Alberto Gonçalves
É ridículo ter de o lembrar,
ainda por cima num país ocidental e hoje distante da barbárie que regulamenta a
matéria por exemplo no exótico islão, mas o que cada um faz na cama, sozinho ou
com o consentimento do parceiro ou parceira, no singular e no plural, só aos
próprios respeita. Fora da cama (ou do balcão da cozinha, do banco do carro, do
jacúzi, dos lavabos nos aviões, etc. - as opções são inúmeras), cabe aos
próprios escolher se mantêm o recato ou se caem no mau gosto de gritar
intimidades ao mundo. Não cabe a terceiros, incluindo, sobretudo, a alguém que
se diz jornalista.
E se alguém que se diz
jornalista revelar em livro os hábitos sexuais de pessoas sem a respectiva
aprovação? No mínimo, a proeza é um nojo. E um nojo que diz muito mais sobre
quem comete a indiscrição do que sobre as suas vítimas. Não é particularmente
relevante que a inclinação em causa seja a homossexualidade, embora seja notável
que o outing, o processo em que gays expõem à bruta gays que preferiam omitir o
pormenor, se assemelhe frequentemente a um castigo, uma humilhação pela
orientação "desviante", e não a uma condecoração simbólica (que de
resto seria igualmente cretina).
Pois bem, em Portugal alguém
que se diz jornalista cometeu e publicou uma coisa assim. Sob o
"estatuto", pessimamente amanhado, do estudo historiográfico, a coisa
não passa de uma devassa da privacidade alheia. Repleta de fontes protegidas e
de nomes escancarados pelas fontes, esse monumento ao voyeurismo e à falta de
escrúpulos dedica-se a inventariar - ou talvez a inventar - dezenas ou centenas
de homossexuais que nunca o "assumiram" (para usar um termo em voga
entre os profissionais da delação).
Não sei se se trata de um
crime, ou sequer de algo inédito em Portugal. Sei que ajuda à consagração da
canalhice como modo de vida.
Para registo futuro, e
prevenção sanitária, a criatura que se diz jornalista chama-se São José Almeida
e, quando não se encontra a farejar sodomitas do "fascismo", assina
textos ilegíveis no Público. A obra, no sentido escatológico da palavra,
chama-se Homossexuais no Estado Novo e foi lançada em 2010 sem qualquer
escândalo e perante a ocasional crítica entusiástica - o título e as simpatias
ideológicas da autora explicam as reacções. Em 2016, o escândalo, até agora em
repouso, irrompeu por causa do recente livrinho de José António Saraiva.
A acreditar na imprensa, e
descontadas intrigazinhas menores, o livrinho "desvenda" a homossexualidade
de uma única "figura pública", aliás já insinuada por gente do
calibre de Ana Gomes e Francisco Louçã. Repito, para fintar eventuais gralhas:
uma. O livro é uma porcaria? Não li e não duvido, mesmo que no verdadeiro
esterco estejam aqueles que louvaram a ETAR da dra. São José para se
horrorizarem imenso com o baldinho de lixo do arq. Saraiva. A propósito das
diferenças, convém acrescentar que a ETAR mereceu apresentação de duas valentes
"activistas" LGBT, enquanto o baldinho pode vir a ser apresentado
(porquê, Deus meu?) por Pedro Passos Coelho. Nestas "temáticas", no
fundo pretexto para servir outras, o direito à diferença é fundamental. E do
dever da pulhice nem se fala.
Uma semana em Portugal
Uma das gémeas Mortágua, família
cuja notoriedade define o país, mostrou quem realmente governa isto e anunciou
um novo imposto sobre o património imobiliário ("para apanhar quem escapa
ao IRS"). O PCP, que em matéria de assaltos não gosta de ficar à porta e
invade furioso a horta, quer alargar o imposto ao património mobiliário, ou
seja colocar a mão literalmente na massa.
A CGTP, que lutou pela
"escola pública" (?), luta agora pelos trabalhadores despedidos dos
colégios privados que se empenhou em fechar.
O secretário de Estado que
viajou à conta da GALP não se demite do cargo mas demite-se de tutelar a GALP.
O Presidente dos
"afectos" ouviu um par de "homólogos" estrangeiros
jurarem-lhe pela pujança da economia indígena e não percebeu o sarcasmo.
O - passe a expressão -
primeiro-ministro exibiu o imaginário que lhe habita a cabecinha e, em momento
de típica erudição, sugeriu a Pedro Passos Coelho que vá caçar Pokémons. O -
desculpem o termo - ministro das Finanças, que cá dentro compete em boa
disposição com o dr. Costa, andou lá fora a jurar que trabalha imenso para
evitar um segundo "resgate", que na verdade seria o quarto. Os
portugueses que ainda não enlouqueceram já nem duvidam da necessidade do
resgate, mas duvidam que o tenhamos quando precisarmos dele.
O problema é que os portugueses
que ainda não enlouqueceram são uma minoria de resistentes. E um problema maior
é que, aos poucos, a resistência perde razão de ser: a cada semana, o ambiente
em curso convida à resignação e ao abandono.
De acordo com as sondagens,
cinquenta e tal por cento dos cidadãos registam os sinais e acham que a coisa
vai no bom caminho. No meio da desagregação geral, a opinião publicada
aflige-se com a entrevista de um juiz (pretexto para exaltar o eng. Sócrates),
as memórias de um antigo assessor (pretexto para criticar Cavaco) e os
mexericos do arq. Saraiva (pretexto para demolir Passos Coelho).
Portugal é uma casa em chamas
onde os moradores só se preocupam com a fechadura que range. Não tarda, estamos
a olear a porta reduzida a cinzas. E a culpar a "direita", a
"Europa" e a Via Láctea pelos estragos. A Via Láctea não é nossa
amiga.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Diário de Notícias, 18-9-2016
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