Miguel Nunes Silva
Existe uma atitude de profunda
dissonância cognitiva no jornalismo português que se limitou a confortavelmente
papaguear o que apenas uma parte dos media americanos afirmava
Uma teoria que será divulgada
durante os próximos dias é que a vitória de Trump se deve a três fatores:
dificuldades em sondar o público na era das redes sociais, os escândalos de
Hillary Clinton perto das eleições, os problemas económicos dos EUA e as
promessas populistas de Trump.
Tudo isso poderia ter
garantido uma vitória de Trump mas não uma com a dimensão que esta teve, tendo
Trump melhores resultados até que Obama em 2008.
Uma teoria que não será
divulgada é que os media ditos centristas fizeram o pior trabalho
deontologicamente em décadas. A falta de profissionalismo e parcialidade gritante de jornalistas foi aliás exposta
pelas fugas de documentos do Partido Democrata feitas pela Wikileaks.
A verdade que não foi
divulgada pelos media em geral é que Trump apresentava resultados eleitorais
desde as primárias republicanas que indicavam uma vitória esmagadora em
Novembro. Nomeadamente com resultados surpreendentemente positivos com
independentes, eleitorado a votar pela primeira vez e, ao contrário do que os
media reportaram, com minorias.
Igualmente, nos meios de
comunicação social nacionais, durante toda a campanha foi sempre dito aos
Portugueses que “as sondagens” davam a vantagem a Hillary Clinton. Na verdade
sondagens reputadas, como as da Rasmussen ou da USC, davam a eleição muito mais
renhida ou mesmo com vantagem para Trump.
Como se explica a
incongruência?
Durante os anos de George W.
Bush, chamou-se à mentalidade que persuadiu a Casa Branca a invadir o Iraque
‘group think’. Por outras palavras, mentalidade de grupo cegou as pessoas a
realidades óbvias que desaconselhavam a invasão. Foi isto que se passou com os
media progressistas nos EUA: a CNN, a CBS, a ABC, a Reuters, jornais como o New
York Times ou o Washington Post, convenceram-se de que o Americano médio
desprezava Trump tanto como eles. Por esta razão, sondagens eram baseadas em
estatísticas de afluência de Democratas às urnas de 2008 e 2012 (sendo evidente
para qualquer pessoa razoável que Hillary não iria lograr o mesmo entusiasmo
que Obama), desproporcionalmente sondando eleitores Democratas e
mulheres, por conseguinte dando vantagens estatísticas a Hillary que não se
refletiam na realidade.
Falando de realidade, nunca os
Portugueses foram informados que Hillary Clinton não deu conferências de
imprensa durante meses e meses durante uma campanha eleitoral disputadíssima e
com acontecimentos internacionais extremamente relevantes ou que enquanto Trump
dava comícios regularmente e com grandes afluências, Hillary ou não se dava ao
trabalho ou quando o fazia obtinha afluências comparativamente muito mais
pequenas.
Um outro argumento
frequentemente avançado pela classe jornalística era que as minorias
garantiriam a Hillary a vitória em estados cruciais. O que não foi reportado é
que os hispânicos não são um bloco monolítico e que enquanto Americanos de
ascendência Mexicana na Califórnia poderiam ter-se sentido ofendidos pelos
discursos de Trump, Americanos de ascendência Cubana na Florida tinham uma
perspetiva muitíssimo diferente pois não só estavam ressentidos com Obama por
ter reatado relações diplomáticas com Cuba mas enquanto que eles e muitas
outras etnias tinham tido que passar por anos de processo de naturalização,
imigrantes ilegais muitos deles da América central, tinham sido beneficiados
por amnistias presidenciais durante as administrações Bush e Obama.
É prática corrente em Portugal
comprar avulso conteúdo televisivo de meios de comunicação social
internacionais progressistas e não fazer um mínimo de escrutínio de tal
material. Os mesmos media que reportaram os escândalos sexuais de Bill Clinton
menorizando-os como questões pessoais que cristãos fundamentalistas
instrumentalizavam para tentar fragilizar a administração Clinton, deram vinte
vezes mais tempo de antena ao escândalo pessoal da gravação secreta de Trump do
que às revelações da Wikileaks, de casos de corrupção de Hillary Clinton
enquanto detentora de um cargo público.
Os media nacionais foram
peritos em informar sobre todos os apoios que Hillary recolheu no meio
artístico, nomeadamente de Hollywood mas ninguém se deu ao trabalho de explicar
o porquê de Trump ter ganho a nomeação do partido Republicano. Informação que
teria sido útil aos Portugueses por exemplo, seria explicar porque os
Americanos tinham uma perspetiva tão negativa da imigração hispânica e Mexicana
e porque o partido Democrata pouco ou nada tinha feito sobre a questão durante
a última década. Teria sido interessante explicar que um terço da população
prisional dos EUA é hispânica – grande parte dela devida ao tráfico de droga e
a atividade de gangues urbanos violentos, e muita dela também oriunda de
imigração ilegal. Teria sido ainda pertinente fazer os Portugueses compreender
que o Partido Democrata sendo o mais beneficiado eleitoralmente por imigração
oriunda de países em desenvolvimento, tinha passado amnistia atrás de amnistia
para com imigrantes ilegais permitindo que eles permanecessem em território
Americano, ou feito pressão com o mesmo efeito durante administrações
Republicanas.
Igualmente relevante teria
sido explicar o fenómeno do politicamente correto e a dimensão desastrosa que
ele tem assumido nos EUA, assim motivando muitos jovens a votar Trump, pela sua
posição anti politicamente correto. Durante o último ano ou dois, a América tem
assistido ao fenómeno dos motins raciais. Os jornalistas Portugueses
rapidamente divulgaram estes acontecimentos mas não os explicaram: como é
afinal possível que tais motins tenham lugar durante a administração
progressista do primeiro Presidente negro dos EUA, predominantemente em cidades
governadas por Democratas? A acusação de ‘racismo’ é pouco plausível nas
circunstâncias descritas pelo que apenas idiossincrasias culturais fazem
sentido. No entanto, para o culto da justiça social que lavra pelos EUA, o que
está em questão é racismo oculto, sem no entanto conseguirem explicar
razoavelmente de onde ele vem.
Este culto devoto à teoria da
conspiração é jovem e particularmente endémico nas universidades Americanas e
sobretudo nas ciências sociais. O extremismo desta ideologia chega ao cúmulo de
exigir a censura de obras clássicas de literatura ou a remoção de monumentos
históricos a figuras imorais, à luz desta ideologia. Estes grupos são
particularmente fanáticos tendo causado distúrbios em universidades, e forçado
a demissão de professores e administradores, tudo em nome do politicamente
correto. No caso do famoso ‘Black Lives Matter’, o grupo bloqueou estradas,
vandalizou cidades e até apelou ao assassinato de polícias – o que acabou por
vir a acontecer. Parte do apoio a Trump parte da reação a estas tendências
extremistas pois o Presidente Obama e o partido Democrata, longe de repudiarem
tal fanatismo, resolveram acolhê-lo com Hillary Clinton a fazer questão de
convidar para a convenção democrata, a mãe de Michael Brown: um jovem negro
abatido pela polícia cuja carreira criminosa era longa, num evento que os
tribunais julgaram justificado, pois ele havia sido filmado a intimidar e
roubar o empregado de uma loja de conveniência.
Mais do que tudo, existe uma
atitude de profunda dissonância cognitiva no jornalismo português não querer
admitir que muito do que Trump representa para o eleitorado americano é uma
determinação em empiricamente aprender com os erros grosseiros que países
Europeus cometeram. Não, a América não quer os efeitos perversos da imigração
em massa de Rotherham ou Colónia, ou atentados como Bruxelas ou Paris.
Mas longe de informar e
educar, o jornalismo nacional limitou-se a confortavelmente papaguear o que
apenas uma parte dos media americanos afirmava, isto em detrimento de fazer uma
cobertura substantiva e livre de insultos histéricos na linha de que Trump era
a ressurreição de Adolf Hitler. A prova derradeira é que durante um ano
inteiro, nenhuma TV nacional foi capaz de encontrar um único comentador ou
jornalista que fosse favorável a Trump para poder comentar as eleições
Americanas.
Por fim, a histeria
despropositada que os media promoveram em relação a Trump acabou por não pegar
com os eleitores porque não só é Trump bem conhecido por todos os Americanos mas depois de tanto alarmismo injustificado, as interpretações mirabolantes das
palavras de Trump tornaram-se redundantes.
* Licenciado em Relações
Internacionais pela Universidade de Lisboa, mestre em Estudos Europeus pelo
Colégio da Europa em Bruges e investigador na companhia Wikistrat Inc., tendo
escrito para publicações como The National Interest, European Geostrategy ou o
Jornal de Defesa e Relações Internacionais. Trabalhou previamente para
instituições como o Tribunal Penal Internacional, o Serviço Europeu de Ação
Externa ou a Organização para a Proibição de Armas Químicas.
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