Rui Verde
As notícias das execuções
extrajudiciais levadas a cabo a sangue-frio em Viana e reportadas pelo Maka
Angola foram recebidas com satisfação por parte da população.
Uns escreveram: “Irmãos, creio
que esses bandidos que foram mortos também já tiraram Vida dos outros, só
pagaram o que haviam cometido ao longo das suas caminhadas”. Outros: “Quem com
ferro fere, com faca será ferido. É a lei da vida.” Ou ainda: “Estes indivíduos
não merecem viver, não podemos desejar a morte de algum, mas estes caras devem
morrer porque deus disse toda árvore que não dá boa fruta seja cortada.” (sic).
Estes são alguns dos comentários à notícia.
No Maka Angola defende-se
com veemência a liberdade de expressão, quer para defender as nossas posições,
quer para discordar delas, e por isso não se oblitera a opinião de vários
sectores da população que aplaudem as execuções levadas a cabo pela Polícia.
Mas isto não significa que se concorde com essas opiniões. Elas representam um
perigo de morte para todos nós, e demonstram que um governo que não cuida da
economia, da educação e da saúde só merece aplauso quando mata os seus
concidadãos. Isto é trágico.
O que distingue a civilização
da barbárie é a existência de um modo de fazer as coisas segundo regras
aceites. Antigamente, se uma pessoa matava outra, competia à família desta vingar-se
e ir matar outra pessoa da primeira família. Estas atitudes desencadeavam uma
espiral de violência que terminava na razia de aldeias e em centenas de mortos
inocentes. Não havia regras. Era a força bruta. Ganhava o mais forte, o mais
selvagem. A vida era, como escrevia o filósofo inglês Hobbes, brutal, curta,
suja e desagradável. Nunca se sabia quando estaria alguém numa esquina com uma
faca para nos matar, os nossos filhos eram trucidados na guerra, e as nossas
filhas sistematicamente violadas.
A justiça, as regras e o
processo judicial surgiram para evitar esta sequência de acontecimentos e criar
uma sociedade agradável e pacífica. Aquele que comete crimes deve ser punido,
mas de acordo com regras. Essas regras existem por duas razões: para que a
sociedade não seja uma selva em que todos se matam uns aos outros e para que
inocentes não sejam confundidos com culpados.
Estas matanças indiscriminadas
do Serviço de Investigação Criminal e da Polícia Nacional não garantem de modo
algum que apenas os culpados sejam mortos. Basta estar no lugar errado à hora
errada.
Maka Angola publicou,
a 4 de Junho de 2014, a história de um pacato cidadão, Manuel Samuel Tiago
Contreiras, proveniente de Malange, que foi executado pelo Grupo Operativo da
32.ª Esquadra do Distrito do Kilamba Kiaixi. Manuel vinha a Luanda passar o fim
de semana com o seu irmão mais velho, Tiago Manuel Contreiras, na altura
subchefe do posto policial do Bairro Fubu. Manuel pediu boleia a um jovem
conhecido, Gosmo Quicassa “Smith”, para levá-lo à paragem de autocarro, em
Viana, onde deveria apanhar o transporte de regresso a Malange. Pararam antes
em casa de um terceiro amigo, Damião Zua Neto “Dani”. Diante da casa de Dani, e
na presença da sua família, os três foram fuzilados pelo referido grupo
operativo. Smith foi cravejado com 14 balas.
A mãe de Dani, Helena Zua, viu
e reconheceu como sendo o “Sr. Vasco” o operativo da Investigação Criminal do
Grupo Operativo que executou os jovens.
Manuel Contreiras, membro do
coro da Sé Catedral de Malange, era bastante religioso. Por ironia, o seu irmão
Tiago, como subchefe do Posto Policial da Fubu, foi encarregado por um superior
seu a efectuar a remoção dos corpos dos “três marginais” que tinham sido
“abatidos”. Tiago Contreiras recusou-se, porque a área onde os jovens tinham
sido mortos não era da sua jurisdição. Os assassinos compareceram no seu posto,
viu-os a todos e reconheceu-os a todos. Só não sabia que tinham fuzilado também
o seu irmão em plena luz do dia e com testemunhas. Os assassinos continuam
impunes, e Tiago Contreiras foi castigado com uma transferência para um
trabalho meramente administrativo, após ter sido ameaçado de expulsão.
Este é o problema de sancionar
execuções policiais extrajudiciais. Sabe-se onde começam, não se sabe onde
acabam. Depois de supostos bandidos, podem ser membros da oposição, críticos do
regime e depois ajustes de contas internos entre os mandantes e os poderosos.
Haverá sempre uma explicação para se legitimar assassínios, porque a “cultura
de morte” é promovida pelo governo do presidente José Eduardo dos Santos e
aplaudida por muitos cidadãos.
As Filipinas elegeram
recentemente um presidente que defende a mesma postura e que autorizou a
polícia a matar os traficantes de droga sem qualquer julgamento. O que se tem
verificado é que a própria polícia livremente já admite que os cartéis de droga
têm aproveitado a luz verde do presidente Rodrigo Duterte para matar rivais ou
potenciais informadores. A impunidade da polícia tem resultado em que muitos
agentes fora de serviço matam pessoas com quem tinham problemas pessoais ou de
outro género e saíam impunes. No fundo, sente-se que há um grupo de pessoas que
pode matar alguém e não ir para a cadeia.
Os cidadãos que aceitam as
execuções extrajudiciais estão disponíveis para correr esse risco: que um dia
sejam eles ou os seus familiares a levar um tiro por desagradarem a um polícia,
um agente do Serviço de Investigação Criminal ou a alguém com poder para
contratar os seus serviços. Basta pensar na hipótese mais humana de todas. Um
polícia cai de amores pela filha de um pacato cidadão. Não sendo correspondido,
mata a rapariga alegando que ela era uma bandida. Qual a reacção possível,
quando se concordou que a polícia podia e devia matar os bandidos? Este é o
problema. Liberdade total para os lobos representa a morte das ovelhas.
Como referido, há uma segunda
questão, tão grave como a primeira: a do papel do Estado. O presente regime
angolano faliu. Faliu económica e eticamente. O velho acordo à “chinesa”
assente na prosperidade económica em troca de um governo autoritário terminou.
Sobem os preços da
alimentação, falta saúde, a educação não convence, as pessoas sentem-se desprotegidas
e descontentes. A única coisa que o governo tem para oferecer são grupos
operativos, sob comando do Serviço de Investigação Criminal, livre para matar
sem julgamento. É irónico: o governo que teoricamente surge para proteger a
vida, a liberdade e a felicidade das pessoas, no fim de contas, incentiva a
morte.
O que o governo tem para
oferecer à população é o fuzil carregado e a morte na ponta do cano. Segundo a investigação do Maka
Angola, o ministro Ângelo Tavares tem responsabilidades directas nesta
“política” de execuções extrajudiciais, sendo comparável a Duterte nas
Filipinas ou a Goering, o alemão que liderou a polícia nazi e dizia: “Cada bala
que sair de um revólver da Polícia é a minha bala.”
O mesmo se pode dizer de
Ângelo Tavares – cada bala que sai da pistola de um agente do Serviço de
Investigação Criminal é a sua bala.
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