Rafael Marques de Morais
A Sociedade Mineira do Cuango
(SMC) tem estado a destruir centenas de lavras em Cafunfo, município do Cuango,
para alargar o seu território de exploração de diamantes. As compensações que
têm sido impostas aos camponeses depois de lhes serem destruídas as áreas
cultivadas são surreais, incluindo tambores vazios com capacidade para 200
litros.
“Uma lavra pode ter um, dois,
três ou quatro hectares, mas o camponês não recebe mais de 60 mil kwanzas,
independentemente da dimensão do terreno, e alguns tambores vazios”, conta um
dos funcionários da administração envolvidos no processo.
Ao todo, segundo dados
recolhidos pelo Maka Angola junto de entidades municipais que
acompanham o processo, a SMC já destruiu, desde o ano passado, 402 lavras. A
secção da Agricultura do município do Cuango tem em sua posse uma lista de 123
lavras adicionais, a serem destruídas nos próximos dias pela SMC, que desta vez
também envida esforços para demolir a aldeia de Muamuxico e desalojar algumas
outras comunidades circunvizinhas.
“Quem ordena sempre a
destruição das lavras é o Mike Weir, director de operações, em cumprimento das
directivas do conselho de gerência da SMC, que se encontra em Luanda”, refere
fonte da administração municipal que prefere o anonimato.
A mesma fonte revela que as
ordens são encaminhadas para a administradora Angélica Umba Chassango, que, por
sua vez, ordena ao director municipal da agricultura, João Eugénio, que
acompanhe e efectue os pagamentos das compensações.
“O povo não pode dizer nada,
porque o João Eugénio vem acompanhado com a polícia, fortemente armada. Eles
[autoridades] vêm com armas para ameaçar o povo se este reclamar”, desabafa.
Por sua vez, o soba Muamuxico
lembra que foi “o governo quem disse aos populares que, para acabarmos com a
fome, é necessário que todos nos dediquemos à agricultura”. E acrescenta: “Foi
o governo quem disse [nas Lundas] para os nossos filhos abandonarem o garimpo
de diamantes. Passámos a mensagem e os nossos filhos dedicam-se à agricultura.”
Destemido, o soba afirma: “É o
mesmo Governo do José Eduardo dos Santos quem autorizou a Sociedade Mineira do
Cuango para destruir as nossas lavras. Este homem é hipócrita! Nós
continuaremos a cultivar até virem matar-nos.”
Para o soba, o “Governo de
José Eduardo dos Santos só respeita os diamantes, e não a vida das populações”.
“Quando os diamantes acabarem, estas empresas desaparecerão e só deixarão escombros ou ravinas como recordação e mais nada”, prevê. Por isso, reafirma que o seu povo está a organizar uma marcha de protesto contra a destruição das lavras e a demolição de aldeias. “Estamos dispostos a morrer”, afirma.
De forma paradoxal, a
exploração de diamantes tem sido causa a principal causa da miséria e da
violência institucionalizada que penaliza as comunidades locais. A destruição
do modo de vida precário dessas comunidades, dependentes da agricultura de
subsistência por falta de empregos e investimentos afins na região, força o
ingresso dos mais jovens e dos chefes de família na actividade do garimpo, que
é punido de forma severa e arbitrária pelas empresas privadas de segurança.
Nos últimos três meses, este
portal registou a destruição de 98 lavras nas margens dos rios Pone e Lué, bem
como nas dos riachos Kamilengo, Kamalowa e Sachi.
Sobre o sistema arbitrário de
compensações, o Maka Angola destaca, a título de exemplo, os
camponeses da aldeia de Muamuxico que perderam mais de um hectare de terra
lavrada por indivíduo. Lurdes Jeremias, de 38 anos, testemunhou a destruição
das suas três lavras e foi compensada com 120 mil kwanzas e 22 tambores vazios.
Por sua vez, Daniel Mendonça, de 28 anos, perdeu três lavras, tendo recebido um
total de 158 mil kwanzas e três tambores vazios. A SMC também arrasou as três
lavras da camponesa Aida, de 80 anos, que continuava a trabalhar a sua terra, e
compensou-a com nada.
Reacção da Sociedade
Mineira do Cuango
O Maka Angola contactou
a direcção de operações mineiras da SMC para obter a sua versão, mas sem
sucesso. O director-adjunto Firmino Valeriano respondeu por via telefónica,
através de um subordinado, informando que não será possível um encontro nem
sequer responder às perguntas enviadas por escrito, que ora reproduzimos:
1. Desde Agosto passado, a SMC
tem estado a destruir as lavras dos camponeses, pagando, como compensação,
40-60 mil kwanzas e vários tambores vazios. Quem autorizou a destruição das
lavras?
2. Qual é a área total das lavras destruídas?
3. Quais são os critérios usados para determinar as compensações?
4. Por que razão a SMC não emite recibos pelas lavras destruídas e as compensações pagas?
5. A direcção da SMC acha justo os valores das compensações?
6. Como é que a SMC define a sua relação com a comunidade e o que faz para o seu bem-estar?
A SMC é um consórcio formado
pelas empresas Endiama (41 por cento), ITM-Mining (38 por cento) e Lumanhe (21
por cento).
A Endiama, a sócia principal,
é uma empresa pública, detida integralmente pelo Estado angolano.
São sócios conhecidos e
gestores da ITM-Mining o moçambicano Renato Herculano Teixeira (director e
presidente), o inglês Andrew John Smith (director e vice-presidente) e o
angolano Sérgio Eduardo Monteiro da Costa (director).
São sócios da Lumanhe, com
quotas iguais, o ministro de Estado e chefe da Casa Militar do presidente da
República, general Hélder Manuel Vieira Dias “Kopelipa”, o inspector-geral do
Estado-Maior General das FAA, general Carlos Hendrick Vaal da Silva, o chefe da
Direcção Principal de Preparação de Tropas e Ensino, general Adriano Makevela
Mackenzie, o deputado do MPLA, general Armando da Cruz Neto, e os generais João
Baptista de Matos, Luís Pereira Faceira e António Emílio Faceira.
Demolição da aldeia de
Muamuxico
“A Sociedade Mineira do Cuango
proibiu-nos de acartar água dos rios. A nossa aldeia de Muamuxico está entre os
riachos Xacanga e Kamaconde”, lamenta Paulino Mwatxingungo, o adjunto do soba
Muamuxico.
“Essa empresa já nos informou
de que vai destruir as nossas casas também, para ocupar a aldeia. O soba falou
com a administradora sobre o assunto e disse que, para nós sairmos daqui, têm
de nos levar com as nossas árvores e casas para o local do realojamento. Doutro
modo, preferimos morrer aqui, onde nascemos e sempre vivemos”, afirma
Mwatxingungo.
Nas suas palavras, “a terra
pertence-nos. Nem que nos indemnizem. Os diamantes extraídos aqui nas Lundas
nunca trouxeram benefícios para o povo lunda. A aldeia de Muamuxico nem sequer
tem uma escola ou posto médico. Essas empresas e o governo só nos roubam e
desgraçam.”
A aldeia tem um total de 74 casas e mais de 620 habitantes. Ao seu redor existem 87 lavras, já marcadas para destruição, 50 mangueiras, 30 abacateiros e 90 palmeiras, para além de pequenas hortas e outras árvores em menor número.
A aldeia tem um total de 74 casas e mais de 620 habitantes. Ao seu redor existem 87 lavras, já marcadas para destruição, 50 mangueiras, 30 abacateiros e 90 palmeiras, para além de pequenas hortas e outras árvores em menor número.
“A administradora tentou
convencer o soba [Muamuxico] de que é normal as populações serem desalojadas e
que já testemunhou operações de remoção de comunidades locais na sua aldeia no
Nzagi”, revela Mwatxingungo.
Por sua vez, o soba Muamuxico
explica que a lavra é o seu meio de subsistência, é a sua vida: “A minha casa
foi construída com os rendimentos da lavra. O dinheiro para apoiar toda a minha
família vem da lavra.”
“Eu recordo uma notícia onde o
ex-vice presidente do MPLA, Roberto de Almeida, dizia no parlamento que muitos
[cidadãos] pensam que só há diamantes nas Lundas, enquanto [segundo o deputado]
há diamantes em outras partes de Angola. Eu pergunto, por que é que não vão lá
destruir as lavras? Só querem acabar com as lavras das Lundas?”, interroga-se o
soba.
E aproveita a oportunidade
para denunciar o que descreve como sendo a maldade do governo: “Em troca dos
diamantes, o governo só me dá bandeiras [do MPLA].”
Testemunho de camponesas
Paulina Xacole, de 45 anos,
foi recentemente informada por enviados da SMC de que a sua lavra, localizada
na margem do riacho Txameia, será destruída nos próximos dias.
“Os donos da empresa e o
governo querem ver-nos todos a morrer de fome”, afirma a camponesa.
De acordo com o seu
testemunho, não aceitará receber dinheiro ou tambores vazios. “A lavra é o meu
marido. Tudo que necessito vem da minha lavra, incluindo os livros para os meus
filhos estudarem. Cultivo e vendo mandioca, milho, ginguba, batata-doce,
repolho, couve, banana e outros produtos.”
Luzia Joel, de 38 anos,
declara que a SMC já destruiu uma das suas lavras, localizada na margem do
riacho Txameia, onde o seu maior cultivo é a mandioca. “Não recebi nada. Quando
destruírem o que me resta, não terei mais como cultivar e ficarei em casa. Só
Deus sabe”, lamenta.
Em 2006 e 2007, a Sociedade
Mineira do Cuango (SMC) destruiu mais de 200 lavras em Cafunfo. Nessa altura, a
SMC impunha uma compensação de 25 cêntimos de dólar por metro quadrado de lavra
espoliada e culturas destruídas. Com cobertura do Estado, a empresa emitia
recibos nos quais o delegado da agricultura, João Eugénio, assinava como
testemunha em representação do governo. Essa operação foi detalhada no
relatório intitulado “Angola:
A Colheita da Fome nas Áreas Diamantíferas”.
De um lado, Isabel dos Santos
compra o diamante mais caro do mundo por 63 milhões de dólares.
Do outro, nas Lundas, os
protegidos e seguidores do seu pai espalham o terror, a fome e a miséria para
obterem mais diamantes.
Destroem as lavras, expropriam
as terras, e compensam os pobres com tambores vazios.
O Governo tem a obrigação de
proteger os interesses do povo angolano, mas na prática é tudo ilusão. O regime
compensa a destruição com tambores vazios. Haverá metáfora melhor para a
atitude do regime face à população?
Título, Imagens e Texto: Rafael Marques de Morais (com Jordan
Muacabinza, repórter comunitário no Cuango), Maka Angola, 20-9-2016
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