André Azevedo Alves
No ponto a que a "geringonça"
conduziu o país, importaria agora reconhecer também que a estratégia fracassou
e que urge inverter o rumo para tentar evitar a quarta bancarrota.
Numa entrevista recente à
CNBC, Mário Centeno apontou como prioridade governativa evitar um segundo
resgate. As reacções no plano interno não se fizeram esperar, quase todas
críticas. O padrão geral das críticas a Centeno condenou a referência do
ministro das Finanças a um possível segundo resgate com base na noção de que
admitir essa possibilidade transmite um sinal de desconfiança aos investidores
e analistas internacionais e fragiliza a posição do Estado português. Alguns
apontaram até o risco de este tipo de declarações poder acabar por constituir
uma profecia que se auto-concretiza.
As críticas foram intensas e
geralmente acompanhadas de lamentos sobre a inexperiência e inabilidade
política de Centeno. Um responsável político mais experiente e dotado,
consideram esses críticos, não teria caído no erro ingénuo de Mário Centeno.
Percebo todas essas críticas, mas neste caso particular discordo das mesmas. Ao
apontar a necessidade de evitar um novo resgate como prioridade governamental,
Mário Centeno não disse apenas a verdade — foi também realista, sensato e
ponderado.
A verdade é que, infelizmente
para Portugal, os analistas e investidores internacionais não precisam de
Centeno para chegar à conclusão de que o governo socialista precisa mesmo de
concentrar a sua atenção na tentativa de evitar um novo pedido de assistência
externa. Senão vejamos: o crescimento económico está muito abaixo do previsto —
tão abaixo que é inferior ao que o cenário macroeconómico do PS previa fosse
ocorrer caso a PSD e CDS continuassem a governar. Mas o problema não é apenas a
falta de crescimento: a dívida cresce acima do previsto e as exportações têm
tido um comportamento decepcionante. Factores que certamente não são alheios ao
substancial aumento do spread da dívida pública portuguesa face à
alemã ao longo dos últimos meses.
Neste contexto sombrio, com o
reconhecimento realista da gravidade da situação das contas públicas
portuguesas, Mário Centeno prestou um serviço ao país. Quem governa é uma
“geringonça” dependente da extrema-esquerda mas a pasta das Finanças não está —
pelo menos para já — entregue a um louco ou a um irresponsável.
O realismo e bom senso
manifestado nesta ocasião por Centeno não isentam, naturalmente, o governo de
responsabilidades pelo panorama pouco animador que o país enfrenta. Afinal,
esse panorama é resultado de uma estratégia errada e de uma reversão de
políticas que visou distribuir benefícios pelos grupos e interesses favoritos
da “geringonça” à custa da generalidade dos portugueses. O erro da estratégia
económica governamental é tão evidente que até quem opera num quadro mental
keynesiano (mas preserva a sua integridade intelectual) reconhece, como
recentemente declarou Daniel Bessa, que estamos perante uma “patetice”.
A “geringonça” vive assim uma
situação de dualidade insustentável. Enquanto no plano interno se vai
proclamando um optimismo sem fundamento (para contrastar com o discurso
supostamente “gasto” e “sem esperança” de Passos Coelho), no plano externo vai
felizmente imperando uma postura mais sóbria e realista. Para um país
dependente do BCE e com perspectivas macroeconómicas cada vez mais
desanimadoras, a postura realista é sem dúvida a mais recomendável mas não é
certo que prevaleça.
O facto de o governo e seus
agentes já praticamente não falarem da meta de 2,2% para o défice preferindo
mencionar o limiar dos 2,5% ou mesmo 3% é aliás sintomático. No ponto a que a
“geringonça” conduziu o país, importaria agora reconhecer também que a
estratégia fracassou e que urge inverter o rumo para tentar evitar a quarta
bancarrota em quatro décadas de democracia.
Título e Texto: André
Azevedo Alves é professor
do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Observador,
18-9-2016
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