sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Portugal precisa de uma ruptura geracional... e mental

Camilo Lourenço
Era uma vez um país. Indisciplinado. Com falta de organização. E com um currículo terrível: sempre que viveu em Democracia, faltou-lhe o juízo para ter contas públicas em ordem. Primeiro os seus cidadãos pensaram que era do sistema político. E acabaram com a Monarquia Constitucional. Mas a Democracia manteve os vícios, particularmente a clientela que vivia do Orçamento. Como essa Democracia não funcionou, optou pela Ditadura. Aí as coisas melhoraram: o défice desapareceu e a dívida recuou. Mas foi um equilíbrio falacioso. Resultou de o governo desse período ter aplicado uma "cinta" ao Estado. De tal modo que, quando novamente em Democracia, as coisas voltaram a descambar. Ao ponto de em apenas vinte anos o país ter voltado a perder o controlo das contas públicas.

Este é o retrato do Portugal democrático e das suas finanças públicas. "Então o que nos resta? A Ditadura?", perguntará o leitor. Não. O que nos resta é um confronto com o nosso Destino: abstrair-nos da conjuntura para pensarmos naquilo que, estruturalmente, está mal. E que, volta e meia, nos atira para rupturas de pagamentos. Como aconteceu em 1892 (verdadeira bancarrota) e 1978, 1983 e 2011 (pré-ruptura).

Quando se olha para o problema com distanciamento, há uma coisa que salta à vista: a nossa governança é medíocre. Alguma coisa está mal com um sistema que não aprende com os erros. E já são muitos: em 35 anos foram três momentos de pré-ruptura de pagamentos!

O mínimo que podíamos esperar é que tivéssemos aprendido alguma coisa com essas quase-bancarrotas. Como se viu em Março de 2011 não só não aprendemos como temos meia classe política a defender políticas que, se aplicadas, terminariam numa 4.ª pré-bancarrota.

Como mudar isto? Mudando mentalidades (é esse o desafio do livro "Saiam da Frente!"): de nada adiantará fazer sacrifícios brutais, como os que estamos a fazer agora, se, quando livres do polícia que temos à porta, voltarmos a dar "shots" na veia. Estou certo que a maioria dos leitores estará agora a perguntar como é que se faz isso. Porque as tentativas já feitas (criar novos partidos) não serviram para nada…

É verdade. Mas o caminho tem de ser outro: mudar os partidos (existentes) por dentro. Essa missão tem de ser precedida por outra: mudar a mentalidade do cidadão comum (não das elites – essas são indigentes). Sim, daquele a quem chamamos depreciativamente "Zé povinho". Enquanto esse cidadão não mudar o "chip" e entrar em modo de "exigência" (para com a classe política) o país não muda.

É difícil fazer isso? É. Desde logo porque leva tempo. E porque isso implica, também, perdermos o temor pelos políticos que fizeram a Democracia, mas não souberam fazer o Desenvolvimento. E que se continuam a arrastar por aí como se fossem os donos do nosso Destino. Quais pais com filhos que já entraram nos trinta, mas a quem querem determinar as escolhas…
Título e Texto: Camilo Lourenço, Jornal de Negócios, 25-12-2013

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