Alberto Gonçalves
1. O próximo presidente dos EUA será o célebre pantomineiro Donald
Trump, um racista que tem negros entre os seus principais apoiantes, um
xenófobo casado com uma estrangeira, um intolerante que diz coisas simpáticas
sobre as "causas" gay, um belicista que condena intervenções
militares e um sexista que conspurca a tradição cavalheiresca que vai dos
Kennedy ao sr. Clinton. A América bateu no fundo.
2. Pensando melhor, a acreditar nos sábios da opinião televisionada
e publicada, a América já batera no fundo quando elegeu Bush filho, o
simplório, Bush pai, o esbirro da CIA, e Reagan, esse actor de terceira
categoria. Excepto quando elege socialistas, a América vive a descobrir novos
fundos. Felizmente para nós, os fundos europeus têm um significado diferente.
3. Trump, asseguram os especialistas, representa uma América
dividida. Já Hillary é a América "inclusiva" (sic), a América que
acolhe todos. Todos, excepto as dezenas de milhões de selvagens, iletrados,
campónios, desdentados, racistas, retardados, brancos, mafarricos e membros do
KKK que votaram Trump e, por isso, mereciam a forca ou o desterro. À
intolerância responde-se com o amor incondicional.
4. Muito se falou na incapacidade de os eleitores de Trump -
analfabetos alimentados a ódio, lembram-se? - aceitarem uma derrota. Por sorte,
os eleitores de Hillary têm bom perder: descontados os insultos, as
manifestações e a ocasional destruição de propriedade alheia, aquilo é tudo
gente civilizada.
5. Num ponto a "inteligência" acertou: Trump ganhou
graças ao medo - o medo que a "inteligência" quis que os eleitores
sentissem face a Trump, e a impediu de perceber o que quer que fosse. Não fora
a realidade, a "inteligência" iria longe. Na manhã seguinte, em vez
de reconhecerem o erro e mudarem de profissão, os peritos continuaram por
exemplo a prever a queda das bolsas. Enquanto as bolsas subiam a valores
inéditos. Força, rapaziada.
6. Ao contrário de Trump, Hillary beneficiou do apoio de inúmeras
celebridades. Em vão, escusado dizer. Ainda hoje estou para perceber porque é
que o eleitor americano médio não vota nos candidatos indicados por Lady Gaga,
Bruce Springsteen e aquele rapaz dos Bon Jovi.
7. A propósito de celebridades, muitas prometeram mudar de país
caso Trump ganhasse. A preferência parece cair no Canadá, mas houve quem
referisse a Espanha, a Inglaterra e a Nova Zelândia, cujos aeroportos já
fervilham de paparazzi à espera das vedetas. Nenhuma se mostrou desesperada a
ponto de escolher Portugal.
8. A propósito de Portugal, cá como lá os canais televisivos
colocaram criaturas que não perceberam nada do que se passou até às eleições
para nos elucidarem acerca do que se vai passar a seguir. E todas continuam a
não entender que cada uma, à sua microscópica escala, simboliza exactamente a
cegueira e a arrogância que alimentaram o sucesso de Trump.
9. Fervorosos apoiantes do governo português, um bando de
oportunistas a reboque de leninistas, guevaristas e estalinistas, alertaram
repetidamente e sem se rir para as mentiras e a demagogia de Trump. É preciso cuidado
com quem manda na América; aqui, qualquer porcaria serve.
10. O inquilino da Câmara de Lisboa, que ninguém elegeu, mandou
pendurar pela cidade uns cartazes alusivos à vitória do presidente eleito dos
EUA. Se calhar, a coisa pretendia ter graça. Como os cartazes estão escritos
num inglês pior do que o dos rednecks de Trump e tão mau quanto o português do
antecessor na autarquia, a coisa tem graça.
11. A SIC convidou uma psicóloga para ensinar a explicar a vitória
de Trump às criancinhas (a julgar pela sensatez das análises, a vitória de
Trump tem sido até aqui explicada pelas próprias criancinhas). A Visão publicou
um editorial intitulado "Merda, merda, merda." O popular fundador,
líder e membro do falecido partido Livre convocou um colóquio destinado a
combater o trumpismo (?). Aparentemente, o combate faz-se pela comédia
involuntária.
12. O facto de haver tantos comentadores, politólogos e analistas a
garantirem que Trump é mau não garante que Trump seja bom. O homem é avesso a
Washington e à globalização e à Europa e à NATO. O homem privilegia o
"investimento" público e a "criação" de emprego. O homem
entende-se com Putin. De repente, Trump confunde-se com um esquerdista comum.
Porém, dado que irrita esquerdistas, é possível que tenha alguma virtude.
13. Simplificando imenso,
Trump ganhou porque prestou, ou fingiu prestar, atenção à parte da população
que só não é desprezada quando a usam para protagonizar momentos de chacota. Às
vezes, as pessoas cansam-se.
14. Trump não foi o primeiro não político a chegar à Casa Branca,
mas foi o primeiro não político que não precisou de ganhar uma guerra civil ou
mundial para o conseguir. Sob certo ponto de vista, trata-se de uma proeza.
Quanto ao resto, convém esperar para ver. A beatificação de Obama acabou por
ser precoce. Talvez a demonização de Trump também o seja. É questão de fé:
tenho pouca em Trump, e nenhuma na lucidez dos analistas.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 13-11-2016
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