Rui Verde
“O soba Ngana Mussanga, do
MPLA, veio com 20 jovens armados com paus. Deu-me chapadas na cara, enquanto os
jovens me agarravam. Atiraram-me ao chão, apertaram-me nas mãos e nos pés, para
não me soltar, e o soba começou a espancar-me com uma moca na cabeça.” É assim
que Pedro Muiungulenu Zambicuari, fiscal do registo eleitoral da UNITA, descreve as agressões de que foi alvo na província da Lunda-Norte.
Infelizmente, este é um de
entre vários incidentes que fazem levantar sérias dúvidas sobre a transparência
das eleições gerais que se avizinham para 2017.
Há demasiados indícios de
condicionamento e controlo das eleições. Esses indícios devem ser denunciados
abertamente, para que tentar impedir o sequestro definitivo do processo
eleitoral pelo partido do Governo.
O primeiro indício de que as
eleições serão controladas pelo Governo (que já abordámos neste portal) foi a introdução de nova legislação eleitoral a apenas um ano da votação. Como reacção a essa
iniciativa, os partidos da oposição representados na Assembleia abandonam o
plenário.
Convém sublinhar duas
questões. Primeiro, não se aprova nova legislação eleitoral um ano antes da ida
às urnas. Isto de andar sempre a costurar leis adaptadas a cada período
eleitoral é como mudar a localização das balizas antes do início do jogo.
Segundo, leis deste tipo deveriam ser alvo de tentativas de consensualização
entre o partido do Governo e os partidos da oposição. Independentemente da
capacidade jurídica para que sejam aprovadas sem unanimidade, estas leis, de
especial relevância para o processo democrático e suas garantias, não deveriam
ser pura e simplesmente impostas pelo partido maioritário.
O segundo indício foi o
surgimento das novas leis de imprensa, que passam a condicionar enormemente os
jornalistas e criam uma “polícia da comunicação social”. Qualquer eleição livre
e justa assenta na liberdade de expressão e de informação. Ao ser restringida
esta liberdade, restringem-se automaticamente as possibilidades de debate e de
exercício livre dos direitos eleitorais.
Ainda do ponto de vista
institucional e normativo, a tentativa de controlo das eleições por parte do
Governo passa por terem transferido a responsabilidade pelo processo de registo
eleitoral da Comissão Nacional Eleitoral (órgão independente) para o Executivo.
Esta governamentalização do registo eleitoral aparenta ser contrária à
Constituição. Felizmente, a oposição vai recorrer ao Tribunal Constitucional.
O grande argumento do Governo
e dos seus mais ilustres juristas para ignorarem o artigo 107.º, n.º 2 da
Constituição é que noutros países o registo é feito pelo Executivo. É, por
exemplo, o caso de Portugal, dizem. É verdade que em Portugal o sistema está
centralizado no Ministério da Administração Interna. Contudo, a inscrição é
realizada automaticamente na freguesia, órgão eleito do poder local, após a
obtenção do cartão de cidadão ou bilhete de identidade. Vê-se que em Portugal
há uma espécie de centralização descentralizada, em que participam o Estado
central, entidade emitente do cartão de cidadão, e a freguesia, entidade
receptora do recenseamento automático. E não existe, em Portugal, o artigo
107.º, n.º 2 da Constituição da República de Angola. Além do mais, a tendência
geral é cada vez mais para a entrega dos processos eleitorais a entidades
independentes, surgindo nos países com democracias mais antigas — onde as
eleições eram organizadas pelo executivo — novos órgãos e comissões
independentes.
Resumindo, podemos afirmar que
há três indícios jurídico-normativos de que as eleições de 2017 estão a ser
alvo de sequestro: as novas leis eleitorais aprovadas um ano antes das eleições
e sem qualquer acordo da oposição; as novas leis de imprensa, mais restritivas
e que criam um “polícia da comunicação social”; a nova lei do registo
eleitoral, que retira as funções da Comissão Nacional Eleitoral neste processo,
doravante realizado pelo Governo.
Além das referidas manobras
legais, existem ainda outros indícios do sequestro eleitoral.
Um deles é a contratação de
uma empresa — empresa-fantasma em Portugal — para apoiar tecnicamente e
fornecer equipamentos ao processo do registo eleitoral. Esta empresa é a
Sinfic, e já foi objecto de graves desconfianças no anterior processo
eleitoral, em que auxiliou activamente o Governo angolano. É uma empresa que
está inactiva em Portugal, com graves dificuldades financeiras, e cujos
negócios se centram em Luanda. A empresa não goza de uma autonomia financeira
mínima para garantir qualquer independência. Uma empresa que está num processo
de revitalização (isto é, procurando evitar a falência) e que factura anualmente
um milhão de euros, quando recebe um contrato de US $275 milhões, é como se
fosse comprada pelo contratante, o Governo de Angola. Sem ele, desaparece.
Um último indício é, passe o
plebeísmo, a pancadaria. Começam a ser habituais os incidentes em que
“populares” sovam deputados ou fiscais da UNITA, perante a complacência da
polícia.
Portanto, face às novas leis
que dão poderes ao Governo, restringem a liberdade de imprensa e esvaziam os
poderes dos órgãos eleitorais independentes, à contratação de empresas
“portuguesas” de apoio técnico às eleições que dependem exclusivamente de
Angola para sobreviver, e à cultura de violência sobre a oposição, que eleições
livres e justas podem existir em 2017?
Título, Imagem e Texto: Rui Verde, Maka Angola, 24-9-2016
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