António Pedro Barreiro
Se levarmos Mariana Mortágua a sério,
temos de perguntar onde está o limiar que separa a classe média e os ricos. Ou
seja, os bons e os maus. O trigo e o joio. A poupança e a
"acumulação".
No sábado passado, a deputada
bloquista Mariana Mortágua foi recebida com pompa e circunstância na rentrée
política do PS, em Coimbra. Perante os ávidos aplausos da plateia socialista, a
deputada Mortágua defendeu a necessidade de encontrar “uma alternativa global
ao sistema capitalista” e a urgência de “ir buscar a quem está a acumular
dinheiro”.
Entretanto, numa série de
tweets doutrinários, Mortágua expandiu o seu raciocínio e explicou que não
pretende penalizar a poupança, mas apenas a “riqueza acumulada”. Uma vez que a
acumulação de riqueza é a definição textual de poupança, a deputada Mortágua
sentiu a necessidade de explicar a diferença entre ambos os conceitos. E a
diferença, muito claramente, está na quantidade.
Sucede então que a acumulação
do vil metal não é reprovável, se for feita em pequenas quantidades. Mariana
Mortágua explica: o pé-de-meia do “trabalhador de banco” é “poupança”. A
fortuna de Ricardo Salgado é “riqueza acumulada”.
Para a dirigente bloquista –
e, já agora, para o seu partido –, o putativo crime de Ricardo Salgado não foi
fugir à lei, especular com poupanças alheias ou servir-se dos limbos do sistema
para obter protecção política. O crime de Ricardo Salgado foi, pura e
simplesmente, ter dinheiro. Acumular riqueza. E, por isso, no douto entender de
Mariana Mortágua e da agremiação que a patrocina, nada distingue Ricardo
Salgado de Steve Jobs, Bill Gates, ou de qualquer empresário bem-sucedido que
paga impostos, cumpre a lei e acumula legitimamente o vil metal. São todos
culpados de ser ricos.
É preciso que nos entendamos:
a deputada Mortágua não defendeu uma taxação progressiva. Esse é um princípio
politicamente consensual, consagrado no texto constitucional e aplicado desde
sempre na história democrática de Portugal. O que a deputada Mortágua defende é
o confisco de quem tem mais. Aliás, assume-o claramente quando escreve, em mais
um tweet, que o que pretende é taxar a riqueza “que permite que o número de
milionários aumente”. O objectivo claro e assumido é diminuir o número de
milionários. Acabar com os ricos.
Para o Bloco, a justiça do
sistema não está em criar regras iguais para todos, mas em torcer as leis para
gerar os resultados que queremos. Menos ricos. Menos riqueza. Menos acumulação.
Os ricos, diz Mariana
Mortágua, não pagam impostos suficientes. A classe média, por seu turno, paga.
Se levarmos Mariana a sério, temos de perguntar onde está o limiar que separa a
classe média e os ricos. Os bons e os maus. O trigo e o joio. A poupança e a
acumulação. Onde deve traçar-se o limite entre quem “já paga muitos impostos” e
quem ainda “não”? São 500 mil euros, como diz o Bloco? É um milhão de euros,
como alvitra o PS? São 100 mil euros, como chegou a defender o actual
Presidente francês, nos seus tempos de inefável socialista? Ou teremos de
consultar a recta moralidade fiscal de Mariana Mortágua?
Vestida com novas roupagens,
esta esquerda que agora parece apostada em fazer guerra à poupança e à criação
de riqueza é precisamente a mesma que, desde há dois séculos a esta parte, se
alimenta do divisionismo, da fractura social e da promoção da luta de classes.
Não deve ser fácil depender politicamente da disseminação do ódio e da inveja.
Não consigo evitar um sorriso,
sempre que oiço um amigo de esquerda acusar Donald Trump de fazer o jogo do
ódio e da discriminação para ganhar votos. Na verdade, também eu me preocupo
com o risco de alguma direita ceder a um discurso populista de recusa radical
do cosmopolitismo e da globalização. Mas vejo-me forçado a constatar a
persistência desse mesmo vício nos novos heróis da esquerda revolucionária
moderna.
O excêntrico Bernie Sanders, o
sendeiro Tsipras (na versão pré-acordo com a UE), o radical Jeremy Corbyn ou o
pretendente-a-venezuelano Pablo Iglesias são ardentes apologistas deste
discurso marginal e venenoso, que procura virar os 99% contra o 1%, o Norte
contra o Sul, os trabalhadores contra os empresários, os funcionários públicos
contra o sector privado. São esses os reluzentes telhados de vidro que adornam
o perigoso discurso da deputada Mortágua. E foram esses telhados de vidro que o
novo PS aplaudiu no fim-de-semana passado.
Título e Texto: António Pedro Barreiro, Estudante
Universitário, 20 anos, Observador,
21-9-2016
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