Rui Ramos
Para onde nos leva António Costa? Este é
o primeiro governo em Portugal sem nenhuma ideia, sem nenhuma direcção, sem uma
razão de ser, a não ser a dos egoísmos partidários que o formaram.
Se há uma coisa que este
governo e a sua maioria fizeram crescer em Portugal, foi a incerteza. Alguém,
neste momento, sabe ao certo se a economia cresce mais ou menos do que antes?
Se pagamos mais ou menos impostos? Quase todos os dias, algum relatório traz
mais um número para atear dúvidas. É o mundo ideal para os fact checkers. Mas erraria quem pensasse que vivemos apenas um caso
agudo de discórdia estatística. A incerteza não vem apenas da possibilidade de
interpretar percentagens e especular com casas decimais, mas da profunda
perturbação do regime político, em que toda a oligarquia faz grandes esforços
para não reparar.
O regime português tinha,
entre outras, estas duas regras: a primeira dizia que o governo de um Portugal
integrado na zona Euro devia assentar em forças políticas identificadas com o
projecto da integração europeia, e os valores que esse projecto representa; a
segunda estabelecia que nenhum partido chefiaria um governo se não tivesse o
primeiro lugar nas eleições. Foi assim durante quase 40 anos. Deixou de ser
assim o ano passado, quando António Costa, derrotado nas eleições, salvou a sua
carreira política entregando-se nas mãos de partidos que sempre combateram o
regime tal como se desenvolveu desde 1976, opondo-se a todas as revisões
constitucionais e à integração europeia. O regime continuou, claro. Mas sem
essas regras, deixou de se perceber o seu caminho. Qual é a direcção? A do PS,
que promoveu a integração europeia, ou a do PCP e BE, que sempre a combateram?
Para que serve o governo? Para cumprir as regras do Tratado Orçamental, que o
PS subscreveu, ou para romper com o Tratado Orçamental, contra o qual o PCP e o
BE votaram? Poder-me-ão dizer: bem, o PS governa, logo é a orientação do PS que
predomina. Mas ao violar a segunda regra, António Costa depende completamente
do PCP e do BE, que todos os dias exibem a sua influência. Para onde vamos?
Este governo e esta maioria
romperam ainda com outra coisa: com tudo aquilo que os partidos que formam a
maioria e apoiam o governo tinham dito, aconselhado e exigido enquanto
estiveram na oposição. Até Novembro de 2015, PS, PCP e BE pareciam acreditar,
por vias diferentes, que os problemas portugueses se resolveriam pondo a
economia a crescer, e não equilibrando as contas do país, como pretendia a
troika. Eram pelo “investimento público” e pelos “estímulos à economia”.
Desprezavam as “metas do défice”. Mais: consideravam a política europeia
errada, e achavam que deveria ser contestada e resistida até às últimas
consequências. Mas ei-los no poder, e de um dia para o outro o crescimento
deixa de lhes importar, cortam o investimento público, e parecem obcecados com
as metas do défice. Perante Bruxelas, emitem por vezes uns ruídos
anti-germânicos, mas de resto dão a entender que não há problemas. Que
significa isto? Por um lado, tudo faz sentido: uma vez no poder, as antigas
oposições descobriram que não lhes convinha dispensar o financiamento do BCE.
Mas por outro lado, tudo é bizarro: o governo não prepara o país para ser
competitivo dentro do quadro do Euro, porque o BE e o PCP recusam reformas, mas
também não prepara o país para sair do Euro, porque o PS não aceita a saída do
Euro. Limitamo-nos a viver do dinheiro do BCE, à deriva.
Para onde nos leva António
Costa? Sabe ele o que está a fazer? Tem um plano? Este é o primeiro governo
neste regime sem nenhuma ideia, sem nenhuma direcção, sem uma razão de ser, a
não ser a dos egoísmos partidários que o formaram. Por isso, não admira que a
questão para tantos portugueses seja: quando é que isto rebenta?
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
30-9-2016
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