Bernardo Sacadura
A mesma Hollywood que aplaude de pé o
discurso de Oprah Winfrey é a que aplaude de pé Roman Polanski, alguém que
confessou ter drogado e abusado sexualmente de uma criança de 13 anos.
Hollywood é um poço sem fundo
de contradições, um verdadeiro mundo à parte do comum dos mortais. O escândalo
sexual da indústria de cinema americana e a histeria que rodeia o discurso de
Oprah Winfrey nos Globos de Ouro, tornam esta ideia ainda mais evidente.
Oprah, a cara mais conhecida e
poderosa da televisão americana, que tem uma história de vida extraordinária,
de constante superação de dificuldades, uma prova viva da mobilidade social
promovida em economias abertas e livres, proferiu um discurso nos Globos de
Ouro que já foi por muitos considerado como a rampa de lançamento da sua
candidatura presidencial em 2020.
Um discurso para ser aclamado
por quase todos deve ser vazio, inconsequente, leve, idealmente com um toque
anti-Trump e que apenas passe mensagens no qual todos acreditamos. O discurso
foi um tremendo sucesso, preencheu todos os requisitos. Afinal, não deve haver
ninguém que seja a favor do assédio sexual, nem que aprove a conduta dos homens
que abusaram da sua posição para obterem favores sexuais, nem que aprove o
controlo da imprensa. No mundo normal isto é verdade, no mundo de Hollywood não
é assim.
A mesma Hollywood que aplaude
de pé o discurso de Oprah é a que aplaude de pé Roman Polanski quando ganhou o
óscar de melhor realizador pelo filme Pianista em 2003. Este homem foi o mesmo
que confessou ter drogado e abusado sexualmente de uma criança de 13 anos. Uma
criança que estava a fotografar para um trabalho para uma revista americana.
Quando percebeu que iria ser preso de vez no âmbito deste processo, fugiu para
a Europa e continua a ser perseguido pela justiça americana para que seja
preso. O caso deste realizador é paradigmático, junta a posição de abuso de
poder, drogas, assédio sexual e ainda pedofilia. Mas não é por isso que deixou
de ser aplaudido de pé pelos mesmos homens e mulheres que agora gritam #MeToo.
A referência à Hollywood
Foreign Press Association, passando a mensagem de que nos EUA a
imprensa está a passar por um momento complicado, numa óbvia referência a
Donald Trump, acentua a contradição em que aqueles senhores vivem. O Presidente
amado por Hollywood – Barack Obama – foi considerado a maior ameaça na história
dos EUA à imprensa livre. O seu governo perseguiu jornalistas, colocou escutas
em telemóveis de forma abusiva, teve acesso indiscriminado a e-mails e
correspondência privada. O Governo de Obama processou seis colaboradores do seu
Governo sob acusação de espionagem. Até Obama isto apenas tinha acontecido três
vezes em toda a história americana. Mensagens como “this is the most closed,
control freak administration I’ve ever covered” (David E. Sanger, jornalista
do The New York Times) ou “it’s turning out to be the
administration of unprecedented secrecy and unprecedented attacks on a free
press.” (Margaret Sullivan, editora do The New York Times) são
referentes à administração Obama e não a Trump ou Bush.
É tudo tão ridículo e triste
que custa a crer ser verdade. Com tantas contradições destes senhores, continua
a ser extraordinário que olhemos para eles como algo mais do que
entretenimento.
Título e Texto: Bernardo
Sacadura,
Observador, 13-1-2018
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