Jonathas Filho
Hoje cedo, logo após uma xícara de café, preocupado
com a “vida” e pelas más notícias que venho recebendo com relação a um dinheiro
que me devem, sentei-me na varanda lá de casa e fiquei apreciando o tempo
passar e o cantar dos pássaros. Era cedo, coisa de seis e meia ou sete da manhã
com o prenúncio de um belo dia de sol. Ainda não estava quente todavia, a
aragem trazida do mar transformava a brisa numa bafejada de ar morno bastante
agradável. De onde eu estava, podia ver que o nosso jardim merecia mais
cuidados do que os que tenho concedido, motivado pelas minhas dores nas “costas”
que também merecem cuidados e que ainda não me permitem ficar abaixado ou
curvado durante muito tempo para retirar alguns capins e as ervas daninhas
inconvenientes. Coisas que para a minha idade são consideradas verdadeiras
torturas.
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Sanhaço-cinzento, foto: Dario Sanches, São Paulo |
A todo instante escuto o chilrear alegre dos
sanhaços que se comunicam, trocando informações. O mesmo acontece com os bem-te-vis
cujas respostas são quase que imediatas. Enquanto isso, nessa temporada de
acasalamento dos sabiás, cada macho empertigado com sua melhor plumagem,
instala-se comodamente em uma ponta de telhado das casas vizinhas com a real
intenção de se fazer notar e então entoa os mais longos gorjeios com tons e
semitons variados, numa disputa que provavelmente será analisada e avaliada pelas
pretendidas fêmeas. Aquela que considerar o canto mais harmonioso e
interessante, se aproximará cada vez mais, emitindo um trilar que todo macho
entende como aceitação. Pouco a pouco, se apresentam também com cantos
maviosos, coleirinhos e canários da terra mas, em pequenas famílias. De
repente, chegam em pequenas nuvens tomando de “assalto”o jardim, um bando de pequeninos bicos de lacre com
seus biquinhos avermelhados e seus estrilos intermitentes, para se alimentar
das sementes de alguns tipos de capins e assim como vieram, vão-se embora estrilando.
Ainda não é hora de aparecerem as maritacas
com o ruidoso matraquear que abafa todos os outros cantos. Quando chegarem, irão
aboletar-se nos fios, nos postes ou nas mangueiras e não cessarão o alarido até
deslocarem-se repentinamente para outro lugar nas redondezas. Dirijo meu olhar
para o céu e o vejo sendo cruzado por um grande número de biguás numa formação
em “V”, se dirigindo à outra praia num outro ponto desta ilha. Em órbitas,
giram elegantemente, algumas fragatas no majestoso balé aéreo das correntes
térmicas ascendentes. Vindo do leste para o oeste, gritando bem alto mas em
baixa altitude, vejo uma linha verde formada por papagaios cujos machos e
fêmeas voam quase colados, parecendo uma estranha ave de quatro asas. Parecem
gargalhar durante as várias etapas do tortuoso voo e na tardinha, ao sol poente,
seguirão de volta para o leste, à procura de seus ninhos para descansar e
dormir.
Aqui e ali se escutam os cantos das cambaxirras e cambacicas, também chamadas de sebinho ou caga sebo sendo que na maioria das vezes que os observo, vejo-os em pares trinando ou piando estridentemente. Eles disputam com os beija-flores a adocicada água com mel, que a minha mulher dispõe para eles. No alto verão, não conseguindo água por perto, estão sempre se “desentendendo” a respeito da posse do valioso líquido. Uns chegam a entrar em casa e depois de um voo de reconhecimento, após saberem-se notados pela minha filha gata, Sissy, A Imperatriz, cuidadosamente batem em retirada incontinente.
Ainda não começaram, porém, quando o verão
estiver sendo inaugurado, nas reentrâncias do telhado notaremos a construção
apressada dos ninhos das andorinhas, que em duplas estarão voando e pairando à
caça de insetos que começam a surgir nos fins das tardes.
Ao longe, escuto um silvo breve e repetitivo;
quase um estalido metálico. Se aproxima o gavião de sobre branco e seu piar
parece soar como um aviso aos pombos que começam em revoada a procurar por
abrigos próximos. Esse pássaro não é um predador e sim um selecionador, pois
nos centros urbanos elimina ratos e pombos, principalmente os doentes que podem
transmitir moléstias graves aos humanos. Sempre passam por aqui, nas suas caçadas
matutinas. De tempos em tempos aparecem indivíduos maiores, do tipo
asa-de-telha com envergadura de quase 1,20 m. São belíssimos exemplares de
grande porte, mas como aqui não é o território deles usam o local somente como escala
de trânsito.
Escuto também, o canto meio rouco e abafado
que mais parece um lamento, proveniente de alguma “fogo apagou” que é a
“rolinha” urbana a qual só emite esse som quando empoleirada em local não
visível e protegido.
O que também tenho notado é que os pardais são
raros por aqui e só os vejo pela estrada do Galeão ou em outras localidades
onde estão sempre em grupos de dúzias deles.
Ocasionalmente aparece um solitário indivíduo
do grupo das Lavadeiras, também conhecidas como Noivinhas, Marias brancas ou
Viuvinhas (Fluvicula Nengeta) com sua plumagem branca e preta que incessantemente
piam e ciscam para se alimentar de minúsculos invertebrados.
Já tinham se passado mais de quarenta minutos
em que ali sentado avistei esse extraordinário panorama, que me conduziu a este
texto que divido com vocês. O pensamento me remeteu a um passado tão agradável
de ser recordado; o bom tempo em que eu tinha asas e voava em equipes,
todos “emplumados” num tom azul-escuro, todos alegres, bem-dispostos e de bem
com a vida. Raramente voávamos de dia, e parecendo corujas éramos noturnos sem
sermos soturnos pois muito ao contrário de assustados ou amedrontados,
transferíamos confiança e a certeza de uma excelente viagem, o que, de fato,
invariavelmente acontecia.
Nesse viajar do pensamento, imaginei num
devaneio fugaz:
Como seria bom se os humanos conseguissem se comunicar pelo canto
melodioso e travassem qualquer tipo de embate com gorjeios para depois de
avaliados serem admirados e aceitos como líderes;
Como seria bom se os humanos chegassem de “assalto”, mas na algazarra da
alegria, trazendo apoio, solidariedade ou mesmo só boas notícias;
Como seria bom, se os homens a cada vez que visitassem as flores do poder
espalhassem o pólen semeando um porvir de seriedade, desenvolvimento e
prosperidade;
Interessante... eu poderia ter falado também do canto dos pássaros que,
em casas ao redor, estão confinados em gaiolas, mas eu não estaria falando das
suas lindas cores e sim das penas... de viverem presos e do canto amargurado
por causa da ignorância, desrespeito e crueldade dos ditos humanos.
Eu poderia ter falado em serpentes, escorpiões
e aranhas viúvas-negras ou outros animais peçonhentos;
Eu poderia ter falado de sanguessugas, vermes,
carrapatos ou outros animais parasitários;
Eu poderia ter falado de piranhas vorazes,
tubarões matadores, orcas assassinas e barracudas insaciáveis ou de outros
animais que nas emboscadas são predadores fatais;
Eu poderia ter falado de lobos, abutres e
hienas ou de outros animais que vivem dos despojos dos outros animais;
Eu poderia ter falado de botos, peixes boi, cervos, macacos, cotias,
preás e outros animais daqui de Pindorama, que de tão dóceis são facilmente
enganados, encabrestados e usados ao bel-prazer do “caçador”...
Eu poderia ter falado muito, mas muito mesmo, a respeito de outros
animais daqui que têm seus cantos de sereias, suas matreirices, suas astúcias e
suas maldades. Eu poderia ter falado de “bodes”, de “micos”, de “raposas”, de “morcegos
hematófagos”, de “urubus”, de “ratos” porém, nem sequer de preguiça falei...
porque nesse momento eu só queria mesmo é falar de pássaros, sutilmente... é
claro.
Título e Texto: Jonathas Filho,
30-10-2014
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