Rui Ramos
Costa
“segmentou” a sociedade portuguesa, como dizem os comerciais: dividiu os
portugueses em grupos, e governa a favor de alguns, por sinal os que têm mais
rendimentos. É isto que é ser "hábil".
António Costa é ‘hábil’, tudo
lhe corre bem, até o que lhe corre mal. Passos Coelho, não. Por isso, a pátria
cobre-o de sugestões. Uns recomendam-lhe que escreva os discursos; outros, que
seja “positivo”. Mas o problema de Passos não é o dos discursos, nem o das
“boas notícias”. O problema de Passos é comercial. Passos, quando anuncia o
“diabo”, fala para o público em geral, em nome do bem comum. Costa e a maioria
de esquerda, quando dão “boas notícias”, falam para alguns grupos concretos, em
nome dos seus interesses particulares. E politicamente, isto rende muito mais,
o que explica a aparente felicidade de Costa.
Há quem ainda não tenha
percebido. Quem nos vê sempre sob pressão fiscal, a crescer por via das
exportações, imagina que estamos na mesma. Mas não estamos. António Costa tem
razão: isto mudou. Durante o ajustamento, Passos governou para todos e para
ninguém em especial. A austeridade foi transversal, perdoando apenas, na sua
incidência directa, os rendimentos mais baixos. Quase toda a gente tinha razão
de queixa do governo, que pareceu frequentemente sozinho. António Costa evitou
essa situação. Redistribuiu o esforço de austeridade, de modo a poupar as
classes de que podia esperar votos, como os funcionários públicos e os
pensionistas ricos. Costa e a sua maioria de esquerda “segmentaram” a sociedade
portuguesa, como dizem os comerciais: dividiram os portugueses em grupos, e
governam a favor de alguns, por sinal aqueles que dispõem de mais garantias e
rendimentos. É esta a sua verdadeira “habilidade”: ter identificado os clientes
certos para quem governar.
Passos Coelho não teve essa
habilidade. Entre 2011 e 2015, não negligenciou apenas a comunicação e o
“networking”. Desprezou a ideologia, para aumentar impostos. Desprezou os
interesses, para cortar despesa. Convenceu-se de que os tempos iam mudar e de
que acabara a governação para comprar apoio. Enganou-se: a folga que ele deixou
está a ser gasta por Costa para fazer precisamente o que Passos julgou que
tinha acabado.
Na oposição, Passos continua a
falar para todos, em nome do bem público. Costa fala para os funcionários, os
pensionistas com as pensões mais altas, ou até para grupos tão específicos como
os bolseiros da FCT, que fez questão de referir durante o debate do orçamento.
Fica-se com a impressão de que se lhe dessem tempo, Costa poderia nomear os
grupos de interesse para quem governa, ou até as pessoas uma a uma. Tem grandes
antecessores nessa atitude: já Fontes Pereira de Melo explicava que em Portugal
é politicamente mais rendoso fazer favores a indivíduos do que trabalhar para o
bem comum.
Nos seus discursos, mesmo
quando os escreve, Passos cita estatísticas, raciocina, é didáctico. Parece
acreditar que as políticas certas são convincentes por si. Mas este não é o
ambiente para as suas lições. O debate público degradou-se, e os factos
deixaram de ter importância. Os interesses particulares imediatos de cada um
são hoje a medida de todas as coisas. Com as suas devoluções e integrações,
Costa governa para agora; com os seus argumentos, Passos fala para outros
tempos.
Podem os sábios vir ensinar
que o crescimento económico é metade do espanhol, ou que os juros da dívida
estão a subir. Podem os jornais notar que o Metro de Lisboa circula no Terceiro
Mundo, ou que há estátuas derrubadas no Museu de Arte Antiga. Quem quer saber
disso, se os funcionários vão ser aumentados, e os “precários” entrar no quadro?
Em Portugal, o cuidado do bem comum só voltará a ter importância numa nova
situação de emergência, quando a força das circunstâncias o impuser. Até lá,
continuaremos na era das habilidades.
Título e Texto: Rui
Ramos, Observador,
22-11-2016
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