António Barreto
Há uma espécie de concurso
entre as elites europeias e americanas de esquerda: quem insulta mais Donald
Trump? Quem consegue escolher os epítetos mais violentos? Racista, boçal,
cretino, sexista, corrupto, inculto e xenófobo estão entre os mais utilizados.
Isto para além das classificações brandas de fascista e populista.
No entanto, o problema não é o
de qualificar Trump nem de sublinhar a sua incultura e a sua falta de
sofisticação. O problema consiste em saber por que razão foi eleito. Contra a
opinião sondada e publicada, este senhor foi escolhido por 60 milhões de
americanos que, creio, não são todos racistas, machistas, bandidos,
milionários, fascistas e corruptos. E, se fossem, a questão era ainda mais
difícil: como é possível que houvesse tantos assim?
O problema não é o de
classificar os defeitos de Trump e seus apoiantes nem de mostrar como são
violentos, intolerantes, xenófobos e déspotas. O problema é o de saber por que
razões perderam os virtuosos, os democratas, os liberais, os intelectuais, os
jornalistas e os artistas. O problema é o de saber por que razão os pobres, os
desempregados e os marginalizados não votaram em quem deveriam votar, isto é,
em quem pensa que a solidariedade, a segurança social, o emprego e a igualdade
são exclusivos dos democratas e das esquerdas.
As esquerdas em geral,
incluindo artistas, intelectuais, jornalistas, liberais americanos e
progressistas europeus, não suportam não ter percebido nem ter previsto o que
aconteceu. Como não admitem que são, tantas vezes, responsáveis pelas derivas
políticas dos seus países.
Já correm pelo mundo
explicações fabulosas sobre estas eleições. As mais hilariantes são duas. Uma
diz que, além dos machistas e dos racistas, votaram em Trump os analfabetos, os
desesperados, os marginalizados pelo progresso, os desempregados e os
supersticiosos. A outra diz que o fiasco das sondagens, dos estudos de opinião
e dos jornalistas se deve ao facto de os reaccionários terem vergonha de dizer
em quem votariam! Por outras palavras: quem não presta votou em Trump; e quem
votou em Trump enganou-nos!
Tal como os democratas em
geral, as esquerdas atribuem sempre as culpas das suas derrotas aos defeitos
dos outros, da extrema-direita, dos ricos, dos padres, dos fascistas, dos
proprietários, dos patrões, dos corruptos e agora dos populistas. Não pensam
que os culpados são ou também são eles, os democratas, ou elas próprias, as
esquerdas. Raramente se dão conta de uma verdade velha, com dezenas de anos,
mas sempre esquecida: as democracias não caem por serem atacadas, não são
derrubadas pelos seus inimigos, caem por sua própria responsabilidade, porque
enfraquecem, porque se dividem, porque perdem tempo e energias com quezílias
idiotas e porque deixam que o sistema político perca de vista as populações. Também,
finalmente, porque acreditam nas suas virtudes, porque confiam na sua
racionalidade e porque consideram que têm o exclusivo da bondade e da
compaixão.
As esquerdas (nas suas versões
americana e europeia) apresentam-se cada vez mais como uma soma de sindicatos e
de clientelas: mulheres, negros, operários da indústria, desempregados,
pensionistas, homossexuais, artistas, intelectuais, imigrantes, latinos ou
muçulmanos. Todas as minorias imagináveis, incluindo as mulheres que o não são.
Às vezes, resulta. Mas acaba sempre por não resultar. As esquerdas abandonaram
as ideias e os direitos universais dos cidadãos e valorizam as suas
circunstâncias étnicas, sociais ou sexuais. Como também abandonaram a
capacidade de pensar a identidade nacional, entidade ainda hoje vigorosa e
reduto de referências pessoais e culturais.
Acima de tudo, a arrogância e
a superioridade moral, cultural e política das esquerdas têm destes resultados:
afastam-nas do povo e favorecem os inimigos da democracia.
Título e Texto: António Barreto, Diário de Notícias, 13-11-2016
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