domingo, 4 de setembro de 2016

A queda do PT

Manuel Villaverde Cabral
A cura de oposição imposta ao PT não mudará o Brasil nem os partidos que agora subiram ao poder, mas constitui um importante elemento de sobriedade política que tanta falta faz.

Dilma Roussef nunca foi uma Presidente inspirada nem inspiradora. Nunca possuiu aquilo a que chamam “carisma” e isso facilitou, entre muitos outros factores, a forma expedita como o Congresso brasileiro (deputados e senadores) organizou a sua destituição depois de ela ter já caído muito nas sondagens. Dito isso, as suas presidências sem rasgo devem-se, fundamentalmente, aos sucessivos cálculos errados do antigo Presidente Lula. Foi ele quem chamou Dilma, que só aderira ao PT em 2001, primeiro para ministra da Energia — com a presidência da Petrobrás! — e, depois, para substituir José Dirceu na Casa Civil como “primeira-ministra”, em 2005, por causa do vergonhoso escândalo do Mensalão com o qual se consumara a conversão da esquerda populista à corrupção inerente ao sistema da “presidência de coalisão”.

Aí terá começado o erro maior de Lula, que foi o de colocar Dilma na presidência em 2010, sem outra razão conhecida que não fosse para Lula retomar a presidência quatro anos mais tarde. O mapa das presidenciais de 2014, como mostrei na altura, espelha a divisão do país, praticamente a meio, entre o populismo estatista e os seus adversários. A necessidade de gigantescas “pedaladas fiscais” em que Dilma se encontrou para fazer frente às manifestações maciças de 2013 contra o governo e para garantir a sua reeleição abriram caminho, por sua vez, ao desmoronamento do edifício estatal populista, dando azo ao colapso económico e, por fim, à destituição da Presidente, a fim de recompor a base partidária da “coalisão” presidencial, à qual o antigo vice irá presidir segundo a Constituição. A “presidência de coalisão” não é mais do que o resultado do sistema político-eleitoral e do voto proporcional, ambos legítimos, mas que, numa sociedade como a brasileira, levou à pulverização da representação partidária, o que faz aliás com que o grande PT nunca tenha atingido 20% sequer do voto popular!

Nada ocorreu, pois, que não se pudesse esperar das políticas de perpetuação do PT à frente de uma “coalisão” paga, nos últimos anos, com a gigantesca corrupção dessa mesma Petrobrás cuja privatização iniciada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi a primeira coisa a reverter pelo governo do PT e pela sua ministra da Energia em 2003… Agora, se houve “golpe”, ninguém viu um militar na rua e muito menos manifestantes encarcerados: “Se houve golpe, como invocou Dilma, foi muito invulgar: nove membros do Senado eram antigos ministros do governo dela e seis destes votaram contra a Presidente…”

A própria Dilma argumentou na sua defesa que qualquer governo com os pés na terra estava obrigado a conter a despesa estatal a fim de inverter a curva negativa da economia, ou seja, adoptar “uma política impopular”, como de resto ela fez depois de ser reeleita, entregando a pasta das Finanças a um alegado “neo-liberal”… O PT, porém, já não aceitou essa primeira derrota que compensaria a vitória eleitoral e a “coalisão” deixou de funcionar. Dilma sabia isso mas já não tinha meios para aplicar essa “política impopular” desde 2013, daí a queda da economia a pique e, pouco depois, a do PT.

Agora que Dilma foi afastada e que a “coalisão” se refez sem o PT, a Presidente e os seus defensores não se cansam de repetir o mantra do programa “Bolsa Família”, que contribuiu de facto para diminuir o abismo das desigualdades sociais: se em Portugal nos queixamos com um coeficiente de Gini de 0.34, o que não dirão os brasileiros mais pobres com o coeficiente de 0.53 em 2012? A narrativa do “Bolsa Família” está, porém, muito mal contada mas tem sido sucessivamente corrigida pelo seu promotor inicial, o actual senador Cristóvam Buarque, antigo ministro dos governos PT, que promoveu em 1995 o “Bolsa Escola” implantado em 2001 na presidência de FHC, e que agora votou contra Dilma no Senado! Mais: a investigação recente mostra não só os falhanços do programa no plano escolar, como a relativa escassez do investimento estatal (pouco mais de 1% do PIB) para resgatar 50 milhões de pessoas da miséria ao mesmo tempo que o PT garantia assim o apoio eleitoral dessas famílias nos estados mais pobres do país!

Resta saber se o futuro governo Temer terá tempo e apoio para aplicar uma política contra o populismo em dois anos e quatro meses até às presidenciais de 2018. Entretanto, haverá eleições municipais muito em breve. Ignora-se como sairá o PT desta situação para a qual nunca esteve preparado. Partidos com raízes marxistas e uma retórica como a do PT vêm em princípio para ficar e só saem de má vontade. É previsível, contudo, que tenha maus resultados e que se aprofundem as divergências internas. As generosas alianças que Lula agora propõe nada têm de novo. A profunda divisão ideológica que se gerou na sociedade, a exemplo do que se passa hoje numa boa parte dos regimes democráticos, é todavia mais mediática do que popular e é contida pelo cruzamento entre os resultados económicos e os eleitorais. A cura de oposição imposta ao PT não mudará o Brasil nem os partidos que agora subiram ao poder, mas constitui um importante elemento de sobriedade política que tanta falta faz! 
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador, 4-9-2016

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