Carlos Lira
“Combater e morrer, é pela
morte derrotar a morte, mas temer e morrer é fazer-lhe homenagem com um sopro
servil”.
William Shakespeare
Amigo Sousa, de longas datas,
o Sousa querido de todos nós, os da Cruzeiro e os da Varig. Sousa partiu para
nunca mais voltar ao reduto dos poucos restantes, aqui em Copacabana, na feira
do Lido, pelas ruas do Leme, nos bares e restaurantes próximos à rua Duvivier,
nas reuniões do AERUS ou nos protestos reivindicando direitos, sempre com a
querida Vidinha, a sua viúva, “meu querido” Sousa! (Ele sempre nos tratava de
“meu querido ou minha querida”)...
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Que vida louca tivemos nós,
que acordávamos ao raiar do dia para um trabalho singular, uma mistura de
aventura com muita ventura, deixávamos em casa os filhos e afazeres outros para
vivermos a alegria de amar e voar...
Que vida corrida tivemos nós,
visando numerários e deveres, vivíamos nós cheios de horários marcados
com momentos de sermos pais, mães, amigos, profissionais, namorados... éramos
muitos em desdobrada correria e não conseguíamos ser tudo.
Nossa vida profissional quase
não se tornara rotineira porque quase não existia rotina, pois cada dia de
trabalho era um mistério, afinal nunca sabíamos se o dia raiado seria o dia
marcado para irmos a Manaus ou Buenos Aires, ou uma surpresa nos aguardava,
como, por exemplo, substituirmos uma tripulação retida em Belém devido ao mau
tempo e a regulamentação estourara…
Simplesmente sabíamos que
vivíamos assim...
Acordar... vestir o uniforme
de voo – camisa branca, impecável, engomada na lavanderia da esquina, o quepe,
o paletó... E Souza com vontade de ficar só por uma vez mas tinha que seguir,
perseguir o ideal, sair de casa, ser profissional, ser guerreiro, lutar pra
vencer, milionários do ar fomos nós, Sousa, eu e os demais colegas, urgia
fazermos a diferença no mundo profissional. Sousa fora a diferença, se fizera,
primara em seu afazer profissional...
Correr, preocupar-se, desdobrar-se para vencer o dia, cada dia, afinal, Vidinha, a esposa querida, a quantas andavam as demonstrações de carinho que a ela lhe era devida? E o tempo para ser mais presente, passear, dar atenção, cantar uma música tipo ZBM (zona de baixo meretrício) ou ler um romance? Dava-se um jeito. Adormecendo satisfeito, cansado mas realizado, este era Sousa, o grande amigo de sempre...
Ontem, com a mesma dignidade
de sempre, sem transparecer dor e sem mais nada, Sousa partiu deixando a vida,
deixando Vidinha, a esposa, amiga e companheira, que sem ela, a sua vida jamais
seria bela...
Deixou-nos a lição da
intensidade, pois ele foi intenso, propenso a ser muito mais que um simples
viver. Soube fazer dos sentimentos uma dádiva, manteve a cabeça erguida,
mantendo a simplicidade em todos os seus erros e em todos os seus acertos.
Afinal, Sousa foi um ser da
geração que viu o final de um século para entrar em um novo milênio, tão
dinâmica era que nem tivera tempo para recordar os tempos idos. Faleceu de
peito estufado, de coração pleno por viver as maravilhas deste mundo
maravilhoso: estava apto a contar a nossa história para todos aqueles que
ousavam perguntar sobre a felicidade.
Afinal, Sousa manteve altivez
perante canhões, a queda do muro de Berlim, sobrevoou as cátedras de Paris e
soube defender com garra as próprias palavras. Sousa soube fazer sua própria
história, porque sem história a vida não tem graça, seria uma vida sem roteiro
e sem trama.
Sousa tramou tudo certinho,
até a própria morte constava em seu roteiro feito de amor. Soube até esquecer o
ontem para viver o hoje porque o novo amanhã surgiu e está sendo muito lindo.
Não impôs limites para o seu sentir, intensamente amou, não teve vergonha deste
sentimento, por mais simples que tenha sido, este sentimento emanava de seu
interior de uma maneira única e inigualável.
Aprendeu, o amigo Sousa, em
sua caminhada terrena, que ninguém e nada podia deixá-lo triste porque ele se
conscientizara que um dia de sol podia mudar tudo. E tudo mudava em seu viver,
e para melhor porque em cada desafio, ele colocava uma pitada de amor e com
esta fórmula ele superava tudo. Afinal, a fé alivia e renova tudo... Ele soube
ser a soma de todos os seus verdadeiros amigos...
Sousa, você deixou saudades...
“Deus morreu ao criar-nos, nós
somos uma obra póstuma”.
Gesualdo Bufalino
Um passado que gosto de
lembrar:
Há uns 30 anos ou mais,
passados em meu recordar, Vidinha e Sousa selam a união conjugal em uma igreja
do Rio.
Na hora dos cumprimentos, eis
que surge uma mulher toda vestida de negro, um véu escuro cobrindo o rosto,
grávida e exclama em presença dos noivos:
- Sousa, por que você fez isto
comigo?
Sousa olha prá Vidinha e
exclama com veemência:
- Isto é armação! Nunca faria
isto com você, meu amor!
E foi uma armação mesmo: a
nossa inesquecível Vilma fingiu-se de grávida e armou este espetáculo que
terminou em risos, culminando com uma calorosa recepção.
Título e Texto: Carlos Lira, 20-10-2014
Amigo Carlos Lira, você é um abençoado. Cada palavra, cada atitude sua, me comove. Deus te proteja para todo o sempre. Fraternos abraços, Nelson Ribeiro
ResponderExcluirComo sempre em seus textos, essa ode à perda do amigo está extraordinária
ResponderExcluirO que mais dizer ? nada
Só lamentar a morte de mais um colega, em especial seu velho companheiro
José Manuel
Lira, voamos com o Souza desde os anos setenta, quando ele ainda era Comissário ou mesmo depois, como 2º Oficial de Caravelle. Uma pessoa impar, sempre sorridente. Com certeza, merece cada palavra escrita nesse seu poema. Parabéns à vc por escrever tão bem essa despedida de mais um colega. JONATHAS FILHO
ResponderExcluirLira, que lindas as tuas palavras. Você foi muito sensível e verdadeiro nas observaçoes sobre o Souza. Ele realmente foi um grande amigo de vôo. Dava alegria partilhar com ele o trabalho e a companhia.
ResponderExcluirUma benção ter um amigo escritor como você.
Beijos de luz!
Dayse
Algo me diz que algumas pessoas podem estar confundindo Sousa com Sergio Souza...
ResponderExcluirhttps://www.facebook.com/sergio.souza.92372