Manuel Villaverde Cabral
Segundo Arménio Carlos anunciou – e Jerónimo de Sousa confirmou na noite
de 8 de Novembro na sua leitura televisiva da proposta que o PS não tinha outro
remédio se não aceitar – que a manifestação promovida a 10 de Novembro pela
CGTP contra o governo da coligação PSD+CDS podia ser o «sprint final da luta
contra a austeridade»! Acreditamos que o PCP fará quase tudo para isso. Mas não
assinar um cheque em branco ao PS nem participar no governo que este pretende
constituir. O Bloco de Esquerda, não podia deixar de alinhar pelas decisões dos
«seniores», com o que ambos perdem de «estrelato» aos olhos da comunicação
social.
Como resultado, não só não há um «governo da esquerda», muito menos
unida; não há qualquer garantia de apoio fora das medidas avulsas anunciadas e
nada de promessas de apoiar qualquer orçamento! Mais: a comunicação social
embandeirou em arco afirmando que o PCP garantiu o apoio ao PS durante «a
legislatura» mas esta palavra mágica não consta do documento aceite pelo PS e
apenas foi pronunciada da boca para fora depois de muita insistência de alguns
jornalistas mais empolgados. Seguramente também não consta do documento do BE
que ninguém viu em pormenor: só medidas avulsas, como se o PS tivesse dinheiro
e tempo para as cumprir todas… Acredite quem quiser!
Por outras palavras, esta colagem oportunista do PS aos pequenos partidos
da esquerda convencional é meramente negativa e pontual. Vale hoje para impedir
a coligação do PSD+CDS de governar; amanhã, logo se verá. Do ponto de vista
exigido pelo Presidente da República (PR) para quebrar, pela primeira vez em 40
anos, a regra de confiar o poder a quem teve mais votos a fim de conceder a
governação ao segundo classificado, que não tem sequer um terço dos votos e não
consegue formar uma autêntica aliança, a pretensão do PS está fora do marco
definido pelo PR.
Em suma, não há programa comum; não há solidariedade institucional nem
responsabilidades partilhadas, desde logo ao nível orçamental vis-à-vis dos
cidadãos portugueses, bem como da UE e da Zona Euro, às quais pertencemos e o
PS diz querer continuar a pertencer (os outros dois partidos nem a isso se
comprometem). O PS recusa-se a perceber o que se passou na Grécia? É verdade
que Tsipras se mantém formalmente no poder mas engoliu todas as bravatas,
incluindo a última que tentou impingir aos credores. É isso que António Costa
quer? Repetir Sócrates? A última vez que o PS ganhou eleições legislativas foi
em 2009 e, nessa altura, teve menos deputados que a coligação vencedora em
2015, assim como menos do que o PSD e o CDS então somados, os quais poderiam
ter-se unido alegando que Sócrates perdera a maioria absoluta, mas não o
fizeram. Quanto ao BE e ao PCP, tiveram mais votos em 2009 do que em 2015 e
então deixaram o PS ficar no poder para o «fritar» durante dois anos… Mas nunca
o partido vencedor foi derrubado em Portugal no parlamento. Sócrates demitiu-se
na esperança de recuperar a maioria absoluta. Não recuperou e foi o que se viu:
quanto à ética, estamos pois entendidos.
A isto acresce o facto singular de o PR estar em final de mandato ao
mesmo tempo que o novo parlamento tem um período de 6 meses durante os quais
não pode ser dissolvido. Foi esta janela de oportunidade, como dizem os
manobreiros, que António Costa entreviu para oferecer à «esquerda» a remoção da
odiada «direita» em troca da inédita transformação do vencido em vencedor. São
coincidências a mais para o PR as aceitar. Visto que a «esquerda» já o elegeu
há muito tempo como o seu «ódio de estimação», que lhe ganhou cinco eleições!,
Cavaco Silva nada deve a essa «esquerda» e pode deixar o governo PSD+CDS em
gestão mais uns meses ou, de preferência, investir um «governo de sábios»
susceptível de garantir o mínimo político até o novo (ou nova) Presidente da
República convocar novas eleições para repor a normalidade. O eleitorado dirá
então quem tinha razão. O PS não quer esta solução porque sabe que perderia
essas eleições!
Em suma, é caso para perguntar como é que uma mudança eleitoral que não
chegou a alterar a ordem dos partidos mais votados há quatro anos se arrisca a
degenerar numa convulsão em que o mundo negro da «austeridade» se transformaria
no cor-de-rosa do PS ou, porventura, no vermelho da «frente popular»? Em
dialética, como é que tão pequena quantidade se transformou em tão grande
qualidade? Em suma, como é que se construiu, com a ajuda de uma comunicação
social inconsequente e fagocitada pelo pós-modernismo de salão, este
insuportável clima de guerra civil em que foi incubado o protesto pelo
protesto, a acusação pela acusação, em suma, o desprezo pela realidade e pelos
valores de orientação? Como é que se instaurou esse ambiente – segundo o qual o
inimigo do meu inimigo, meu amigo é – que Costa e o PS mobilizam hoje, sem
atender às consequências, contra o esforço do anterior governo para
continuarmos a ser europeus de pleno direito? Seja como for, o clima está
criado e os custos serão muito grandes, seja qual for a solução imediata!
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