terça-feira, 22 de novembro de 2016

Ode à histeria

Carlos Guimarães Pinto

1980: Ronald Reagan é eleito presidente nos EUA e mundo treme com a ameaça de uma guerra nuclear.

O filme Day After, que retrata o cenário no dia seguinte a uma guerra nuclear, é visto por mais de 100 milhões de pessoas nos EUA. Na Europa, Reagan é um dos presidentes americanos mais impopulares de sempre. "Better red than dead", gritam jovens progressistas europeus antes de mais uma festa dedicada ao tema do fim do Mundo. Durante a campanha eleitoral, Reagan é várias vezes comparado a Hitler. No final do seu segundo mandato, para surpresa de todos, o mundo não acabou, o Muro de Berlim caiu e os EUA estavam lançados para um dos melhores ciclos de crescimento económico dos últimos 50 anos.

1991: É dissolvida a União Soviética.
Agora, os povos de todo o Mundo receberão de braços abertos a democracia liberal e viverão na prosperidade do capitalismo para sempre. A União Europeia continuará a crescer até engolir todas as antigas repúblicas soviéticas. Um continente sem fronteiras e com uma moeda única. Nada pode correr mal.

2000: Rebentou a bolha tecnológica.
Milhares de empresas baseadas na internet vão à falência. O prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, anuncia que a internet é só uma moda passageira como o fax. Ninguém mais vai usar aquilo.

2008: Obama ganhou as eleições, batendo McCain (candidato comparado a Hitler durante a campanha). 
A expansão da internet e das redes sociais uniu pessoas de lugares distantes e permitiu eleger alguém como Obama.  O mundo mudará para sempre. Cidadãos de todos os países, raças e religiões vão dar as mãos e acabar com as guerras. Os negros americanos deixarão finalmente de ser discriminados pela polícia e o Médio Oriente vai democratizar-se em pouco tempo. Nem vale a pena perder tempo: o melhor é dar-lhe já o prémio Nobel da Paz.

2012: Segunda volta das eleições francesas entre Hollande e Sarkozy. A capa do jornal Público anuncia que a crise vai a votos.
Felizmente a crise perdeu, embora por uma margem surpreendentemente pequena. Sarkozy (comparado a Hitler durante a campanha) foi derrotado. É o fim da austeridade. O eixo Merkel-Sarkozy que atormentava a Europa acabou. A França vai mostrar ao resto dos países como se resolve uma crise económica aumentando impostos sobre as empresas e impondo taxas marginais de 80% aos rendimentos dos trabalhadores mais produtivos.


Janeiro 2015: Vitória do Syriza nas eleições gregas. A capa do jornal Público anuncia que a Europa virou a página da austeridade.
Merkel (a verdadeira herdeira de Hitler) irá finalmente pagar as reparações de guerra da Alemanha. Da Grécia surgirá um movimento que transformará a Europa e fará frente ao eixo Merkel-Hollande. A Grécia voltará a crescer, colocando as contas em ordem da única forma possível: aumentando a despesa pública.  Assim diz Varoufakis e nós acreditamos porque ele é alto, fala bem e até escreveu um livro.

Dezembro 2015: Toma posse o governo das esquerdas em Portugal, derrubando Passos Coelho (o político mais parecido com Hitler que Portugal já teve).
Finalmente, acabou a austeridade. Agora é mesmo a sério porque, ao contrário do lunático Varoufakis e do traidor Hollande, o governo português fez um estudo macroeconómico sério que garante que o país crescerá 2,6% já em 2016.

Novembro 2016: Trump é eleito e, seguindo a tradição dos seus antecessores do Partido Republicano, também é comparado a Hitler.
A culpa é da internet e das redes sociais que criam extremistas. Com Trump vem aí a terceira guerra mundial e o mundo vai acabar. E quem discordar que as consequências serão estas, só pode ser um radical de direita a tentar normalizar Trump. Não há cá meios-termos: só alguém racista, misógino e apoiante de Trump pode considerar que ele não é um nazi violador que vai acabar com o mundo.

Bem-aventurados os histéricos, que vão do céu ao inferno sem nunca sair do mesmo.
Título e Texto: Carlos Guimarães Pinto, SOL, 21-11-2016

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