João Pereira Coutinho
A polícia francesa abateu
Mohamed Merah, autor do massacre de sete pessoas em França. Sabemos pelos
jornais que este jovem "extremista" (adoro eufemismos) não morreu
descansado: ele gostaria de ter morto mais crianças judias. Atenção ao
adjetivo: "judias". As três que ele assassinou em Toulouse não foram
suficientes.
A Europa está horrorizada com
o caso. E eu, horrorizado com a Europa, apenas pergunto: mas que caso? O do
regresso do antissemitismo assassino ao continente, dessa vez servido por
fanáticos islamitas?
Não vale a pena tanto espanto.
E, para os interessados, aconselho leitura a respeito: o livro de Gabriel
Schoenfeld, "The Return of Anti-Semitism" (Encounter Books, 193
págs.), publicado em 2004. O terceiro capítulo da obra, sobre o regresso da
besta antissemita à Europa depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial, vale
o livro inteiro.
Sim, a extrema-direita tem
tido um papel relevante no assunto, sobretudo em países como a Rússia ou a
Ucrânia.
Mas em países ocidentais como
o Reino Unido, a Alemanha ou a França, são os jihadistas caseiros que levam
vantagem.
Só na Alemanha, conta o autor,
a polícia acredita que 60 mil "estrangeiros" (outro eufemismo para
muçulmanos radicais) pertencem a 65 grupos terroristas com ligações à Al Qaeda
ou organizações semelhantes. O que significa que, em momentos de particular tensão
entre o Ocidente e o Islã (os atentados de 11 de setembro; a "segunda
intifada" em Israel etc.) as coisas, digamos, sobem de tom.
O leitor quer números? Voilá: quando rebentou a "segunda
intifada" em setembro de 2000, registaram-se na Europa ocidental 250
crimes antissemitas nas primeiras semanas do mês - da violência física contra
judeus à profanação de cemitérios, sem esquecer o desporto comum de destruir
sinagogas.
Em 2002, nas primeiras duas
semanas de abril, a fasquia subiu para 360 crimes contra judeus ou instituições
judaicas - e só estamos a falar da França. A queima de sinagogas, e em
particular a redução a cinzas de uma sinagoga em Marselha, continuou vibrante.
Não admira que, só nesse ano,
2.500 judeus tenham optado por abandonar o país. Muitos mais seguiram o exemplo
na primeira década do século 21. O êxodo, agora, promete continuar.
Moral da história? Os crimes
de Mohamed Merah não são uma anormalidade na escalada antissemita que a Europa
tem permitido dentro das suas fronteiras. Pelo contrário: são a conclusão
lógica de uma cultura de ódio reinante.
E o pior de tudo é que essa
cultura nem sequer é exclusividade de terroristas ou marginais. Ela é produzida
e, pior que isso, legitimada pela "intelligentsia" europeia em suas
colocações grosseiras sobre o conflito israelense-palestino.
Lemos o "pensamento"
do criminoso de Toulouse sobre esse conflito e ele não é substancialmente
diferente de livros ou editoriais "respeitáveis" onde a Faixa de Gaza
é apresentada como um novo Auschwitz; os israelenses como os novos nazistas; e
os judeus como os eternos conspiradores para dominar o mundo (de preferência,
manipulando a política de Washington).
Não vale a pena explicar o que
existe de paranóia e abuso nessas colocações. Exceto para dizer que elas
excedem em muito qualquer crítica legítima - repito: legítima - que se possa
fazer aos governos israelenses democraticamente eleitos.
Aplicar aos judeus de hoje e
ao seu estado categorias próprias da desumanidade nazista é o pretexto ideal
para que os fanáticos se sintam autorizados a atuar em nome dessa repulsa.
Mohamed Merah, no fundo,
limitou-se a apertar o gatilho. Mas o veneno que existia na sua cabeça é
plantado diariamente na Europa por insuspeitos humanistas.
Título e Texto: João Pereira
Coutinho, Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-