Jacinto Flecha
— Crianças, agora vão todos
pra cama, que eu vou contar uma historinha.
— Oba! Uma historinha!
— Tem bruxas, titia?
— Tem um monte delas.
— Tem príncipe encantado?
— Não. Passou muito longe.
— E tem sapo?
— Tantos, que nem dá pra
contar.
— E tem velhinha que o lobo
come?
— Ora, se ficarem fazendo
tantas perguntas, não consigo contar a historinha.
— Tá bem, tia, então conta.

— O que é pé-de-meia, tia?
— Vou explicar. Quando as
pessoas envelhecem, vão perdendo a capacidade de trabalhar; por isso guardam
alguma coisa enquanto podem, para não faltar nada no fim da vida. Isso era o
pé-de-meia deles.
— E todo mundo tinha
pé-de-meia?
— Às vezes não dava pra
guardar muito, mas cada um guardava o que podia. Nunca faltava, pois os
parentes e amigos também ajudavam quando era necessário. Mas alguns sabidos
acharam que as pessoas não sabem fazer pé-de-meia.
— Os sabidos que acharam isso foram os sapos?
— Os sabidos que acharam isso foram os sapos?
— Não. Foram as raposas e o
lobo mau. E resolveram fazer um pé-de-meia grandão.
— Assim do tamanho de um
caminhão, tia?
— Maior, muito maior. E o nome
dele era Injusto e Nocivo Pé-de-meia Socialista.
— Nome feio, titia!
— Feio não era só o nome, não.
Todo empregado ficou obrigado a ser sócio do pé-de-meia, e pagava caro pra
isso. O patrão tinha de pagar uma parte, em vez de pagar mais aos empregados. O
governo prometeu dar outra parte, mas esqueceu. Juntando tudo, podia dar mais
um salário pra cada um no fim de três ou quatro meses. E o trabalhador ia
ganhar mais de quinze salários por ano, em vez de doze.
— Aí o pé-de-meia de cada um ia aumentar muito, não é, tia?
— Aí o pé-de-meia de cada um ia aumentar muito, não é, tia?
— Claro! E nem precisavam
envelhecer para usar o pé-de-meia.
— Mas o pé-de-meia grandão deu
certo?
— Acontece que ninguém era
dono dele. Quando é assim, aparecem uns… uns…
— Sapos, titia?
— Não, é melhor, ratazanas.
Elas foram furando o pé-de-meia. Uma mordida aqui, um buraco ali, um pedaço pra
quem não é sócio, e o pé-de-meia grandão ficou com mais buracos do que queijo
suíço, era quase tudo buraco.
— Puxa!! E os velhinhos
recebiam o que saía dos buracos?
— Para os velhinhos ia só uma
partezinha. A maior parte sumia.
— Mas não era tudo dos
velhinhos?
— Era, mas outros
administravam pra eles, e aí começou a faltar dinheiro.
— Chííí! E como é que
resolveram?
— As ratazanas pensaram assim:
Se falta dinheiro, tem de entrar mais dinheiro. Então obrigaram o trabalhador e
o patrão a pagar mais contribuição, imposto, seguro, multa. Se juntassem tudo
para aumentar os salários, cada um ia receber quase vinte salários por ano.
Todo mundo ia viver muito melhor, cada um ia fazer seu próprio pé-de-meia. Mas
as ratazanas continuaram a fazer buracos.
— Se sai mais do que entra,
acaba esvaziando, não é, tia?
— Isso mesmo. O queijão foi
sumindo… sumindo… sumiu.
— E os velhinhos, coitados,
como é que ficaram?
— As ratazanas reduziram os
direitos deles. Espremeram daqui, cortaram dali, enganaram de lá, e sobrou um
tantinho de nada. Cada velhinho ficou com mais buraco do que queijo. Pior, só
podia usar o pé-de-meia quando ficasse muito, muito velhinho.
— Mas ninguém botou uma
ratoeira para as ratazanas, titia?
— Não, porque as ratazanas
eram muito espertas. E pensaram no último buraco, que seria assim: os velhinhos
só terão direito ao pé-de-meia depois que morrerem.
— Puxa! Que pé-de-meia mais
esquisito!
— Aí uma fada soprou no ouvido
deles: O melhor é acabar com isso!
— E acabaram?
— E acabaram?

— E as ratazanas morreram?
— Não, crianças. Elas nunca
morrem, foram baixar noutra freguesia. E agora chegou a hora de dormir.
— Mas a senhora disse que
tinha bruxas, e eu não vi nenhuma.
— Você deve ter cochilado,
está cheio delas por aí. E não se esqueçam: depois eles viveram felizes para
sempre.
Título, Imagens e Texto: Jacinto Flecha, Agência Boa Imprensa (ABIM), 17-01-2014
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