segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Marine Le Pen não é Trump

João Marques de Almeida
Há um aspecto central que separa Le Pen de Trump e dos partidários do Brexit: o Euro. Nada indica que haja em França uma maioria a favor da saída do Euro, como defende a Frente Nacional
É espantoso como tanta gente olha para o mundo como se fosse um dominó. Depois do Brexit e de Trump, dizem os teóricos do dominó, será a vez da França com a chegada de Le Pen filha ao Eliseu. Esqueçam os dominós. Trump é diferente do Brexit e Marine é muito diferente de ambos. Será tentador explicar o referendo britânico, a eleição norte americana e a eleição francesa com o recurso a uma grande teoria, o crescimento do populismo no mundo ocidental, mas não é muito esclarecedor.

Vamos aceitar que o populismo aumentou no Reino Unido, o que se confirma com o crescimento do UKIP e com a conquista do partido trabalhista pelo socialismo populista. O populismo não explica, contudo, o Brexit. O cepticismo em relação à integração europeia marcou sempre a política britânica, sobretudo desde a década de 1990. Com populismo ou sem populismo, seria sempre difícil para o campo do Sim ganhar um referendo europeu em Inglaterra. Mas o que explica a vitória do Não foi a divisão do partido conservador em relação à Europa, uma das questões centrais da política britânica desde o consulado de John Major. Se os Tories estivessem unidos na questão europeia, o Sim à Europa teria ganho o referendo. Sozinho, o UKIP não seria suficiente para tirar os britânicos da UE.

A coligação anti-europeia no interior dos conservadores é composta por correntes com motivações diferentes, mas até ao dia das eleições americanas, a maioria do partido era crítica de Trump, ou no mínimo mantinha uma distância prudente. Uma das principais figuras conservadoras, Boris Johnson, chegou a afirmar que não iria a Nova Iorque para não correr o risco de encontrar Trump. Os Tories nunca se entusiasmaram com Trump e muitos atacaram o candidato republicano.

Se a distância entre os conservadores e Trump têm sido notórias (nisso os Tories têm sido muito europeus), a diferença entre Trump e Le Pen é igualmente clara. Até a dimensão anti-sistema dos dois é diferente. Trump combateu o sistema político para vencer as eleições, mas foi sempre próximo do establishment empresarial e financeiro. Marine Le Pen detesta os círculos financeiros e capitalistas, mas a Frente Nacional faz parte do sistema político francês há cerca de duas décadas. Trump pretende reforçar Wall Street. Le Pen quer combater o poder financeiro. Trump é acima de tudo um político pragmático. Le Pen lidera um projecto ideológico. Trump foi o candidato dos republicanos americanos. Marine quer derrotar e destruir os republicanos franceses.

Marine Le Pen pode acabar por ser eleita, mas não estou convencido pelo argumento de que a vitória de Trump a favorece politicamente. Tendo em conta a profunda antipatia da esmagadora dos franceses por Trump, parece-me estranho que a aproximação ao novo presidente americano seja uma estratégia eleitoral vitoriosa em França. Além disso, a possibilidade de uma vitória de Le Pen não surgiu com a chegada de Trump à política.

Por fim, há um aspecto central que separa Le Pen de Trump e dos partidários do Brexit: o Euro. Nada indica que haja em França uma maioria a favor da saída do Euro, como defende a Frente Nacional. Os que votaram em Trump, nos Estados Unidos, e na saída da UE, no Reino Unido, não receiam as consequências económicas das suas escolhas. A maioria dos franceses pode estar insatisfeita e zangada com os políticos, mas sabe fazer contas. Os franceses sabem que o regresso ao franco iria baixar os salários, as pensões e as poupanças. Estas questões não estavam em jogo no referendo britânico nem nas eleições americanas. As grandes teorias podem ser apelativas, e por vezes são úteis, mas as eleições decidem-se no interior de cada país e são influenciadas por questões nacionais. A política é mais complicada do que os jogos de dominó.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador, 20-11-2016

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