sábado, 16 de março de 2013

Cruzeiro do Sul, voo 109, 1º de junho de 1973

Otacílio Guimarães
Eu voei muito e ainda voo como passageiro em vários tipos de aviões mas nunca passei por momentos de perigo real. Por incrível que pareça, eu escapei de morrer na queda de um avião em São Luís, Maranhão, em função de uma daquelas coisas que eu credito ao destino ou ao Sobrenatural de Almeida, conforme Nelson Rodrigues apelidava Deus. 

Em 1973, como chefe de departamento do antigo Banco da Bahia S/A, fui a Belém do Pará para resolver alguns problemas sérios existentes na agência local. Passei uma semana em Belém e numa sexta-feira fui à agência da Cruzeiro do Sul (lembra-se dessa companhia?), que ficava ao lado do banco, e marquei a minha volta para Salvador num vôo que sairia no sábado às 6h30 da manhã. Na volta à agência avisei ao gerente que retornaria no dia seguinte para Salvador, e dei-lhe algumas instruções para continuar as tratativas na busca da solução dos problemas que ainda ficaram pendentes. 

Ele, então, me disse:
- Pensei que você ia ficar o fim de semana aqui. Afinal, você nem teve tempo de conhecer Belém. Eu já tinha até programado uma excursão de barco pelo rio Tocantins.
- Não dá, Gilsomar, eu passei a semana suportando este calor abrasivo de Belém e agora estou com saudades da minha família. Tenho uma filhinha com seis meses de idade e estou ansioso para revê-la.
- Bem, neste caso vamos jantar no Paissandú (o melhor clube de Belém) e depois podemos dançar um pouco na boate do clube, que é excelente. Vou levar umas amigas.

Aceitei o convite e fui para o hotel me preparar. Por volta das vinte e uma horas o Gilsomar chegou e fomos para o clube. Me apresentou as duas amigas que trouxera consigo. Nessa época ele era solteiro e tinha muitas amigas. As duas moças, muito bonitas e agradáveis, nos fariam companhia naquela noite.

Após o jantar, fomos para a boate e eu, como bom pé de valsa que sempre fui, comecei a dançar com uma delas. A conversa entre nós durante o jantar foi muito agradável e a noite transcorria tranquila. Em dado momento, a Sônia, era este o seu nome, enquando dançávamos, me disse:
- Por favor, não viaje amanhã. Deixe para viajar segunda-feira.  
- Não posso, Sônia, estou com saudades de minha esposa e de minha filhinha.  

Voltamos para a mesa e ela ficou me olhando muito séria. E repetiu o apelo:
- Não viaje amanhã, pelo menos neste voo. Eu sempre tive uns pressentimentos, umas visões, que sempre se realizam. E eu estou com um pressentimento ruim sobre este voo em que você vai.
Nunca fui supersticioso e não dei muita importância ao que Sônia me disse.

Lá pelas três horas da madrugada saímos do clube e Gilsomar foi me deixar no hotel onde eu já havia solicitado que me acordassem às cinco da manhã a fim de pegar o voo. No percurso para o Hotel, novo apelo da Sônia me pedindo que adiasse a viagem. E eu recusei. Ao pararmos na frente do hotel, descemos todos e eu me despedi. Sônia me abraçou e repetiu o apelo sem querer me largar. Gilsomar interveio e me aconselhou a não viajar.  
- Tudo bem, pessoal, eu não vou viajar, mas você Gilsonar, resolva o problema com a Cruzeiro do Sul.

E subi para dormir, cancelando a ordem que tinha dado na portaria e pedindo que não me acordassem cedo.
Dormi imediatamente e fui acordado com o telefone chamando. Sonolento, atendi.
- Senhor Otacílio, o senhor Gilsomar está aqui e quer falar consigo.  
Mandei que subisse e olhei para o relógio. Eram nove e meia da manhã. Abri a porta quando ouvi as batidas e Gilsomar entrou e me abraçou emocionado dizendo:
- Graças à Sônia você não viajou! O avião em que você iria caiu ao pousar em São Luís matando todos os ocupantes.

Sentei na cama trêmulo. Depois que me recompús pedi ao Gilsomar para ver a Sônia. Fomos até à sua casa e, ao me ver, ela me abraçou emocionada. E eu lhe disse:
- Sônia, você é o meu anjo da guarda. Nem tenho como lhe agradecer por estar vivo.  
- Você ligou para sua esposa? Ela pensa que você estava neste voo? Vamos ligar para ela...

Eu nem tinha tido tempo para isto pois estava em estado de choque, perplexo.  
O avião era um Caravelle e sua queda foi creditada a um problema mecânico. Pesquisei na internet e descobri um registro desse vôo fatídico na Wikipédia, só que com um erro: o vôo estava programado para o Rio de Janeiro com escalas em São Luís, Fortaleza, Recife e Salvador. Na relação de passageiros mortos constava o meu nome. Veja aqui.

Caravelle, Cruzeiro do Sul, foto: Christian Volpati, fevereiro de 1977
Quando eu consegui falar com a minha esposa ela ainda não sabia do acidente. Ficamos amigos eu e Sônia e nos falávamos por telefone uma vez ou outra. Nunca mais a vi. Ela se casou, teve dois filhos e faleceu precocemente aos 48 anos de idade.  

Este foi o único episódio dramático que enfrentei em minhas inúmeras viagens aéreas. Estou lhe relatando porque passou a fazer parte da minha história de vida.  

Grande abraço, meu amigo.
Título e Texto: Otacílio Guimarães, 16-03-2013

20 comentários:

  1. Poxa que sorte. Ainda bem que eu ja não voava mais na saudosa Cruzeiro do Sul, Atreavés dela, conheci todo Brasil e cidades do interior,
    Beijos Janda

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  2. Recordo-me perfeitamente desse dia que nos enlutou a todos nós, os aeronautas da Cruzeiro: dia primeiro de junho do ano de 1973 - uma sexta-feira - dia da Comissária de Bordo. Naquele tempo, elas eram agraciadas com uma rosa em todos os aeroportos do país.
    Neste dia eu estava escalado para um vôo até Belém, a decolagem seria às 13h30, o avião seria justamente o do prefixo PDX, o mesmo que acabara de explodir no Tirirical, em São Luiz, Ma; seria o vôo 108. Dia em que seria inaugurado o Hotel Sheltom e estava programada uma grande festa. Devido a este acidente fatal, decolamos às 18h30 no avião prefixo PDV, pouquissimos passageiros embarcaram no Rio. Em Recife, quando o avião se preparava para decolar, ele inclinou-se para a esquerda e o vôo foi cancelado. Pernoitamos em Recife, no saudoso Hotel Boa Viagem. Regressamos no dia 2 de junho para o Rio no mesmo horário em que o Caravele CJA acabara de pousar no Galeão trazendos os restos mortais dos nossos colegas. O desembarque dos corpos foi a cena mais triste que havia presenciado até então. Ainda recordo o sorriso doce de Nilzinha; o grande amigo Clodomiro, acabara de fazer o curso para juiz de futebol. Quando ia apitar um jogo, me convidava para assistir a sua atuação. Por causa dele, conheci o estádio de Manaus - O TARTARUGÃO. Quem não lembra do Comandante Alexandre? E de Soter, o comandante boêmio, boa praça e amigo de todos? A bela Ana e o boa pinta do Lagos, cuja fotografia de seu corpo estava espalhada em toda a cidade numa propaganda da ZORBA?
    O velório no Cemitério São João Batista foi pungente. Pela madrugada, os garçons do Barril 1800, Ipanema, todos uniformizados, foram homenagear o Comissário Lagos, frequentador daquele bar e restaurante. Este acontecimento está gravado na memória de todos nós, os tripulantes contemporâneos deste triste evento. Lembro-me que o chefe de cabine que estava em meu vôo foi o Comissário Elizeu.
    Carlos Lira

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    1. TRISTE DIA PARA MIM TAMBÉM APESAR DE JÁ ESTAR NA VARIG. AJUDEI O LAGOS A ENTRAR NA AVIAÇÃO E FIQUEI SENTINDO REMORSOS POR CAUSA DISSO, A NILZA, ERA UMA AMIGONA E SONHAVA UM DIA EM SER AEROMOÇA DA VARIG, PECAVA POR NÃO FALAR INGLÊS, A A ANA, UMA LINDA E GOZADA COLEGA.

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  3. Lembro muito deste vôo, em que o comandante era o Alexandre, e o 1ºoficial era o Sotter. Na véspera estava mos jantando no Hotel Amazonas em Manaus, e na mesa lembro que o Alexandre disse a bom som que ainda estava para "nascer" o avião que iria derrubar ele. Conversas de mesa com brincadeira. No dia seguinte eu estava na reta final para pousar em Porto Velho, e o controlador da torre perguntou: Comandante, está sabendo o que aconteceu com o Caravelle em S.Luiz ?(Eu não sabia) mas imediatamente lembrei do jantar no dia anterior. Sei as causas do acidente, etc...etc....não comentarei. Foi muito triste, o Caravelle era excelente aeronave, mas como todo avião....tem que ser respeitaDO NOS PROCEDIMENTOS DE VÔO.

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    1. Gostaria muito de ouvir seus comentários sobre o acidente, sou filha do comandante Soter que diga-se de passagem não se escreve com dois tt, como você escreveu acima.
      Como não tem assinatura no seu comentário, talvez eu não saiba nunca sua resposta.
      Mas, vou deixar minhas coordenadas caso queira me responder, meu e-mail é anaelizafr@gmail.com, tem exatamente 48 anos que eu procuro esta resposta.
      Obrigada

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    2. Sou filha de uma dos passageiros Janduhi Ernesto de Andrade. Sempre desejei que meu pai tivesse tido a mesma sorte da pessoa acima mencionada, ou seja; nunca tivesse pego aquele voo.

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  4. MAS NAS REPORTAGENS FALARAM QUE TODOS MORRERAM!!!

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    1. Todos os que estavam no avião morreram, mas ele não embarcou.

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    2. Otacílio, o escritor deste texto, seu retardado! Ele estava na lista dos passageiros, mas foi o único que não embarcou. Entendeu ou quer que eu desenhe?

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  5. Meu querido... você nasceu de novo... meu pai na época trabalhava na então VASP e estava de serviço no aeroporto. Ele comentou que o exército fez a retirada dos corpos e, segundo meu pai, foi uma cena terrível, corpos queimados, amontoados feito lotes de madeira podre... triste história para minha linda São Luís... meus pêsames a todos os bravos que morreram nesse acidente terrível... abraços a todos...

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  6. Cmte, Alexandre, Nilza, Soter eram todos meus amigos. Alexandre me comprimentava com gestos de artes marciais, era gozador, grande pe´e mão. Eu , naquele dia assim que cheguei ao aeroporto Val-de-Cans para embarcar para Manaus, soube da tragédia, nosso voo (CRUZEIRO) foi triste, no dia anterior estivera com toda a tripulação, fui de operações de voo em BEL, despachei várias vezes Alexandre e os Caravelles, avião que voei varias vezes no cockpit, e possuia CHT do Despacho Op. Vôo(DAC). 12 anos na CRUZEIRO.

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  7. Ola amigos, me interesso muito por temas relacionados a acidentes aéreos, principalmente no Brasil. Agradeceria muito se tivessem mais informações sobre esse acidente. No Brasil temos pouco acesso a dados técnicos dessa natureza. Pelo que vi, voces são arquivos vivos da historia da aviação brasileira. Quem puder ajudar, por favor, enviem mensagem para o meu email, awandemberg@yahoo.com.br. Voei na cruzeiro pela amazonia desde que nasci ate o final da empresa. Desde já agradeço. Meu nome eh Andre Wandemberg.

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  8. Eu estava perto de completar dez anos de idade, um garoto ainda, mas me lembro desse fatídico acontecimento,entristeceu de luto a minha São Luís (que eu amo tanto) hoje busco por imagens da tripulação, mas não conseguir, se alguém souber me digam como...

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    1. Caso receba esta mensagem, entra em contato comigo que te manda uma matéria do jornal imparcial da época contendo fotos de alguns tripulantes deste acidente ocorrido aqui em São Lúis. Meu email é : antonycarlus@gmail.com

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  9. Na época,comentavam que o acidente foi causado por uma mendiga que atravessou a pista. É verdade ?

    João Batista Santos

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  10. Sou irmão da comissária Ana, gêmea de minha outra irmã.
    Tinha 18 anos á época e foi uma tristeza só.
    Linda, jovem (dia 5/6/73 faria 22 anos), poliglota e amava voar.
    Até hoje né pergunto o porquê de tanta gente nova partiu tão cedo.

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    1. Acho que tem a foto dela, Comissária Ana Maria, na matéria do jornal o imparcial da época. antonycarlus@gmail.com

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    2. Oi, Antonio!
      Agradeceria receber essa matéria.
      caoquefuma@gmail.com

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