Paulo Tunhas
O manifesto radical de Michael Foot, em
1983, foi descrito como “o mais longo bilhete de suicídio da história”. Corbyn
levou a coisa a outro patamar e o seu destino arrisca-se a não ser muito longo.
Entretidos que andamos com as
desgraças caseiras e com as eleições americanas, ninguém parece dar muita
importância ao que se passa no Partido Trabalhista. A Inglaterra, por estes
dias, resume-se na comunicação social portuguesa ao Brexit e a pouco mais. E,
no entanto, tudo o que aconteceu desde que Jeremy Corbyn ascendeu, em Setembro
de 2015, à chefia do Labour, uma chefia renovada no passado dia 24, arrisca-se,
aos olhos de muita gente, a conduzir à perda definitiva de relevância do
Partido Trabalhista, à semelhança do que aconteceu, nos anos 20 do século
passado, ao velho Partido Liberal de Gladstone e de Lloyd George.
Corbyn representa, como se
sabe, a “esquerda dura” do trabalhismo, no seguimento do seu mentor Tony Benn,
que, de resto, começou na ala direita do partido. As tradições são o que são, e
a “esquerda dura” trabalhista tem uma longa tradição e sempre foi mais ou menos
activa. Mas esta nova encarnação vegetariana, abstémia e pacifista oferece um
radicalismo que não parece ter tido antes uma tão plena oportunidade de se
manifestar na chefia partidária. E Corbyn anda bem acompanhado, como por
exemplo por um seu importante e muito próximo ministro-sombra, John McDonnell,
que recentemente se recusou a pedir desculpa por ter apelado ao linchamento da
deputada conservadora Esther McVey. McDonnell tem de resto uma longa história
no capítulo: em 2003 elogiou, lembra a Economist, “as bombas, as balas e o
sacrifício” do IRA.
O velho radicalismo da
“esquerda dura” trabalhista – nacionalizações extensas, desarmamento nuclear
unilateral, eliminação das bases americanas, anti-europeísmo manifesto ou mais
ou menos disfarçado, etc. – encontra-se devidamente complementado em Corbyn por
outras posições próprias ao presente. Tal como o antigo mayor de Londres, Ken
Livingstone, Corbyn elegeu Israel como o seu ódio de estimação. Defendeu, por
exemplo, os autores do atentado bombista de 1994 à embaixada israelita em
Londres. E, naturalmente, é dotado de uma vasta complacência para com o
islamismo radical. Corbyn, de resto, e só superficialmente há incoerência nisto
(é unicamente Israel que se quer atacar), não vê grande diferença entre Israel
e o Estado Islâmico.
Não é, portanto, muito
estranho que vários trabalhistas judeus tenham declarado a sua intenção de
abandonar o partido. Os episódios de anti-semitismo, com ou sem o disfarce do
anti-sionismo, multiplicam-se. E esta é apenas uma das razões pelas quais
muitos trabalhistas, entre os quais três-quartos dos deputados, se encontram em
absoluta oposição a Corbyn e pedem a sua demissão e o seu governo-sombra se
torna dia-a-dia mais ténue. Ao mesmo tempo, Corbyn, como o comprova a recente
vitória esmagadora que permitiu a sua reeleição, está de pedra e cal. E os seus
apoiantes podem-se gabar de o Labour se ter tornado o partido com o maior
número de filiados na União Europeia.
Esta situação propriamente
esquizofrénica tem obviamente uma razão de ser. Corbyn abriu as portas do
partido à extrema-esquerda, nomeadamente a um grupo denominado Millennium que
por ele vota activamente. Claro que houve, no passado, muitas infiltrações no
Partido Trabalhista. Michael Foot e Neil Kinnock, enquanto chefes do partido,
tiveram de lidar com a infiltração de um outro grupo, Militant, o primeiro com
mansidão, o segundo em clara oposição. Mas nunca aconteceu, creio, que fosse o
próprio chefe do partido a fomentar a invasão. Uma invasão que, é claro,
permite a sua sustentação no poder.
É tudo menos de estranhar,
portanto, que se preveja a mais extraordinária das derrotas eleitorais para um
Labour completamente fechado no seu próprio radicalismo, um radicalismo que os
britânicos não apreciam. E, mais do que uma derrota eleitoral, a mais vasta
condenação à irrelevância do partido por uma pequena eternidade. Com efeito,
quem se arriscará a confiar, durante muito tempo, num partido que se deixa
comandar por um doido fanático que tudo arrasa à sua volta? A partir daqui, há
quem diga que isso pode significar algo como a passagem ao estatuto de primeira
força de oposição dos Liberais Democratas, herdeiros do defunto Partido
Liberal. E há quem diga que, pura e simplesmente, e talvez mais provavelmente,
os conservadores poderão governar por muitos e bons anos como se não houvesse,
para todos os efeitos, oposição.
Esta história de uma aventura
do radicalismo deveria fazer-nos meditar um pouco. Não digo que o monstro
compósito Costa+Catarina, com o apêndice Jerónimo, seja igual a Corbyn. Apesar
de algumas coalescências, as partes podem ainda ser separadas. Nem asseguro que
o longo hábito da coalescência acabe por inspirar ao PS o triste destino que
muitos vaticinam para o Partido Trabalhista. Portugal não é, sem dúvida, a
Inglaterra. Mas, para quem quiser olhar com cuidado para o que se passa no
Labour, uma lição parece clara e dotada de toda a evidência necessária: o
arcaísmo ideológico extremo conduz ao fanatismo, à perda de contacto com a
realidade e, em sociedades civilizadas, geralmente, à auto-destruição. Não se
perde nada em estar atento ao que diz e faz o socialismo revolucionário.
Um manifesto eleitoral radical
de Michael Foot, em 1983, foi descrito por alguém como “o mais longo bilhete de
suicídio da história”. Corbyn levou a coisa a outro patamar: já não é só um
bilhete e arrisca-se a não ser muito longo assim. O PS de cá ainda está muito
longe disso, apesar de vários sinais aqui e ali. Mas se, por uma razão ou
outra, esses sinais se multiplicarem muito e a coalescência com o Bloco se
aprofundar para além de um certo limite, não sei, não sei. Parece impossível? O
provável destino do Partido Trabalhista não parecia, ainda há muito pouco
tempo, inimaginável?
Título e Texto: Paulo Tunhas, Observador,
29-9-2106
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