Maria João Marques
Não tem dinheiro para comprar casa?
Paciência. Com um governo a impedir a acumulação de património imobiliário, não
espere vir a ter casas para arrendar a preço aceitável. Só um louco investiria
nelas
A crónica de hoje é
pedagógica, dedicada a explicar as brilhantes ideias económicas do Partido
Bonnie & Clyde, perdão, do Bloco de Esquerda. No que está acompanhado dos
ideólogos do PS atual – João Galamba (o seu sorriso orgulhoso depois de Mariana
Mortágua desafiar o PS para se entregar à ladroagem fiscal é todo um programa)
e Porfírio Silva – e do primeiro-ministro. Pessoa que no seu género vulgar de
quem tem dificuldade até a caçar pokemons já pergunta por que essa odiada (por
Costa) categoria que são os ricos há de pagar menos impostos que quem trabalha.
Perdoemos-lhe: Costa não sabe
que governa um país onde cerca de 50% dos agregados familiares não paga IRS por
ter rendimentos demasiado baixos. Ou, em alternativa, mente descaradamente.
Como dizia Tiago Silva (da esquerda socialista moderada) no twitter, por estes dias
‘fica-se siderado com o facto de Jerónimo Sousa ser o mais moderado dos três’
da coligação.
Voltemos à pedagogia.
Comecemos por explicar por que razão BE e PS querem criar um novo imposto sobre
o património imobiliário – além, claro, de impedir por via de uma política
fiscal estranguladora a existência de propriedade privada. Dizem-nos que querem
taxar quem de outra forma foge aos impostos. Nada disto faz sentido: sabemos
que há muito quem enriquece e melhora a situação económica da sua família
através do esforço e trabalho e que pagou impostos em todo o processo.
Mas eis que o convite do PS a
Sócrates para participar nas festividades da reentré socialista explica. Ao
contrário das pessoas comuns, bloquistas e socialistas contactam com
espertalhões da estirpe de Sócrates, que fazem vida de milionários sem terem
rendimentos lícitos que lhes correspondam. PS e BE estão, portanto, convencidos
que somos todos como Sócrates. Vai daí, é taxar-vos o património, seus
malandros que vivem luxuosamente à conta das fotocópias dos amigos.
Passemos à explicação seguinte.
Perante o clamor escandalizado com as palavras de Mariana Mortágua (merecedora
de metáfora futebolística de jogador que no início da carreira faz um
brilharete, mas no resto da vida mostra-nos que o golo improvável foi só sorte
e nada de talento), a deputada explicou-se. Para nosso deleite – e pavor por
vivermos no país onde tais ideias têm influência na nossa vida.
Primeiro a deputada inventou
que ‘temos de perder a vergonha [como se a tivesse] de ir buscar dinheiro a
quem está a acumular dinheiro’ significa que só quer taxar a acumulação de riqueza, não quer taxar as poupanças.
É penoso ter de explicar a
alguém que está a doutorar-se em Economia que riqueza não é nada mais que a
acumulação de poupanças. E que este processo de acumulação de poupanças se faz
muitas vezes ao longo de gerações, em que os pais vão poupando para deixar aos
seus filhos um bocadinho mais que aquilo que receberam, comprando uma casa na
cidade, ou na aldeia, que passarão aos filhos e netos, a geração a seguir
compra uma segunda casa de férias, e é assim que se constituem as fortunas – em
Portugal, regra geral, nem chegam a grandes. Porém, pequenas ou grandes, devem
ser aplaudidas e não perseguidas. Mariana Mortágua – e o PS sorridente – quer
uma coisa simples: impedir-nos de usufruir do bolo que obtemos por pouparmos
uma porção do nosso rendimento cada ano.
Como se não fosse tudo muito
claro, o tuit a seguir clarificou. Mariana Mortágua não quer que o número de milionários aumente. Percebem? O bloco e o PS não
querem cá ricos neste país. Xô. Era o que faltava. Há governos que têm como
objetivo não deixar que o número de pobres aumente, preferencialmente que o
número de pobres diminua. O BE e o PS têm como finalidade da governação algo
muito mais à frente: impedir que as pessoas enriqueçam.
Portanto, querido concidadão,
gosta daquele conceito que é a ascensão social? Pois emigre, que por cá não
queremos gente com desejos imorais de subir na vida. Nasceu pobre? Fique lá, e
agradeça as esmolas que BE e PS querem dar para lhe comprar o voto. É
remediado? Pois dê-se por satisfeito e fique quieto, nada de estudar nem de mandar
os filhos para a universidade a ver se conseguem empregos mais bem pagos que os
dos seus pais.
Não é uma maravilha de
desígnio para um país? Sugiro que nas próximas eleições os cartazes do PS
apregoem ‘não queremos gente rica’ e ‘imobilidade social sempre’.
Mas atenção: isto melhora.
Entrou em cena Catarina Martins. E se no BE uma doutoranda em Economia tem este
nível teórico indigente, imagine a atriz e encenadora. Catarina não desiludiu:
‘Comprar casa não é investimento. Investimento é quando se cria valor.
Investimento é quando se criam postos de trabalho’.
Uau. Pela mesma ordem de
ideias, uma empresa que compre um escritório mais espaçoso, mais bem situado e
mais confortável – em vez de deixar os trabalhadores num pardieiro – também não
está a investir, já que não construiu nada. E, gente que trabalha em
imobiliárias, estão a ver? O vosso trabalho não cria valor nem serve para nada.
Embrulhem. É óbvio: comprar uma casa com melhores condições onde a nossa
família viva bem, perto de escolas boas onde os nossos filhos possam ter
sucesso académico, que não implique perder excessivo tempo no transporte para o
trabalho, vê-se logo que não é um ‘investimento’. Não estamos a investir na
qualidade de vida familiar. Nem na melhoria de perspetivas dos nossos filhos.
Nem a adquirir um valor que os nossos descendentes um dia herdarão. Nada disso.
Parabéns, Catarina.
E agora para os patetas
alegres que estão satisfeitos por afinal só patrimónios imobiliários acima de um
milhão de euros serem taxados.
1. A taxa máxima de IVA em 2002 era de 17%. Foi há catorze anos –
não foi há várias eras glaciares – que Manuela Ferreira Leite decidiu o
‘aumento temporário’ da taxa para 19%. Depois disso, foi o que se sabe: os
governos viciaram-se em aumentar o IVA e agora temos uma taxa de 23% (e já
corremos o risco de 23,25%). Lição: nisto dos impostos, os governos começam
sempre por níveis supostamente toleráveis – para depois lhes dar a voracidade e
taxarem até ao osso.
Se deixarmos que este novo
imposto seja criado já sabemos o que esperar. Primeiro aumenta-se o Valor
Patrimonial Tributário com critérios da estirpe da vista ou da exposição solar, de maneira a que, de repente, sem
que nada tenha mudado, nos tornemos proprietários de imóveis subitamente muito
mais valiosos. Quando o aumento arbitrário do VPT não chegar, passa-se de
património imobiliário de 1M€ para 750.000€. Depois para 500.000€. Hoje
exclui-se a casa de habitação, amanhã inclui-se. Só param quando todos os
proprietários, gente rica e ignóbil, forem taxados até ao fim. É o que chamam
de ‘justiça fiscal’.
Isto diz-nos respeito a todos:
Portugal tem uma percentagem alta de pessoas com habitação própria (em vez de
arrendada) e de pessoas com segunda casa. Que os nossos filhos herdarão.
2. Não tem dinheiro para comprar uma casa? Olhe, paciência. Com um
governo a impedir a acumulação de património imobiliário, não espere vir a ter
casas para arrendar a um preço aceitável. Só um louco vai investir em
apartamentos para arrendar, e, de caminho, deixar que lhe levem a pele com
impostos. Não tem dinheiro para um hotel nas férias? Bom, fique em casa, porque
apartamentos para arrendar no Algarve (dessa gente aleivosa que acumula
património imobiliário) vão ser um bem escasso e cada vez mais caros.
Não fique triste: vai ter a
vivência de uma aventura venezuelana para contar aos seus netos.
Título e Texto: Maria João Marques, Observador,
21-9-2016
Relacionados:
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos.
Se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-