Rui Ramos
O PS acusou o PSD e o CDS de se terem
rendido ao “radicalismo neoliberal” da troika. Agora deixa o PSD e o CDS
acusarem-no de estar submetido ao "radicalismo neo-comunista" do BE e
do PCP.
Os bloquistas, segundo as
crónicas, tiveram de correr atrás do PCP e de António Costa na fundação da
geringonça. Desde então, insistem em ir à frente. Aparecem em todo o lado,
opinam sobre tudo, reivindicam todas as ideias, sempre com aquela dicção
martelada que Francisco Louçã lhes deixou em herança. Onde Costa e o PCP dizem
mata, têm eles de dizer esfola. Viu-se no caso da penalização fiscal da
propriedade e da poupança. Os outros falaram de um mínimo de 1 milhão de euros,
eles desceram logo aos 500 mil. Os outros quiseram atacar o “luxo”, eles
preparam-se logo para castigar a simples “acumulação” de dinheiro. O bloquismo
é a doença infantil da geringonça. Agitam-se, logo existem.
Para o Bloco, claro, tudo tem
razão de ser. No seu mundo, não fazem sentido indivíduos e famílias com meios
para uma vida independente e com opções, como é o ideal da classe média. O
Bloco não defende o Estado social, mas a sociedade estatizada. Não concebe os
impostos como um contributo para a fazenda pública, mas como uma via para
transferir o rendimento e o património dos cidadãos para o Estado. Mas — e o
PS? Segundo os bloquistas, o PS de Costa pensa o mesmo, mas tem “vergonha” de o
dizer. É assim? Antigamente, o que distinguia o PS do Bloco não era o grau de
desfaçatez, mas o facto de o PS ter outros valores, como os da democracia
pluralista e da economia social de mercado. As coisas mudaram?
De facto, estamos perante uma
relação dramática. Entre o PS e o PCP pressupõe-se que haja fronteiras
estáveis. As organizações parecem incompatíveis, e os eleitorados mais ou menos
estanques. Mas o Bloco, embora dirigido por partidos que outrora tentaram
replicar o PCP, é suposto disputar votos ao PS. Daí a ideia, muito espalhada,
de que um acabará por matar o outro: ou o PS de Costa dilui o Bloco nas
responsabilidades da governação, ou o Bloco suja o PS no radicalismo
“anti-sistema”. O Bloco parece jogar de acordo com essa teoria, ao forçar as
fronteiras da governação no sentido de precipitar confrontos constantes com o
“capitalismo” e a integração europeia. Não afirma apenas uma identidade, mas
testa o PS: se Costa repudia os excessos bloquistas, prova a sua “traição
burguesa”; se os tolera, demonstra que o Bloco já dirige ideologicamente o PS.
A guerra no Iraque em 2003 e a
crise financeira de 2008 deram por toda a Europa um último fôlego ao tipo de
trotskistas, maoístas e radicais que em Portugal montaram o Bloco. Alguns
aproveitaram para entrar em força nos partidos da esquerda democrática, e
tomá-los de assalto por dentro, como no caso do Partido Trabalhista britânico
com Jeremy Corbyn. Outros montaram frentes eleitorais para substituir os
sociais-democratas, como o Podemos tenta em Espanha e o Syriza conseguiu na
Grécia. Em Portugal, o Bloco experimenta outra abordagem: aproveitando a dependência
de Costa do seu apoio parlamentar, cola-se ao PS e impõe-lhe a agenda
bloquista.
Mas se para o Bloco tudo faz
sentido, que sentido faz tudo isto para António Costa? O PS acusou o PSD e o
CDS de se terem rendido ao “radicalismo neoliberal” da troika. Agora parece
prestes a deixar o PSD e o CDS acusarem-no, por sua vez, de estar submetido ao
“radicalismo neo-comunista” do BE e do PCP. O PSD e o CDS tentaram preservar a
sua reputação “social” protegendo, em geral, salários e pensões baixas. Julga o
PS que lhe bastará a meta do défice orçamental para provar a responsabilidade
“europeísta” que o separa do extremismo? De facto, muito depende agora do PSD e
do CDS: que farão eles com uma classe média que começa a descobrir que a
geringonça pode não ser afinal inofensiva para as suas poupanças, patrimónios e
aspirações?
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
20-9-2016
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