Henrique Pereira dos Santos
Por causa de um relatório do Instituto Ricardo Jorge, que aliás refiro no que hoje publico no Observador, escrevi: "não confio na leitura que a Lusa faz do que quer que seja".
De forma muito simpática e,
tanto quanto me pareceu, genuína, perguntaram-me: "o que o poderá levar a
pensar isso".
É uma pergunta justa e
legítima e gostava de começar por assinalar uma coisa: o que digo e escrevo
sobre o jornalismo e a imprensa é uma generalização injusta para muitos
jornalistas.
Essa é, aliás, uma das razões
pelas quais procuro assinalar o nome do jornalista concreto que me serve de
base a um comentário, mesmo que o comentário contenha estas generalizações que
são injustas para alguns.
E é uma nova generalização o
que vou fazer neste post, repetindo um dos temas centrais do que escrevo: a má
qualidade do jornalismo.
Insisto imenso neste tema
porque acho o jornalismo uma coisa demasiado importante para ser deixada aos
jornalistas, contestando a sacrossanta autorregularão com que boa parte do
jornalismo pretende disfarçar o que não passa de corporativismo e comportamento
de rebanho.
Poderia estar a desfiar
exemplos sem fim deste comportamento de rebanho, mas fico-me por alguns.
Um bom exemplo recente é o
carácter hagiográfico da forma como a imprensa assinalou os 100 anos de Mário
Soares, como se ele não fosse uma pessoa necessariamente contraditória, como
são as pessoas que atingem a dimensão que ele atingiu. Mesmo nos aspectos em
que mais gente está de acordo sobre Mário Soares, como o seu amor pela
liberdade, é muito fácil encontrar circunstâncias que revelam desprezo pela
liberdade de terceiros, como a facilidade com que prescindiu de defender a
liberdade dos guineenses, angolanos ou moçambicanos, ou indiferença, como
quando elogiava o grande democrata Hugo Chávez.
O parágrafo anterior não é uma crítica a Mário Soares, sublinho que mesmo havendo obscuridade em determinadas alturas, a luminosidade do que fez na defesa da liberdade dos portugueses é mais que suficiente para o considerar um homem grande, o parágrafo anterior é uma crítica à forma acrítica e grupal como a imprensa tratou os 100 anos de Mário Soares.
Mas poderia falar da guerra da
Ucrânia, em que o viés da generalidade da imprensa até está alinhado com o meu,
o que não me impede de recorrer ao ISW para ter informação, não
porque o seu viés seja menor (que não é, nem pretende ser) mas porque esse viés
não o impede de procurar objetividade na descrição do que se passa nessa
guerra.
Se saltar para as guerras do
Médio Oriente, embora haja mais diversidade, a esmagadora maioria do jornalismo
em Portugal (e no caso da Lusa, a um ponto doentio) é absurdamente parcial e
pouco objetiva, distorcendo a realidade (pelo que é dito, mas sobretudo pelo
que é omitido).
Para fugir destes temas mais
traiçoeiros, o que a imprensa escreve sobre fogos e eucaliptos é,
maioritariamente, uma confusão excessiva entre opinião e informação.
Como chegámos aqui?
O que me parece ser a questão
central é o férreo corporativismo do jornalismo, alimentado pelo facto de
grande parte dos atuais jornalistas terem um percurso arrepiantemente próximo
do que é o percurso dos jotinhas de todos os partidos: começam a ser
jornalistas nos bancos da escola, passam para os jornais (e outros meios de
comunicação), em bolhas sociais fechadas em que jornalistas falam com
jornalistas, são amigos de jornalistas, casam entre jornalistas e podem viver
uma vida inteira sem nenhum banho de realidade.
Um subdiretor de um grande
jornal do regime promove um vigarista porque o que ele diz serve bem ao que o
jornalista quer dizer, esquecendo todos os princípios de verificação de toda a
informação?
Pois bem, a sua reputação não sofre com o assunto (ou seja, não era grande coisa, e continuou sem ser grande coisa), é promovido a mandachuva da LUSA e depois a mandachuva da RTP, com a classe a cortar na casaca em privado e a calar-se em público.
Nicolau Santos, RTP |
Este exemplo de discussão
entre um
jornalista e um curioso que lê (eu próprio) sintetisa o meu
desconforto com grande parte do jornalismo: de um lado, um jornalista que não
estuda, não avalia, não faz crítica das fontes, argumenta com fontes anónimas
que terão dito coisa que ninguém pode verificar, do outro um tipo qualquer que
apresenta, de forma mais ou menos sistematizada, um conjunto de informação,
identificando fontes e permitindo a verificação do que é dito.
O resultado?
Uns dias depois o jornalista,
porque pode, faz um programa com uma série de convidados que escolhe, que dizem
o mesmo que ele, para fazer prevalecer a sua tese, sustentada em coisa nenhuma.
E isto é o que vejo, de
maneira geral, no jornalismo, razão pela qual prefiro consultar fontes
primárias de informação, em vez de confiar no jornalismo.
O congresso dos EUA faz um
relatório sobre a Covid que contraria as verdades adquiridas pela imprensa e o
Observador ignora o relatório.
Eu faço um artigo em que faço
notar isso mesmo, meio dia depois o jornal finalmente publica uma peça sobre esse tal relatório.
Analisando o relatório e
citando o relatório?
Isso é muito complicado, para
que ler a fonte primária (sim, 500 páginas é mesmo chato) se se pode citar a
CNN?
E é por tudo isto que voltaria
a escrever, sobre a Lusa, mas sobre quase todo o jornalismo actual que
"não confio na leitura que a Lusa faz do que quer que seja", mesmo
correndo o risco de estar a ser muito injusto para os jornalistas que fazem o
seu trabalho bem feito, cumprindo as regras básicas da profissão, não usando
fontes anónimas, recorrendo a fontes primárias de informação, pedindo ajuda
para compreender o que leem em assuntos mais complexos, etc..
Título e Texto: Henrique
Pereira dos Santos, Corta-fitas,
9-12-2024
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