Manuel Villaverde Cabral
A cura de oposição imposta ao PT não
mudará o Brasil nem os partidos que agora subiram ao poder, mas constitui um
importante elemento de sobriedade política que tanta falta faz.
Dilma Roussef nunca foi uma
Presidente inspirada nem inspiradora. Nunca possuiu aquilo a que chamam
“carisma” e isso facilitou, entre muitos outros factores, a forma expedita como
o Congresso brasileiro (deputados e senadores) organizou a sua destituição
depois de ela ter já caído muito nas sondagens. Dito isso, as suas presidências
sem rasgo devem-se, fundamentalmente, aos sucessivos cálculos errados do antigo
Presidente Lula. Foi ele quem chamou Dilma, que só aderira ao PT em 2001,
primeiro para ministra da Energia — com a presidência da Petrobrás! — e,
depois, para substituir José Dirceu na Casa Civil como “primeira-ministra”, em
2005, por causa do vergonhoso escândalo do Mensalão com o qual se consumara a
conversão da esquerda populista à corrupção inerente ao sistema da “presidência
de coalisão”.
Aí terá começado o erro maior
de Lula, que foi o de colocar Dilma na presidência em 2010, sem outra razão
conhecida que não fosse para Lula retomar a presidência quatro anos mais tarde.
O mapa das presidenciais de 2014, como mostrei na altura, espelha a divisão do país,
praticamente a meio, entre o populismo estatista e os seus adversários. A
necessidade de gigantescas “pedaladas fiscais” em que Dilma se encontrou para
fazer frente às manifestações maciças de 2013 contra o governo e para garantir
a sua reeleição abriram caminho, por sua vez, ao desmoronamento do edifício
estatal populista, dando azo ao colapso económico e, por fim, à destituição da
Presidente, a fim de recompor a base partidária da “coalisão” presidencial, à
qual o antigo vice irá presidir segundo a Constituição. A “presidência de
coalisão” não é mais do que o resultado do sistema político-eleitoral e do voto
proporcional, ambos legítimos, mas que, numa sociedade como a brasileira, levou
à pulverização da representação partidária, o que faz aliás com que o grande PT
nunca tenha atingido 20% sequer do voto popular!
Nada ocorreu, pois, que não se
pudesse esperar das políticas de perpetuação do PT à frente de uma “coalisão”
paga, nos últimos anos, com a gigantesca corrupção dessa mesma Petrobrás cuja
privatização iniciada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi a
primeira coisa a reverter pelo governo do PT e pela sua ministra da Energia em
2003… Agora, se houve “golpe”, ninguém viu um militar na rua e muito menos
manifestantes encarcerados: “Se houve golpe, como invocou Dilma, foi muito invulgar: nove membros do Senado eram antigos ministros do governo dela e seis destes votaram contra a Presidente…”
A própria Dilma argumentou na
sua defesa que qualquer governo com os pés na terra estava obrigado a conter a
despesa estatal a fim de inverter a curva negativa da economia, ou seja,
adoptar “uma política impopular”, como de resto ela fez depois de ser reeleita,
entregando a pasta das Finanças a um alegado “neo-liberal”… O PT, porém, já não
aceitou essa primeira derrota que compensaria a vitória eleitoral e a
“coalisão” deixou de funcionar. Dilma sabia isso mas já não tinha meios para
aplicar essa “política impopular” desde 2013, daí a queda da economia a pique
e, pouco depois, a do PT.
Agora que Dilma foi afastada e
que a “coalisão” se refez sem o PT, a Presidente e os seus defensores não se
cansam de repetir o mantra do programa “Bolsa Família”, que contribuiu de facto
para diminuir o abismo das desigualdades sociais: se em Portugal nos queixamos
com um coeficiente de Gini de 0.34, o que não dirão os brasileiros mais pobres
com o coeficiente de 0.53 em 2012? A narrativa do “Bolsa Família” está, porém,
muito mal contada mas tem sido sucessivamente corrigida pelo seu promotor
inicial, o actual senador Cristóvam Buarque, antigo ministro dos governos PT,
que promoveu em 1995 o “Bolsa Escola” implantado em 2001 na presidência de FHC,
e que agora votou contra Dilma no Senado! Mais: a investigação recente mostra
não só os falhanços do programa no plano escolar, como a relativa escassez do
investimento estatal (pouco mais de 1% do PIB) para resgatar 50 milhões de pessoas da miséria ao mesmo tempo que o PT garantia assim o apoio eleitoral dessas famílias nos estados mais pobres do país!
Resta saber se o futuro
governo Temer terá tempo e apoio para aplicar uma política contra o populismo
em dois anos e quatro meses até às presidenciais de 2018. Entretanto, haverá
eleições municipais muito em breve. Ignora-se como sairá o PT desta situação
para a qual nunca esteve preparado. Partidos com raízes marxistas e uma
retórica como a do PT vêm em princípio para ficar e só saem de má vontade. É
previsível, contudo, que tenha maus resultados e que se aprofundem as
divergências internas. As generosas alianças que Lula agora propõe nada têm de
novo. A profunda divisão ideológica que se gerou na sociedade, a exemplo do que
se passa hoje numa boa parte dos regimes democráticos, é todavia mais mediática
do que popular e é contida pelo cruzamento entre os resultados económicos e os
eleitorais. A cura de oposição imposta ao PT não mudará o Brasil nem os
partidos que agora subiram ao poder, mas constitui um importante elemento de
sobriedade política que tanta falta faz!
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