As regras orçamentais
europeias foram postas em causa por cinco países, todos liderados pelo
centro-esquerda. A esquerda assume ao que vem – não é preciso ter alternativas,
basta fazer braços-de-ferro
Alexandre Homem Cristo
A Comissão Europeia analisou
as propostas orçamentais dos seus estados-membros para 2015, e verificou que
algumas se arriscam a incumprir as regras orçamentais europeias. Pediu
esclarecimentos. Em plena crise, a questão não é um pormenor. Até porque, em último
caso, está em causa o próprio Euro. Que países são esses? França, Itália,
Áustria, Eslovénia e Malta. E o que têm em comum? São governados por líderes de
centro-esquerda. Não é uma coincidência: começou um combate ideológico na
Europa.
Nesse combate, sabemos quem
está de que lado, o que defende a Alemanha e o que consta do Tratado
Orçamental. O que não sabemos é o que defendem os outros. Perante as primeiras
trocas de tiros, é essa a questão que sobressai: para além de reflexo do
desgaste social e político causado pelas políticas de austeridade, qual o
conteúdo desta posição de resistência? Sem contar com intenções nobres acerca
do crescimento económico, o que defendem França e Itália de concreto em
alternativa à disciplina orçamental? Ninguém diz. Provavelmente, porque ninguém
sabe. E, certamente, porque isso já não interessa.
Não interessa porque o campo
das ideias foi abandonado. Os anos da crise internacional foram marcados por
muitas tensões políticas, também em resultado de uma alteração dos equilíbrios
de poder na Europa, que levou à supremacia da Alemanha. Uma supremacia que os
franceses juraram combater, porque “la France est grande” e acredita que nasceu
para liderar. Há 6 anos que se anda em debates, em trocas de ideias, em busca
de alternativas. E os partidos de centro-esquerda, tão habituados a aumentar o
endividamento, emudeceram face à necessidade de o diminuir. Agora, em vésperas
de 2015, assumiram ao que vêm – não é preciso ter alternativas, basta fazer
braços-de-ferro. A lei faz-se pela força.
Com algum realismo, podemos
antecipar que este braço-de-ferro não será suficiente para perturbar o euro,
até porque a Alemanha procurará um compromisso político com a França e Itália.
Mas isso não impede de julgarmos a irresponsabilidade das posições francesa e
italiana, aparentemente dispostas a sacrificar a moeda única para ganhar o
duelo orçamental. Mesmo que tudo seja bluff, ver dois países fundadores da CEE
a brincar com a integração europeia é lamentável. E perigoso.
Perigoso porque todo este jogo
político demonstra bem como tantos dos políticos europeus vivem ainda na maior
ilusão dos nossos tempos: a de que as nossas instituições são eternas,
invencíveis, inabaláveis. A de que tudo se resolve. Ou, dito de outro modo, a
de que, em última análise, nenhuma ameaça é ameaça. E que, por isso, os actos
irresponsáveis não têm consequências – pelo menos daquelas que afectem
estruturalmente. Há mesmo muita gente que acredita numa espécie de fim da
história com sede em Bruxelas.
Acreditar nisso tudo não é
somente ingenuidade. É também o que permite hoje à esquerda europeia lavar as
mãos da sua irresponsabilidade e optar por não ser solução. No fundo, pôr-se à
margem do debate estratégico que a Europa precisa. Já que não encontra
alternativas que agradem, esquece que existe problema. E torna-se um obstáculo.
O que estes líderes de centro-esquerda estão a fazer é isso: pensar no curto
prazo, manter o rumo de sempre e esperar que a crise europeia desapareça por
si. O longo prazo não vence eleições. E, da sua perspectiva, o pior que pode
acontecer é ter de vir a direita resolver a trapalhada.
Que fique, pois, como lição
desta crise europeia: a esquerda não quis ser solução. Cruzar os braços é
fácil. Prometer o crescimento é bonito. Mas tudo fica mais feio quando o que
cresce, afinal, é a dívida.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador,
27-10-2014
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-