José Milhazes
Afinal o vandalismo até pode não o ser
desde que cometido pela extrema-esquerda e comparado a algo que se diz pior.
Afinal a cobardia feita pela calada da noite pode ser revolucionária e
progressista.
O acto de conspurcação da
fachada do restaurante Cantinho do Avillez no Porto fez-me descobrir mais uma
coisa: afinal, o vandalismo até pode não o ser desde que cometido pela
extrema-esquerda e comparado a algo que se considera pior. Afinal, até a
cobardia feita pela calada da noite pode ser revolucionária e progressista.
Foto: Leonel de Castro/Global Imagens
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Em declarações ao Diário de
Notícias, José Falcão, dirigente da organização SOS Racismo, apoia os vândalos
cobardes que sujaram a fachada do restaurante e insultaram o seu dono, o
conhecido mestre de cozinha José Avillez por este (imaginem!) ter ido
participar num evento em Israel.
A justificação que dá este
combatente contra o racismo para a sua posição é “brilhante”, digna de uma
demagogia ridícula: “Afinal, eles tomaram uma atitude face a um acto que é
muito pior”. Eu nem poderia justificar semelhante ataque se o mestre Avillez apoiasse
a política de colonatos de Israel ou tivesse visitado algum, mas ele foi lá
apenas participar num evento e nem sequer se pronunciou sobre o problema
israelo-palestino.
Imaginem agora que algum grupo de extrema-direita fosse vandalizar as paredes de figuras conhecidas que visitam a Rússia, onde o Presidente Putin matou dezenas de milhares de civis na Chechénia, ou Cuba, onde os irmãos Castro insistem em governar um país e um povo à sua maneira sem lhes perguntar nada. Ou as paredes de sedes de organizações e partidos políticos que defendem e justificam as atrocidades de Lenine, Estaline, Trotski ou Mao, etc. Cairia o Carmo e a Trindade.
Não vi a condenação deste acto
nas páginas electrónicas de organizações que desaconselharam a viagem de José
Avillez a Israel, como é o caso do Conselho Português para a Paz e a
Cooperação. Afinal, como se subentende das palavras de José Falcão, os vândalos
até se podiam ter comportado pior e fazer maiores estragos, o importante é que
fossem menores do que aqueles que os israelitas cometem contra os
palestinianos!
Já ouvi essas mesmas
organizações protestarem contra a guerra na Síria, mas só contra um dos lados
da matança: o lado da oposição ao regime de Bashar Assad, os Estados Unidos e
os seus aliados. Será que as bombas do outro lado — as de Assad, da Rússia e do
Irão — fazem menos mortes e destruições, ou são antes “ideologicamente
correctas”? Pensei que pelo menos quando se matam crianças inocentes e se
destroem hospitais, não funcionasse a tese leninista das guerras “justa” e
injusta”. Pelos vistos, estou enganado.
E também é muito estranho que
um senhor que esteja na linha da frente da luta contra o racismo não se tenha
dado conta da presença de anti-semitismo neste ataque. Ou este fenómeno
asqueroso é tolerável se não atingir a violência dos actos cometidos por
israelitas contra palestinos?
Portugal já tem uma triste e
longa história de discriminação de judeus, uma das causas do nosso atraso
económico e cultural, e o facto de isso já ter acontecido há alguns séculos não
nos deve consolar. Não é com sinais como o que aconteceu no Porto que se dão as
boas-vindas àqueles descendentes dos judeus portugueses que querem regressar à
terra dos seus antepassados.
Poderão acusar-me de exagero,
mas, pelo que mostra a história, as coisas podem descambar para episódios ainda
piores. Aqui só um peso e uma medida: tolerância zero, pois não quero que a
história se repita e concretizem novamente as palavras de Martin Niemoller:
“Primeiro, os nazis vieram buscar os comunistas, mas, como eu não era
comunista, calei-me. Depois, vieram buscar os judeus, mas, como eu não era
judeu, não protestei. Então, vieram buscar os sindicalistas, mas, como eu não
era sindicalista, fiquei em silêncio. Então, eles vieram buscar os católicos e,
como eu era protestante, olhei para outro lado. Então, quando me vieram buscar…
já não restava ninguém para protestar”.
Título e Texto: José Milhazes, Observador, 21-11-2016
Título e Texto: José Milhazes, Observador, 21-11-2016
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