamado de DEFENSOR DO TRUMP. Os diálogos
seguem mais ou menos o seguinte esquema:
– Viu que tão
chantageando Trump, o negócio dos filmes em que ele e prostitutas aprontam num
hotel da Rússia?
– Mas isso é mentira.
– Não é.
– É sim, olha aqui (vai o link).
– Bom, mas poderia ser verdade.
– Pois é, mas é mentira.
– Peraí, você tá defendendo o Trump? Então acha que ele é uma boa pessoa? Não acha que ele também já contou mentira?
– Mas isso é mentira.
– Não é.
– É sim, olha aqui (vai o link).
– Bom, mas poderia ser verdade.
– Pois é, mas é mentira.
– Peraí, você tá defendendo o Trump? Então acha que ele é uma boa pessoa? Não acha que ele também já contou mentira?
E então, ao condenar a difusão
de lorotas como algo razoável, o interlocutor se torna DEFENSOR DE TRUMP. É
mole?
Mas isso não ocorre por acaso.
Trata-se de tática velha da esquerda: vincular o adversário (ou potencial
adversário, ou ainda opositor em algum debate) a figura repugnante. O propósito
é mesquinho, daí o sucesso entre os canhotos: buscam fazer com que a pessoa
ganhe todos os defeitos (verdadeiros, exagerados ou inventados) atribuídos à
figura maligna. E também isso hoje em dia não tem funcionado.
Já as mentiras e distorções
narrativas para atacar adversários ideológicos, vale dizer, deram certo durante
muitos anos, pois um bom truque pode ser eficiente mesmo ao longo das décadas.
O problema é quando se descobre como o mágico faz aquilo. Diante de uma plateia
informada do procedimento, toda tentativa de repetição se transforma em
episódio patético.
É esse o desespero deles,
hoje. A meninada, com tempo de sobra na web e talento considerável, acha as
fontes apontadas em questão de segundos e imediatamente as matérias, textos,
posts e afins recebem contestações e questionamentos os mais variados, num tipo
de reação impensável poucos anos atrás.
Fazem isso por que amam Trump?
Claro que não. Na grande maioria das vezes, a reação decorre do ódio à mentira.
E são esses leitores, ou potenciais leitores, que a grande imprensa acaba
perdendo a cada vez que repete tal prática.
Seria simples evitar isso, mas
parece ser difícil abrir mão de velhos truques, mesmo quando descobertos. Uma
pena.
Título e Texto: Fernando Gouveia é
co-fundador do Implicante, onde publica suas colunas
às segundas-feiras. É advogado, pós-graduado em Direito Empresarial e atua em
comunicação online há 16 anos. Músico amador e escritor mais amador ainda,
é autor do livro de microcontos “O Autor”. 6-2-2017
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