Em sua condenação ao aborto, o
papa Francisco qualifica-o como “prova da cultura do descartável que desperdiça
pessoas da mesma forma que desperdiça comida”. Para o pontífice, a interrupção
voluntária da gravidez é “horrível”.
No seu encontro anual com
diplomatas, o pontífice apontou a fome como um dos aspectos do que chama de
“cultura do descartável”.
“Lamentavelmente, não são objetos de descarte apenas os alimentos ou
supérfluos, mas também os próprios seres humanos, que vêm sendo descartados
como coisas não necessárias.”
![]() |
Ilustração: Latuff, 2008 |
Somos os campeões do
desperdício de qualquer bem que a Providência, talvez distraidamente, tenha
posto à nossa disposição. Nossos descartes são homéricos, oceânicos e... cruéis.
Mas, como diz o papa, talvez
nosso maior talento se mostre com mais intensidade no desperdício de pessoas,
seres descartáveis que em suas várias camadas existenciais são tratados como
não capazes de cuidar de si próprios. Os que demonstram autonomia e valorizam o
mérito como meio de suas conquistas são tachados de individualistas,
reacionários, capitalistas, burgueses e outras mentiras. Mas aos dependentes do
Estado são dadas apenas duas opções: ou se tornam parasitas dependentes para
uso eleitoreiro ou são abandonados à própria sorte, tornando-se o condenável
descarte humano de que fala o papa Francisco.
A ideia absurda de que a
contínua doação de “bolsas” de todo tipo possa, sem contrapartida, gerar
cidadãos mais úteis a si mesmos e ao país é algo em que, com certeza, nem seus
mentores e “doadores” acreditam. Só prevalece pelos interesses subalternos,
pois nada aí é feito com o espírito de socorro na hora da aflição – algo
louvável – nem com vistas à emancipação do ser – o certo a fazer - mas porque
se cria uma clientela com títulos de eleitor nas mãos, totalmente alheia aos
reais direitos de se realizarem como seres NÃO descartáveis, anestesiados de
seu potencial transformador – pois toda pessoa o tem – e de sua própria
história.
Se notarem bem, verão que nós,
brasileiros, somos um povo sem história. Podemos ter registros de fatos como
outros povos, mas a história é muito mais que isto. A história é a lanterna na
popa para que o futuro, para onde se aponta a proa, não se faça em escuridão.
Mas nós, desprezando a experiência coletiva - a nossa própria e a da
civilização até aqui - estamos sempre começando alegremente do zero como se a
roda, por exemplo, precisasse ser mais uma vez inventada, agora por nós. Tal é
a visão desse socialismo bocó que flagela este país nos dias de hoje e ameaça
nos assombrar por muitos anos à frente, pois...
![]() |
Mercadoria humana, foto: Pedro Medeiros, 2011 |
Somos os donos do tempo. Não
precisamos planejar nada a longo prazo porque isto é coisa de povos
estressados. Se tivéssemos algum respeito pela história, seria possível
verificar que não mais do que quatro décadas atrás largamos na frente – só para
citar uns poucos – da Coréia do Sul, de Singapura e de Taiwan. Bem...
continuamos na frente deles... em futebol, carnaval e novelas....
É claro que esse domínio que
nós, brasileiros, temos sobre os elementos fundamentais da vida, esta
fantástica “superioridade” em relação a outros povos tem seu preço. A começar
porque é uma mentira. E a seguir porque mesmo sendo mentira, gera sim,
resultados, os mais nefastos possíveis, um deles, o que se passa agora mesmo
comigo e mais umas dez mil pessoas que trabalharam por décadas na aviação
comercial e tiveram a ousadia de preparar sua própria retirada de cena e a
infelicidade de topar com a incerteza jurídica de contratos. Fôssemos um povo
(mais que o povo, o governo e o judiciário) que desse valor ao que foi bem
construído no passado, a Varig ainda estaria servindo ao Brasil e aos
brasileiros. Mas ela foi descartada obviamente porque este governo – embora
também servido por ela – não a tinha como servidora do país, mas talvez como um
ativo para servir aos seus próprios interesses. Os danos colaterais, os
descartes de trabalhadores e aposentados não entram na contabilidade criativa
dos petralhas como prejuízo - pelo menos até agora têm de fato entrado como...
lucro.
O mal é que neste solo fértil
do... “em se plantando... tudo (corrupção, ignorância, hipocrisia,) dá”, a
colheita que obtemos – e que não é exclusiva daqui por sinal - graças à nossa
engenhosidade tem nos propiciado as safras mais exuberantes de atraso, criminalidade
e injustiças de todos os tipos.
Oxalá este 2014 seja o ano da
virada, embora qualquer coisa que venha traga consigo o gosto amargo do tempo
não vivido, das perdas provavelmente irrecuperáveis de bens e das tristemente
desperdiçadas vidas humanas.
Eis aí cultura do descartável.
Título e Texto: José Carlos Bolognese, 18-01-2014
Mas a passividade dos variguianos
também contribui como uma espécie de “autodescarte.”
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-