A portuguesa Catarina de
Albuquerque, relatora especial das Nações Unidas sobre o direito humano à água
e ao saneamento, esteve em missão no Brasil durante dez dias e se disse
"chocada" com as desigualdades regionais no tratamento de esgoto. Não
é preciso que um estrangeiro constate aquilo que todos nós já sabemos, mas as
palavras de Catarina resumem bem a vergonha que esse estado de coisas deveria
inspirar em nossas autoridades. Não se pode falar em fim da miséria e outros
slogans eleitoreiros quando se depara com a situação que chocou a enviada da
ONU.
Catarina observou que houve
melhorias nos últimos anos e também elogiou os investimentos no setor e o Plano
Nacional de Saneamento Básico (Plansab). No entanto, Catarina destacou as
profundas diferenças entre as regiões mais e menos desenvolvidas do País. O
tratamento de esgoto chega a 93,6% em Sorocaba (SP) e a 92,6% em Niterói (RJ),
enquanto Macapá (AP) tem apenas 5,5% e Belém registra 7,7%.
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Esgoto a céu aberto em Cidade
Estrutural, Distrito Federal, Brasil. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil,
março de 2008
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O problema é maior em áreas
rurais e comunidades tradicionais isoladas, onde apenas 36% dos moradores têm
acesso à água tratada e menos de 25% têm acesso à coleta de esgoto considerada
adequada.
A relatora constatou ainda que
21% da população do Nordeste não consegue satisfazer adequadamente suas
necessidades hídricas - ademais, diz Catarina, os projetos de irrigação para
agricultura em larga escala no semiárido estão secando poços de água para
consumo das famílias. No Norte, 100% da população enfrenta falta de água ao
menos uma vez por mês. Mesmo em cidades desenvolvidas, como o Rio de Janeiro,
há regiões com graves deficiências. No Complexo do Alemão, segundo observou
Catarina, a água chega apenas duas vezes por semana, e a população fica com
pouca água por mais de um mês durante o verão. Com isso, os moradores são
obrigados a armazenar água quase sempre em más condições de higiene.
As diferenças são igualmente
significativas quando o fator de comparação é a renda. Nos domicílios cujas
famílias ganham até um quarto de salário mínimo, o abastecimento de água é 35%
inferior ao necessário, enquanto nos domicílios onde a renda é superior a 5
salários mínimos o déficit é de menos de 5%.
Mesmo em cidades onde
supostamente a água é tratada, a qualidade não é a recomendada. Segundo números
apresentados por Catarina, 52 milhões de brasileiros recebem água desse tipo.
Ela disse ter ouvido vários relatos de pessoas que, ao ingerirem a água
"tratada", tiveram várias doenças. "No Brasil", constatou
Catarina, "a esmagadora maioria das pessoas que têm meios para fazê-lo
bebe água engarrafada."
Para ela, o Plansab deveria
ter maior ênfase na redução dessas desigualdades. O grande desafio, segundo
Catarina, é a incapacidade da maioria dos municípios mais pobres de apresentar
projetos de saneamento para obter o financiamento federal.
Catarina criticou também a
enorme quantidade de órgãos do governo envolvidos nos empreendimentos de
saneamento. Ela contabilizou nada menos que 7 Ministérios e 14 programas
federais nessa área, o que, em sua visão, gera falta de coordenação. Além
disso, vários municípios não dispõem de regulação sobre saneamento, gerando
conflitos legais e políticos.
As deficiências de saneamento
resultam em prejuízos para o sistema de saúde pública e geram impacto direto na
capacidade do País de gerar riqueza. "O investimento no saneamento faz
sentido não só em termos de direitos humanos, mas igualmente de uma perspectiva
econômica e de desenvolvimento", comentou Catarina. Ela enfatizou que,
apesar da melhora, encontrou muitos brasileiros "para os quais o direito
humano à água e ao esgoto tratados ainda constitui uma realidade
distante". Para ela, tal situação "não condiz com os avanços do
Brasil de hoje". Difícil de discordar.
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