domingo, 8 de setembro de 2019

[As danações de Carina] Reversão de expectativa

Carina Bratt

Numa virada lerda, em torno de mim mesma, percebo que ainda estou meio atordoada, pasma, zonza, atônita, com a cacetada que levei. Machucou? Sim! Muito! Feriu profundamente meu ser? Feriu! Deixou nele marcas indeléveis, como queimaduras de ferro em brasa? Deixou. Não pensava fosse doer tanto, me escoriando a alma, me refugando o corpo inteiro, aniquilando e pondo em frangalhos meu eu interior.


Confesso tudo o que aconteceu me pegou desprevenida e completamente despreparada. Eu sabia que mais hoje ou amanhã, aconteceria. Pelo andar da carruagem, seria desastroso, irreparável, irremediável, inevitável. E, de fato, foi. Num horror pungente, me consumi todinha como se me enterrasse viva num brejo de lama pútrida. Meus caminhos tortuosos por itinerários irregulares, minha conduta no dia a dia com a família, notadamente com o companheiro, sinalizava, a olhos vistos, que logo eu teria uma surpresa.

Uma surpresa de assombro desagradável. Um susto malquerido, entojado... Tipo um terremoto em grau máximo na escala de Richter que me levaria a custear meu próprio sismo em magnitude irreversível. Era, pois, esperado esse sobressalto. Todavia, jamais imaginei viesse essa dor infame castigar tão fortemente meus dias vindouros, a ponto de me pegar espoliada. Imaginei, logo a seguir a essa queda vertiginosa e catastrófica, alguma coisa boa surgisse e me sustentasse ou me confortasse diante do irremediável.

O irremediável, em certas ocasiões, se torna um peso morto, um agourento decisivo. Virei, de repente, bagaço de espectro esbulhado e como tal, assustando os fantasmas que se colocaram diante de meus medos e receios. De saia justa, saí de cabeça baixa, arrasada, desmoronada, consternada por dentro e por fora, destroçada da raiz dos cabelos à planta dos pés.

De roldão, a cabeça desaprumada e o coração em frangalhos. Esse dia lindo, de repente, se fez tão profundamente pesado e marcante quanto à partida de meu pai para os braços do infinito. Em verdade, iria um pouco mais longe, na minha insanidade. A passagem de meu papito para as terras do Bendito, não doeu tanto, não mexeu deveras comigo, quanto essa separação, embora, de antemão se fizesse esse divórcio anunciado há tempos.

Agora sozinha, na casa dos trinta, chafurdada na minha agonia bucólica, não estou conseguindo trilhar os desvãos que se descortinam à minha ansiedade. Parecem existir muros altos com cães raivosos me espreitando. Além deles, para piorar o quadro da minha derrocada, uma barreira enorme se ergueu à proa de meu destino. Enfim, reconheço obstáculos intransponíveis me impedindo seguir para qualquer lado que sinta vontade explorar.

Nuvens compridas de feições escuras se juntaram sobre minha cabeça e as saídas para um recomeço, simplesmente deram conta de não mais existirem. Penso, comigo, que o imprevisto previsível, se antecipou e me deixou meio abobalhada, quebrantada, sem chão firme para calcar os restos que consegui juntar. Chego ao ponto de me sentir uma escrava despida para o sexo de um carreiro sem volta.

Tornou-se trabalhoso, confesso, catar um por um os pedacinhos de tudo o que sobrou. Colar fatia por fatia da vida alegre e feliz que se desfez em sonhos andrajos. Quase impossível também avistar ali adiante, tão perto de meus sentidos, um horizonte novo se abrindo inteiro aos meus percalços e estorvos, molestos e agastamentos. Sequer enxergo alfombras de cores variadas onde pisar com minhas horas incertas.

Pareço ter perdido a vontade de seguir em frente, de me reestruturar, de me reconstruir. Pinçar cada fragmentado da solidão e soerguer, numa audácia maravilhosa, aquela expectativa que, de um minuto para outro, me devolvesse à graça de viver, de voltar a sonhar com um sol se esplendendo, de me abrir ao amar, ao recomeçar como em outrora fazia sem maiores esforços.

Sobretudo, o mais importante: queria regressar ao faz de conta, regredir ao de como tudo era antes da explosão da minha imbecilidade, da insensatez que costurou meus passos num mundinho lúgubre e sem volta. Apesar de toda essa confusão desordenada, o melhor de tudo. Eu creio piamente num porvir esperançoso. Creio, de fato, sem restrições. E nele, eu, comigo, de posse de uma carta de euforia, de volta com ele, ao lado dele, nos braços dele, inteiramente dele, INTEIRAMENTE DELE... Voando como Ícaro em suas asas de sonhos, plena e FELIZ.
Título e Texto: Carina Bratt, de São Paulo, Capital. 8-9-2019

Anteriores:

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-