Quando tomou posse como
presidente da França, em maio de 2012, o socialista François Hollande disse que
"a austeridade não tem por que ser uma fatalidade para a Europa".
Hollande elegera-se prometendo elevar os gastos do Estado como forma de impulsionar
a economia, em meio à grave crise europeia. Menos de dois anos depois, a
fatalidade se abateu sobre a França de Hollande, e o presidente se viu obrigado
a anunciar um plano de contenção de despesas públicas, entre outras medidas
ortodoxas.
Na entrevista coletiva anual
em que comentou as mudanças, o constrangimento de Hollande não se limitou ao
recuo de suas promessas de campanha - ele se viu obrigado a responder a
questões embaraçosas sobre sua vida amorosa. E a vida de Hollande, que ademais
enfrenta baixíssima popularidade, em meio ao maior índice de desemprego da
história da república francesa, não está nada fácil. Assim, ele manteve a
compostura e gastou com essa questão menos de três minutos de uma entrevista
que durou três horas, durante as quais explicou os pontos daquilo que os
jornais franceses qualificaram de "virada de 180 graus" em sua
política econômica.
Hollande anunciou um corte de
30 bilhões em encargos trabalhistas para as empresas e a simplificação da
burocracia para realizar empreendimentos. Outros impostos que têm impacto na
produção serão reduzidos - o que é irônico para um presidente que passou o
início de seu mandato a aumentar impostos. Além disso, haverá corte de ao menos
50 bilhões de gastos públicos até 2017, aliviando essa carga que hoje
representa 57% do PIB, uma das mais altas do mundo. Somente neste ano, a
redução prevista é de 15 bilhões.
Tudo isso será feito, segundo
as palavras de Hollande, para impulsionar o "pacto de
responsabilidade" que ele anunciou ter feito com os empresários do país no
último dia do ano passado. Com esse pacto, qualificado por ele de "o maior
compromisso social em décadas", o presidente espera que sejam criados
empregos suficientes para reverter o quadro de estagnação econômica, além de
fazer com que as empresas francesas retomem a competitividade.
Várias das medidas de
Hollande, como o corte de encargos trabalhistas, constavam do programa de
governo do conservador Nicolas Sarkozy, seu adversário na eleição presidencial
de 2012. Na ocasião, Hollande ironizou Sarkozy: "Como imaginar que o corte
de contribuições do empregador poderia, em uma canetada, melhorar nosso
comércio exterior?".
O caso da redução das despesas
públicas, porém, é o recuo mais significativo. Alinhado à dura política de
austeridade da chanceler alemã, Angela Merkel, Sarkozy, então presidente e
candidato à reeleição, prometera fazer da França um exemplo de rigor fiscal.
Sua derrota nas eleições para o socialista Hollande, que entendia ser
necessário ampliar os gastos estatais para enfrentar a crise da dívida, foi um
marco político europeu, pois sinalizou que os eleitores de países ricos do
continente estavam inclinados a apoiar medidas de estímulo ao crescimento
econômico.
Não foi necessário muito tempo
para que a realidade se impusesse, a ponto de fazer o jornal Le Monde agora se
perguntar: "Hollande adotou a política econômica de Sarkozy?". Há
quem esteja chamando o presidente francês de "François Blair", numa
alusão a Tony Blair, o premiê trabalhista britânico responsável por reformas liberalizantes.
A guinada do presidente,
contudo, não foi uma novidade para os socialistas franceses. Em 1983, apenas
dois anos depois de tomar posse e de ampliar drasticamente a presença do Estado
na economia, o presidente François Mitterrand teve de aceitar a pílula amarga
da austeridade. "Eu prefiro ser impopular a falhar no meu dever",
disse Mitterrand, sobre a necessidade de debelar a inflação e fazer o país
voltar a crescer sem a mágica do dinheiro fácil que jorra dos cofres públicos.
Hollande dobrou-se diante de
semelhante imposição, mas tentou ao menos manter a pose. "Continuo
socialista", disse ele aos jornalistas. "Não fui vencido pelo
liberalismo."
Título e Texto: O Estado de S. Paulo, 16-01-2014
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