Eva Gaspar
Se um país só pode ser tão
bom quanto os meios de comunicação social que tem, como diz o filósofo suíço
Alain de Botton, só haverá país bom com uma imprensa que compreende e protege o
direito ao bom nome de cada um dos seus cidadãos e que compreende e protege a
credibilidade e o prestígio das instituições com que se rege a vida em
sociedade.
Um país bom não pode ter toda
uma imprensa calhandreira a atirar suspeitas para as capas dos jornais como
quem atira meias para o ar enquanto procura o par que combina. Um país bom
tem de ter uma imprensa consciente de que a denúncia leviana e banal cobre
de suspeitas de leviandade qualquer denúncia que se faça.
Um país bom, concluiria, exige
uma imprensa que tem e aplica como regra a não violação do segredo de justiça.
Quanto mais regra for essa regra, mais o genuíno e insubstituível jornalismo de
investigação dispõe de condições para a furar com consequência. Porque um
país bom tem profundo respeito pelos deveres de sigilo e leva, portanto,
muitíssimo a sério qualquer denúncia.
Não é o caso do Brasil, onde a
devassa na imprensa é pão nosso de cada dia. Mas há meritosas e melindrosas
excepções. Em plena campanha presidencial, a revista Veja trouxe a público o
esquema de corrupção que esteve (ainda estará?) instalado na Petrobras e que
está a ser investigado pela justiça que lá chegou ao puxar o fio de um outro
esquema, de branqueamento de capitais.
Independentemente das
conclusões a que se chegue e do grau efectivo de impunidade que venham a
merecer os culpados (veja-se o que se passou com o "mensalão"), o
caso Petrobras tem de ser conhecido no mundo inteiro. porque a dar crédito
(e não há razões para não dar) às declarações de Alberto Youssef, o cambista
("doleiro") que geria e lavava parte do dinheiro desviado da estatal
que vale hoje em bolsa metade do valia há quatro anos, quem governa o país há
12 anos e acaba de vencer as eleições mudou, ou pelo menos, ajudou muito a
mudar o paradigma da crónica corrupção no país.
Não se trata apenas de uma
questão de volumes (embora também esses pareçam inéditos). O que o
"doleiro" denuncia é a morte dessa ideia ainda muito em viva de que o
Estado é geralmente um ente passivo vulnerável às fraquezas tão humanas de
alguns dos seus dirigentes e funcionários que trocam favores por ofertas de
dinheiro de poderosas empresas do sector privado. "As empresas,
principalmente as grandes, ficavam reféns. Ou participa [no esquema de
subornos] ou não tem obra", diz Youssef (pode ouvi-lo dizer isto à
1h27m do seu depoimento aqui no Youtube, em resultado de
numa estrondosa quebra do sigilo).
Não há grande dúvida de que
neste caso o corruptor activo e passivo era a estatal Petrobras - ou quem
mandava nela - que impunha a extorsão de subornos como condição para as
empresas lhe fornecerem serviços, e obrigava as Camargo Corrêas e as Odebrechts
e muitas outras menos poderosase conhecidas a desviarem, ao que parece 3% do
valor facturado pelas obras, para os bolsos dos "agentes políticos".
E quem mandava na Petrobras? Além do seu presidente e directores - um deles,
Paulo Roberto Costa, também já preso e igualmente em processo de delação
premiada como Youssef - figuras externas, entre as quais o tesoureiro do
Partido dos Trabalhadores, João Vaccari Neto, diz o "doleiro".
A revista Veja afirma ainda ter
tido acesso a um outro depoimento de Yousseff (ainda sem rasto no Youtube)
em que o delator acusa o ex-presidente Lula da Silva e a recém-reeleita
presidente Dilma Rousseff de saberem de todo o esquema da Petrobras. A possível
comprovação dessa denúncia pode vir a ter consequências políticas e
institucionais gravíssimas, mas pouco acrescentará à percepção de que o que se
passa no Brasil é a apropriação de empresas do Estado por grupos políticos para
quem, mais do que para eventual enriquecimento pessoal ou financiamento ilícito
partidário, a corrupção serve como instrumento de poder - de perpetuaçao no
poder.
Frase feita no Brasil, com
aplicação comprovadamente válida em muita autarquia lusa, é a complacente
"rouba mas faz". Mas aqui não é só roubo, é também extorsão, e não é
só extorsão, é negação das regras do livre mercado e, mais grave, é corrosão
dos alicerces da democracia. "Um ambiente de corrupção não deixa crescer
em liberdade. (...) [Enquanto] o pecado e a tentação são contagiosos,
a corrupção é proselitista", advertia o Papa Francisco quando era apenas
Jorge Bergoglio, na Buenos Aires de 2005.
A defesa da democracia e da
liberdade está hoje nas duas mãos da comunicação social e exige um
jornalismo inconformado, informado e ao serviço de um país bom. Já a imprensa
calhandreira é a melhor amiga de todo o tipo de corrupção - no Brasil, em Espanha ou aqui em nosso redor, onde o
colapso do colosso GES nos passou, e em boa medida ainda passa, lá ao largo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-