segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Até onde é que o vandalismo tem justificação?

José Milhazes
Afinal o vandalismo até pode não o ser desde que cometido pela extrema-esquerda e comparado a algo que se diz pior. Afinal a cobardia feita pela calada da noite pode ser revolucionária e progressista.
Foto: Leonel de Castro/Global Imagens
O acto de conspurcação da fachada do restaurante Cantinho do Avillez no Porto fez-me descobrir mais uma coisa: afinal, o vandalismo até pode não o ser desde que cometido pela extrema-esquerda e comparado a algo que se considera pior. Afinal, até a cobardia feita pela calada da noite pode ser revolucionária e progressista.

Em declarações ao Diário de Notícias, José Falcão, dirigente da organização SOS Racismo, apoia os vândalos cobardes que sujaram a fachada do restaurante e insultaram o seu dono, o conhecido mestre de cozinha José Avillez por este (imaginem!) ter ido participar num evento em Israel.

A justificação que dá este combatente contra o racismo para a sua posição é “brilhante”, digna de uma demagogia ridícula: “Afinal, eles tomaram uma atitude face a um acto que é muito pior”. Eu nem poderia justificar semelhante ataque se o mestre Avillez apoiasse a política de colonatos de Israel ou tivesse visitado algum, mas ele foi lá apenas participar num evento e nem sequer se pronunciou sobre o problema israelo-palestino.

Imaginem agora que algum grupo de extrema-direita fosse vandalizar as paredes de figuras conhecidas que visitam a Rússia, onde o Presidente Putin matou dezenas de milhares de civis na Chechénia, ou Cuba, onde os irmãos Castro insistem em governar um país e um povo à sua maneira sem lhes perguntar nada. Ou as paredes de sedes de organizações e partidos políticos que defendem e justificam as atrocidades de Lenine, Estaline, Trotski ou Mao, etc. Cairia o Carmo e a Trindade.

Não vi a condenação deste acto nas páginas electrónicas de organizações que desaconselharam a viagem de José Avillez a Israel, como é o caso do Conselho Português para a Paz e a Cooperação. Afinal, como se subentende das palavras de José Falcão, os vândalos até se podiam ter comportado pior e fazer maiores estragos, o importante é que fossem menores do que aqueles que os israelitas cometem contra os palestinianos!

Já ouvi essas mesmas organizações protestarem contra a guerra na Síria, mas só contra um dos lados da matança: o lado da oposição ao regime de Bashar Assad, os Estados Unidos e os seus aliados. Será que as bombas do outro lado — as de Assad, da Rússia e do Irão — fazem menos mortes e destruições, ou são antes “ideologicamente correctas”? Pensei que pelo menos quando se matam crianças inocentes e se destroem hospitais, não funcionasse a tese leninista das guerras “justa” e injusta”. Pelos vistos, estou enganado.

E também é muito estranho que um senhor que esteja na linha da frente da luta contra o racismo não se tenha dado conta da presença de anti-semitismo neste ataque. Ou este fenómeno asqueroso é tolerável se não atingir a violência dos actos cometidos por israelitas contra palestinos?

Portugal já tem uma triste e longa história de discriminação de judeus, uma das causas do nosso atraso económico e cultural, e o facto de isso já ter acontecido há alguns séculos não nos deve consolar. Não é com sinais como o que aconteceu no Porto que se dão as boas-vindas àqueles descendentes dos judeus portugueses que querem regressar à terra dos seus antepassados.

Poderão acusar-me de exagero, mas, pelo que mostra a história, as coisas podem descambar para episódios ainda piores. Aqui só um peso e uma medida: tolerância zero, pois não quero que a história se repita e concretizem novamente as palavras de Martin Niemoller: “Primeiro, os nazis vieram buscar os comunistas, mas, como eu não era comunista, calei-me. Depois, vieram buscar os judeus, mas, como eu não era judeu, não protestei. Então, vieram buscar os sindicalistas, mas, como eu não era sindicalista, fiquei em silêncio. Então, eles vieram buscar os católicos e, como eu era protestante, olhei para outro lado. Então, quando me vieram buscar… já não restava ninguém para protestar”.
Título e Texto: José Milhazes, Observador, 21-11-2016

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