
JP)
A atualização ortográfica
segue o AO de 1990.
Eles têm vinte e poucos, trinta e
tantos, quarenta ou cinquenta e alguns anos de idade. Vieram de quase todos os Estados
brasileiros e até mesmo de países amigos. Alguns têm três ou quatro anos de voo.
Outros, começaram ainda ontem. Mas também há aqueles com mais de trinta anos em
rota. E muitos que sonham em começar...
Muitos deles têm cursos superiores que
os habilitam ao exercício das mais variadas profissões. A grande maioria fala,
pelo menos, um idioma estrangeiro - e há quem domine mais de dois!
Muitos também já estavam bem instalados
profissionalmente, mas deixaram tudo o que faziam antes. Desistiram de
concorrer a empregos melhores, interromperam estágios, cancelaram projetos,
adiaram noivados, alguns, talvez, tenham até brigado com a família, enfim,
deixaram tudo de lado para abraçarem o que consideraram uma experiência única:
voar servindo.
Atenderam a milhões de viajantes, sem
nem lhes saber o nome. Cansaram-se em plantões noturnos intermináveis. Cochilaram
em seus incômodos lugares de descanso. Lidaram com o público e desempenharam
muitas outras tarefas, registrando queixas e críticas, desaforos,
inconveniências.
Organizaram galleys, carregaram e
guardaram embrulhos, sacos e malas. Atenderam doentes. Trabalharam com
equipamentos sofisticados e, também, com peças obsoletas, ferramentas
enguiçadas, improvisadas, quebradas, inadequadas. Tiveram que mostrar sempre
boa vontade e um sorriso cordial.
Aturaram bêbados, desequilibrados, arrogantes e prepotentes. Atenderam a diretores, presidentes, gerentes, chefes, assistentes, "olheiros", pilotos, mecânicos de vôo, colegas mil. Vip's, Cip's, assessores, empresários, "celebridades"... E, não raro, depararam-se com os "amigos" de "alguém importante", reivindicando tratamentos especiais e complicando-lhes o trabalho até o desespero!
Enfrentaram as emergências
"naturais" e as mais imprevistas e delirantes. Continuaram mostrando
boa cara e um sorriso bem-disposto. Aguentaram o frio e o calor, e
"multidões" indisciplinadas. Prepararam-se intensamente para
servir, agir, atuar. Guiaram viajantes, dando-lhes informações sobre tudo...
Importava que explicassem, dessem a conhecer, contassem do seu país.
Como tal, cada um deles é um embaixador
"full-time". E souberam recepcionar grupos de todos os quadrantes,
cores, sexos e aparências...
Ajudaram idosos e deficientes, tiveram
paciência com imbecis e difíceis ao trato. Trataram toda a gente com gentileza
e afabilidade.
Mesmo quando as crianças se
tornaram insuportáveis, em sua "natural" indisciplina e falta de
educação.
Mesmo quando os viajantes eram
grosseiros, estúpidos, perfeitos cretinos com o "rei na barriga".
Eles sorriam da mesma forma,
amavelmente, controlando com eficácia as situações difíceis e tensas, mesmo que
estivessem à beira de um ataque de nervos.
Venderam a volta.
Certamente, alguns sofreram e outros
tiveram saudades de casa. Alguns adoeceram, e houve até quem fosse embora e não
mais voltou.
Ajudaram-se mutuamente nas mais
diferentes tarefas. E também andaram na "maior". Estabeleceram
cumplicidades esfuziantes. E, com certeza, dançaram e namoraram.
Organizaram jantares, "happy
hours" e festinhas de aniversário. Passeios, farras e noitadas.
Houve abstêmios e quem ficasse de
pileque. Andaram em bando por esquinas, largos, catedrais, de noite, madrugada
ou de dia, em mil lugares do mundo.
Riram solto. Contaram a vida uns aos
outros. Falaram de suas terras, famílias, amigos, amores e desamores. Alegrias,
vibrações, hesitações e inseguranças. Falaram de injustiças, combinaram viagens
e visitas. Choraram sozinhos em quartos internacionais.
Passaram dez, vinte, trinta e poucos
anos juntos, um tempo que ninguém pode tirar dessas Comissárias e Comissários
de Voo.
E, ao se aposentarem, "malgré
tout", brilha em seus olhos uma experiência diferente e inesquecível, a
certeza de uma aprendizagem do mundo absolutamente incrível e radiosa.
As lágrimas se aproximam, já com
saudades...
Isso é uma coisa que eles, as
Comisssárias e Comisssários, não trocariam por nada.
Adeus e obrigado. Nós continuamos por
aqui, no ano que vem.
JP
9 de abril de 2016
Caro Jim,
ResponderExcluirQue maravilha de verdades, de fatos, de realidades descritas neste Texto!
Muito Obrigado por nos relembrar em cada uma destas linhas, o quanto e quão intensa foi nossa Profissão.
Te digo mais, eu vivi e realizei Literalmente tudo que está descrito neste Texto, com Orgulho, e Saudade!!!
Um Abraço Fraterno a todos meus e minhas Colegas!
Heitor Volkart