quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Um sucesso com precedentes

Alberto Gonçalves
Enquanto saía à rua a celebrar o abençoado governo que Deus (e o dr. Costa) nos deu, o pagamento antecipado de dois mil milhões ao FMI e um crescimento de 0,8%, o povo não reparou que o reembolso estipulado no início do ano era de quase sete mil milhões e que a vertiginosa subida do PIB, pouco inferior aos dois e tal ou três e tal previstos pelo dr. Centeno, se deveu:
a) ao turismo;
b) à retoma de trabalhos na refinaria de Sines, parada no trimestre anterior;
c) à venda de uns aviões F-16 à Roménia.

Sobre o turismo, convém rezar para que os apetites em "regulamentá-lo", ou afogá-lo em taxas e proibiçõezinhas, não o estrafeguem de todo. Sobre a petrolífera, julgo que não há hipóteses de reabrir uma refinaria por trimestre a benefício das exportações. Sobra o exemplo dos F-16, que pode substituir com vantagens a falhada aposta no consumo interno enquanto novo paradigma económico: vender pechisbeques usados a países ainda mais pelintras do que o nosso.

Não estou a par das relíquias disponíveis, mas é plausível que haja por aí motorizadas dos anos 1980 para transaccionar com o Níger, frigoríficos e torradeiras em segunda mão para enviar à Albânia, máquinas de fax para impingir à Bolívia e, claro, os computadores Magalhães do eng. Sócrates (Deus o tenha) para quem os quiser. Em matéria de sucata, temos para dar e, de preferência, vender.

O importante não é só manter o crescimento "em alta" (desculpem o jargão): é manter a ilusão de que assim o país é viável. É manter os avençados, perdão, os politólogos a decretar o sucesso da frente de esquerda. É manter os media entusiasmados com o tipo de "boas notícias" que serviam de paródia no tempo de Pedro Passos Coelho. É manter a convicção de que a "teimosia" de Pedro Passos Coelho é o único obstáculo a que o PSD adira à União Nacional dos Afectos. É manter a fezada de que a "Europa" durará sempre. É manter a ilusão de que sem esmolas alheias iremos a algum sítio que não o abismo. É manter o povo a cantar e a rir no caminho. É acreditar como nunca na fraude de sempre.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 27-11-2016

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