A decisão censória do governo francês
está bem distante do sofrimento das pessoas e das angústias de uma mãe ao saber
que o seu bebé tem trissomia 21. O vídeo “Querida futura mãe” não propaga
mentiras
A 11 de Janeiro de 2015, como
homenagem às vítimas dos atentados realizados ao semanário satírico Charlie
Hebdo e do assalto a uma mercearia judaica em Paris, cerca de 50 chefes de
Estado e de Governo desfilaram em silêncio em Paris. O Presidente francês,
François Hollande quis desta forma mostrar ao mundo que a França repudiava o
terrorismo e não admitia qualquer limitação à liberdade de expressão.
Curiosamente, foi o governo
francês que há dias deu um sinal de absoluta contradição, na defesa deste
direito inegociável, ao proibir um anúncio em que várias crianças com trissomia
21 explicam a uma futura mãe que não deve temer pelo facto de o seu filho,
ainda por nascer, ter sido diagnosticado com essa anomalia.
Para assinalar o dia mundial
da trissomia 21 foi criado um vídeo chamado “Querida futura mãe”, no qual
várias crianças e jovens de diversos países falam de tudo o que o seu filho vai
poder alcançar, apesar da doença e de algumas dificuldades, transmitindo uma
mensagem de esperança e otimismo às futuras mães.
Numa altura em que há cada vez
mais abortos de bebés com o diagnóstico pré-natal de trissomia 21, o objetivo
das associações de doentes é tentar explicar que tem havido avanços da medicina
que proporcionam melhorias nos cuidados prestados aos portadores de trissomia
21, garantido um aumento da longevidade e uma maior autonomia destas crianças e
jovens.
Este pequeno filme que se
destinava a passar na televisão francesa foi censurado pelo Conselho Superior
de Audiovisual francês, com a alegação de que não se enquadrava nos critérios
de serviço público, invocando o argumento de que as imagens de crianças com
trissomia 21 sorridentes e felizes poderia “perturbar as consciências de
mulheres que tinham tomado, legalmente, outras escolhas de vida pessoais” (leia-se
aborto). Esta decisão censória foi posteriormente confirmada pelo Conselho de
Estado francês, levando a uma justa indignação das organizações que se dedicam
a apoiar as famílias de portadores de trissomia 21.
Uma das minhas experiências
profissionais mais ricas e gratificantes foi ter trabalhado como psiquiatra
numa associação de pais e amigos (APPACDM de Santarém) que ajuda, trata, e
reabilita crianças e jovens com deficiências graves, entre as quais se encontra
a trissomia 21. Recordo as gargalhadas, os beijos e abraços de dezenas de
jovens e crianças; lembro-me dos seus rostos luminosos pela alegria
proporcionada por estarem a ser tratados com afeto, carinho e o empenho de
vários profissionais (psicólogos, terapeutas ocupacionais, professores de ensino
especial, monitores, etc.). Curvo-me perante o exemplo de muitos pais que, não
obstante as graves incapacidades resultantes da doença, dão testemunhos
heroicos de uma vida dedicada ao amor e ao cuidado dos seus filhos.
Esta decisão censória do
governo francês, ocorrida provavelmente num gabinete com belos veludos
carmesim, está muito distante do sofrimento real das pessoas e das angústias de
uma mãe que soube que o seu bebé tem trissomia 21. Diante dos factos relatados,
existe uma palavra para classificar esta censura miserável à liberdade de
expressão por parte do governo francês: hipocrisia. Na verdade, o vídeo
“Querida futura mãe” não propaga nenhuma mentira, não condena ninguém, mas faz
pensar que, mesmo perante o choque de um diagnóstico pré-natal de trissomia 21,
não podemos cair na tentação de um automatismo eugénico através do aborto, pois
há outra solução.
É preciso denunciar o cinismo
das sociedades que se dizem democráticas e tolerantes, mas que na prática adotam
decisões que limitam a informação e a liberdade. Há certas forças obscuras que
gostariam de impor o silêncio a tudo aquilo que se afasta do politicamente
correto, de modo a poderem governar mais facilmente o mundo, de acordo com os
seus princípios ideológicos egoístas e déspotas.
Não me parece necessário
evocar o sonho eugénico concebido por Hitler. No entanto, convém desconfiar
sempre dos governantes que apesar de olharem para o Céu e jurarem defender a
liberdade, a incoerência dos seus atos revela que o totalitarismo os atrai
incessantemente.
Título e Texto: Pedro Afonso, Médico Psiquiatra, Observador, 30-11-2016
Título e Texto: Pedro Afonso, Médico Psiquiatra, Observador, 30-11-2016
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