João Marques de Almeida
Há um aspecto central que separa Le Pen
de Trump e dos partidários do Brexit: o Euro. Nada indica que haja em França
uma maioria a favor da saída do Euro, como defende a Frente Nacional
É espantoso como tanta gente
olha para o mundo como se fosse um dominó. Depois do Brexit e de Trump, dizem
os teóricos do dominó, será a vez da França com a chegada de Le Pen filha ao
Eliseu. Esqueçam os dominós. Trump é diferente do Brexit e Marine é muito
diferente de ambos. Será tentador explicar o referendo britânico, a eleição
norte americana e a eleição francesa com o recurso a uma grande teoria, o
crescimento do populismo no mundo ocidental, mas não é muito esclarecedor.
Vamos aceitar que o populismo
aumentou no Reino Unido, o que se confirma com o crescimento do UKIP e com a
conquista do partido trabalhista pelo socialismo populista. O populismo não
explica, contudo, o Brexit. O cepticismo em relação à integração europeia
marcou sempre a política britânica, sobretudo desde a década de 1990. Com
populismo ou sem populismo, seria sempre difícil para o campo do Sim ganhar um
referendo europeu em Inglaterra. Mas o que explica a vitória do Não foi a
divisão do partido conservador em relação à Europa, uma das questões centrais
da política britânica desde o consulado de John Major. Se os Tories estivessem
unidos na questão europeia, o Sim à Europa teria ganho o referendo. Sozinho, o
UKIP não seria suficiente para tirar os britânicos da UE.
A coligação anti-europeia no
interior dos conservadores é composta por correntes com motivações diferentes,
mas até ao dia das eleições americanas, a maioria do partido era crítica de
Trump, ou no mínimo mantinha uma distância prudente. Uma das principais figuras
conservadoras, Boris Johnson, chegou a afirmar que não iria a Nova Iorque para
não correr o risco de encontrar Trump. Os Tories nunca se entusiasmaram com
Trump e muitos atacaram o candidato republicano.
Se a distância entre os
conservadores e Trump têm sido notórias (nisso os Tories têm sido muito
europeus), a diferença entre Trump e Le Pen é igualmente clara. Até a dimensão
anti-sistema dos dois é diferente. Trump combateu o sistema político para
vencer as eleições, mas foi sempre próximo do establishment empresarial e
financeiro. Marine Le Pen detesta os círculos financeiros e capitalistas, mas a
Frente Nacional faz parte do sistema político francês há cerca de duas décadas.
Trump pretende reforçar Wall Street. Le Pen quer combater o poder financeiro.
Trump é acima de tudo um político pragmático. Le Pen lidera um projecto
ideológico. Trump foi o candidato dos republicanos americanos. Marine quer
derrotar e destruir os republicanos franceses.
Marine Le Pen pode acabar por
ser eleita, mas não estou convencido pelo argumento de que a vitória de Trump a
favorece politicamente. Tendo em conta a profunda antipatia da esmagadora dos
franceses por Trump, parece-me estranho que a aproximação ao novo presidente
americano seja uma estratégia eleitoral vitoriosa em França. Além disso, a
possibilidade de uma vitória de Le Pen não surgiu com a chegada de Trump à
política.
Por fim, há um aspecto central
que separa Le Pen de Trump e dos partidários do Brexit: o Euro. Nada indica que
haja em França uma maioria a favor da saída do Euro, como defende a Frente
Nacional. Os que votaram em Trump, nos Estados Unidos, e na saída da UE, no
Reino Unido, não receiam as consequências económicas das suas escolhas. A
maioria dos franceses pode estar insatisfeita e zangada com os políticos, mas
sabe fazer contas. Os franceses sabem que o regresso ao franco iria baixar os
salários, as pensões e as poupanças. Estas questões não estavam em jogo no
referendo britânico nem nas eleições americanas. As grandes teorias podem ser
apelativas, e por vezes são úteis, mas as eleições decidem-se no interior de
cada país e são influenciadas por questões nacionais. A política é mais
complicada do que os jogos de dominó.
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