segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Trump e o descrédito do jornalismo tradicional

Miguel Nunes Silva
Existe uma atitude de profunda dissonância cognitiva no jornalismo português que se limitou a confortavelmente papaguear o que apenas uma parte dos media americanos afirmava

Uma teoria que será divulgada durante os próximos dias é que a vitória de Trump se deve a três fatores: dificuldades em sondar o público na era das redes sociais, os escândalos de Hillary Clinton perto das eleições, os problemas económicos dos EUA e as promessas populistas de Trump.

Tudo isso poderia ter garantido uma vitória de Trump mas não uma com a dimensão que esta teve, tendo Trump melhores resultados até que Obama em 2008.

Uma teoria que não será divulgada é que os media ditos centristas fizeram o pior trabalho deontologicamente em décadas. A falta de profissionalismo e parcialidade gritante de jornalistas foi aliás exposta pelas fugas de documentos do Partido Democrata feitas pela Wikileaks.

A verdade que não foi divulgada pelos media em geral é que Trump apresentava resultados eleitorais desde as primárias republicanas que indicavam uma vitória esmagadora em Novembro. Nomeadamente com resultados surpreendentemente positivos com independentes, eleitorado a votar pela primeira vez e, ao contrário do que os media reportaram, com minorias.

Igualmente, nos meios de comunicação social nacionais, durante toda a campanha foi sempre dito aos Portugueses que “as sondagens” davam a vantagem a Hillary Clinton. Na verdade sondagens reputadas, como as da Rasmussen ou da USC, davam a eleição muito mais renhida ou mesmo com vantagem para Trump.

Como se explica a incongruência?

Durante os anos de George W. Bush, chamou-se à mentalidade que persuadiu a Casa Branca a invadir o Iraque ‘group think’. Por outras palavras, mentalidade de grupo cegou as pessoas a realidades óbvias que desaconselhavam a invasão. Foi isto que se passou com os media progressistas nos EUA: a CNN, a CBS, a ABC, a Reuters, jornais como o New York Times ou o Washington Post, convenceram-se de que o Americano médio desprezava Trump tanto como eles. Por esta razão, sondagens eram baseadas em estatísticas de afluência de Democratas às urnas de 2008 e 2012 (sendo evidente para qualquer pessoa razoável que Hillary não iria lograr o mesmo entusiasmo que Obama), desproporcionalmente sondando eleitores Democratas e mulheres, por conseguinte dando vantagens estatísticas a Hillary que não se refletiam na realidade.

Falando de realidade, nunca os Portugueses foram informados que Hillary Clinton não deu conferências de imprensa durante meses e meses durante uma campanha eleitoral disputadíssima e com acontecimentos internacionais extremamente relevantes ou que enquanto Trump dava comícios regularmente e com grandes afluências, Hillary ou não se dava ao trabalho ou quando o fazia obtinha afluências comparativamente muito mais pequenas.

Um outro argumento frequentemente avançado pela classe jornalística era que as minorias garantiriam a Hillary a vitória em estados cruciais. O que não foi reportado é que os hispânicos não são um bloco monolítico e que enquanto Americanos de ascendência Mexicana na Califórnia poderiam ter-se sentido ofendidos pelos discursos de Trump, Americanos de ascendência Cubana na Florida tinham uma perspetiva muitíssimo diferente pois não só estavam ressentidos com Obama por ter reatado relações diplomáticas com Cuba mas enquanto que eles e muitas outras etnias tinham tido que passar por anos de processo de naturalização, imigrantes ilegais muitos deles da América central, tinham sido beneficiados por amnistias presidenciais durante as administrações Bush e Obama.

É prática corrente em Portugal comprar avulso conteúdo televisivo de meios de comunicação social internacionais progressistas e não fazer um mínimo de escrutínio de tal material. Os mesmos media que reportaram os escândalos sexuais de Bill Clinton menorizando-os como questões pessoais que cristãos fundamentalistas instrumentalizavam para tentar fragilizar a administração Clinton, deram vinte vezes mais tempo de antena ao escândalo pessoal da gravação secreta de Trump do que às revelações da Wikileaks, de casos de corrupção de Hillary Clinton enquanto detentora de um cargo público.

Os media nacionais foram peritos em informar sobre todos os apoios que Hillary recolheu no meio artístico, nomeadamente de Hollywood mas ninguém se deu ao trabalho de explicar o porquê de Trump ter ganho a nomeação do partido Republicano. Informação que teria sido útil aos Portugueses por exemplo, seria explicar porque os Americanos tinham uma perspetiva tão negativa da imigração hispânica e Mexicana e porque o partido Democrata pouco ou nada tinha feito sobre a questão durante a última década. Teria sido interessante explicar que um terço da população prisional dos EUA é hispânica – grande parte dela devida ao tráfico de droga e a atividade de gangues urbanos violentos, e muita dela também oriunda de imigração ilegal. Teria sido ainda pertinente fazer os Portugueses compreender que o Partido Democrata sendo o mais beneficiado eleitoralmente por imigração oriunda de países em desenvolvimento, tinha passado amnistia atrás de amnistia para com imigrantes ilegais permitindo que eles permanecessem em território Americano, ou feito pressão com o mesmo efeito durante administrações Republicanas.

Igualmente relevante teria sido explicar o fenómeno do politicamente correto e a dimensão desastrosa que ele tem assumido nos EUA, assim motivando muitos jovens a votar Trump, pela sua posição anti politicamente correto. Durante o último ano ou dois, a América tem assistido ao fenómeno dos motins raciais. Os jornalistas Portugueses rapidamente divulgaram estes acontecimentos mas não os explicaram: como é afinal possível que tais motins tenham lugar durante a administração progressista do primeiro Presidente negro dos EUA, predominantemente em cidades governadas por Democratas? A acusação de ‘racismo’ é pouco plausível nas circunstâncias descritas pelo que apenas idiossincrasias culturais fazem sentido. No entanto, para o culto da justiça social que lavra pelos EUA, o que está em questão é racismo oculto, sem no entanto conseguirem explicar razoavelmente de onde ele vem.

Este culto devoto à teoria da conspiração é jovem e particularmente endémico nas universidades Americanas e sobretudo nas ciências sociais. O extremismo desta ideologia chega ao cúmulo de exigir a censura de obras clássicas de literatura ou a remoção de monumentos históricos a figuras imorais, à luz desta ideologia. Estes grupos são particularmente fanáticos tendo causado distúrbios em universidades, e forçado a demissão de professores e administradores, tudo em nome do politicamente correto. No caso do famoso ‘Black Lives Matter’, o grupo bloqueou estradas, vandalizou cidades e até apelou ao assassinato de polícias – o que acabou por vir a acontecer. Parte do apoio a Trump parte da reação a estas tendências extremistas pois o Presidente Obama e o partido Democrata, longe de repudiarem tal fanatismo, resolveram acolhê-lo com Hillary Clinton a fazer questão de convidar para a convenção democrata, a mãe de Michael Brown: um jovem negro abatido pela polícia cuja carreira criminosa era longa, num evento que os tribunais julgaram justificado, pois ele havia sido filmado a intimidar e roubar o empregado de uma loja de conveniência.

Mais do que tudo, existe uma atitude de profunda dissonância cognitiva no jornalismo português não querer admitir que muito do que Trump representa para o eleitorado americano é uma determinação em empiricamente aprender com os erros grosseiros que países Europeus cometeram. Não, a América não quer os efeitos perversos da imigração em massa de Rotherham ou Colónia, ou atentados como Bruxelas ou Paris.

Mas longe de informar e educar, o jornalismo nacional limitou-se a confortavelmente papaguear o que apenas uma parte dos media americanos afirmava, isto em detrimento de fazer uma cobertura substantiva e livre de insultos histéricos na linha de que Trump era a ressurreição de Adolf Hitler. A prova derradeira é que durante um ano inteiro, nenhuma TV nacional foi capaz de encontrar um único comentador ou jornalista que fosse favorável a Trump para poder comentar as eleições Americanas.

Por fim, a histeria despropositada que os media promoveram em relação a Trump acabou por não pegar com os eleitores porque não só é Trump bem conhecido por todos os Americanos mas depois de tanto alarmismo injustificado, as interpretações mirabolantes das palavras de Trump tornaram-se redundantes.
Título e Texto: Miguel Nunes Silva *, Observador, 13-11-2016
* Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa, mestre em Estudos Europeus pelo Colégio da Europa em Bruges e investigador na companhia Wikistrat Inc., tendo escrito para publicações como The National Interest, European Geostrategy ou o Jornal de Defesa e Relações Internacionais. Trabalhou previamente para instituições como o Tribunal Penal Internacional, o Serviço Europeu de Ação Externa ou a Organização para a Proibição de Armas Químicas.

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