Abel Matos Santos
Deixemo-nos de hipocrisias. Se um
heterossexual vem à consulta por estar a descobrir a sua homossexualidade o
psicólogo pode apoiar, mas se for ao contrário já não? Será isto o que a Ordem
quer impor?
O Bastonário da Ordem
profissional a que pertenço, veio responder no Público ao artigo de opinião de João Miguel Tavares, para tentar justificar uma
conduta negativa da Ordem. Uma vez que acaba por, mais uma vez, dividir os
psicólogos, entrando pelo discurso fácil e simplista, leva a que, com o
respeito institucional que me merece, lhe responda em jeito de esclarecimento
da realidade clínica, mas acima de tudo do bom senso.
Existirão certamente
homossexuais que sofrem com a sua condição, que têm dúvidas sobre os mais diversos
caminhos na vida, que procuram ajuda espiritual, psicológica ou outras nessa
busca pela paz, pela tranquilidade, pela saúde, enfim, pela felicidade. Afinal,
o que todos procuramos.
Não sei a que propósito veio
falar da homossexualidade como doença, mas com certeza sabe que os
homossexuais, tal como todas as pessoas, também ficam doentes e sofrem e
estudos mostram que têm mais doenças e sofrem mais.
O que é incompreensível é que
o meu Bastonário, seguramente um homem com imensa experiência, venha misturar
tudo e afirmar coisas como “existir consenso científico sobre a não
aplicação de terapias de reconversão para a homossexualidade“. Pois o que
subsiste é um debate enorme sobre este tema onde tudo o que existe é a falta de
consenso.
Pergunto ao Sr. Bastonário,
sabendo que é sensível a esta realidade, o que fazer a um homossexual que
aparece na consulta e diz “ajude-me a não ser homossexual, não quero viver
assim. Gostava de me casar e ter filhos, não quero viver no mundo da
homossexualidade“. Isto é um caso real, dos muitos que tenho tido ao longo
dos anos na prática clínica. O que defende o Sr. Bastonário como consenso
científico para ajudar estas pessoas?
Defende que o psicólogo
pressione a aceitar a homossexualidade? Que nada há a fazer? Que, de forma preconceituosa,
o leve a viver na homossexualidade que não quer? Será que esta atitude,
contrária à boa prática clínica e psicológica, não deveria levar a processo por
má conduta profissional? É que aqui nunca se viu a Ordem actuar.
O que defendo é que o profissional
deve apoiar e ajudar o paciente, aquele que pede a nossa ajuda, a percorrer o
seu caminho e não o caminho que o psicólogo acha que deve impor que percorra.
Há casos de pessoas que tinham
atracções, práticas e envolvimentos homossexuais e que deixaram de os ter, por
opção delas e não do psicólogo, que foi confidente, agente de reflexão e
pensamento, guardião de dúvidas, anseios e desejos do paciente. Será que para o
Sr. Bastonário isto são terapias de reconversão?
Deixemo-nos de hipocrisias.
Parece que se uma pessoa heterossexual vem à consulta e afirma que está a
descobrir a sua homossexualidade o psicólogo pode apoiar, acompanhar, intervir,
mas se for ao contrário já não!? Será isto o que a Ordem sustenta e quer impor?
E é aqui que o trabalho do
Psicólogo é fundamental e exigente. É nesta relação que se cria com a pessoa
que nos procura que devemos dar o melhor de nós para a pessoa se realizar na
busca do seu bem-estar.
Está ultrapassada aquela forma
redutora de ver a prática psicológica aos olhos de uma ideologia, de um
paradigma dogmático, em suma de um preconceito. Era o que mais faltava que a
prática do psicólogo fosse limitada por qualquer grupo de pressão ou pela imprensa.
Não pode acontecer que a
Ordem, não suportando esse peso, emita comunicados ao Domingo, julgando em
praça pública e condenando uma psicóloga, sem a ouvir, mostrando manifesta
falta de respeito por todos os psicólogos. Emitir um comunicado a dizer que se
enviam as queixas para o Conselho de Jurisdição é uma coisa, outra é fazer
juízos de valor sobre a pessoa em causa. Está errado!
Será que o Sr. Bastonário não
entende que ao agir assim está a condicionar e a exercer pressão sobre a livre
actividade dos psicólogos? Que atenta contra a sua liberdade de expressão para
falar, reflectir e fazer ciência!?
Não é aceitável que o
Bastonário antecipe a conclusão do inquérito a realizar pelo Conselho de
Jurisdição.
Perante uma tal ingerência nas
suas competências, o Conselho só tem uma saída digna: a demissão. O tribunal,
isto é, o Conselho, é que julga e, portanto, uma eventual condenação só pode
acontecer no fim do processo, depois de ouvido o inquirido e de este ter podido
refutar as acusações.
O Bastonário infringiu
gravemente um princípio elementar da justiça: a presunção de inocência. Com a
sua posição sobre o caso e a psicóloga em questão, condicionou o veredicto do
Conselho de Jurisdição, a que agora, por culpa da imprudência e
irresponsabilidade do Bastonário, falta a necessária independência para um
julgamento justo e objectivo.
Era também assim que
funcionavam as “justiças” nazi e soviética: primeiro, decidia-se politicamente
que o dissidente era culpado; depois, organizava-se um processo fantoche que, invariavelmente,
ratificava a prévia condenação política. Tristes exemplos os que são seguidos
pela Direcção da OPP!…
Esta é a pior das mordaças.
Tenho a certeza que, pelas qualidades que certamente terá, para a próxima fará
diferente.
Título e Texto: Abel Matos Santos, Psicólogo Clínico, Observador,
23-11-2016
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