As pessoas estúpidas são tão estúpidas que
sustentam uma das mais florescentes indústrias do mundo capitalista: a
indústria do viver bem à conta de chamar estúpidos aos outros.
Helena Matos
Não sei se a culpa foi
do marido de Penélope Cruz gritando “estúpido” na Marcha
do Clima, em Madrid, se do marido da filha do dr. Louçã transformado em profeta do apocalipse ambiental.
Mas de algum deles foi certamente pois ambos com o seu particular e bem-sucedido
modo de vida fizeram-me perceber a importância das pessoas estúpidas. Ou seja,
aquelas pessoas que, com os seus impostos em ordem e desejo de viver em paz e
sossego, mantêm a funcionar um sistema que o senhor Bardem e o marido da filha
do dr. Louçã declaram abominar.
O genro do dr. Louçã além de
ser genro do dr. Louçã, o que em Portugal é uma espécie de posto, é
também dirigente de uma associação que se destacou por ter
ido com vários deputados e o presidente da CML esperar a embarcação em que viajava, à
boleia, uma adolescente que se notabilizou por gritar e faltar à escola.
Perante isto, as pessoas estúpidas interrogam-se: se não levarem os filhos à
escola e os largarem pelas ruas será que os deputados, o presidente da CML, a
família Louçã e os ativistas do costume deixam de proferir insanidades
eco-betas nas docas do Tejo e tentam entrar nos comboios atrasados da linha de
Sintra? Isso, dirão os estúpidos, isso sim seria um forte contributo para
perceberem por que há quem passe horas enfiado num carro, nas filas do IC19.
Aliás as pessoas estúpidas têm
um problema com os transportes. Por exemplo, obstinam-se em viajar,
transformando-se então no ex-libris da estupidez: o turista.
As pessoas inteligentes não são turistas, são viajantes. Os protegidos das
pessoas inteligentes são migrantes. Já as pessoas estúpidas quando viajam são
turistas obviamente estúpidos que estupidamente destroem o caráter autêntico
das cidades. Pelo contrário, os viajantes e os migrantes enriquecem as mesmas
cidades. Percebido?
Como é óbvio, as pessoas
estúpidas, certamente porque são estúpidas, não percebem o atrás exposto e
também não conhecem gente suficientemente inteligente (leia-se abonada) que
possa emprestar-lhes um iate ou um catamarã. Aliás, as pessoas mais estúpidas
de todas até questionam o que seria dos oceanos se cada um dos estúpidos que
agora viaja de avião optasse pelos meios de transporte que os inteligentes
dizem sem impacto ambiental. Por exemplo, quantos milhões de catamarãs e iates
teríamos a sulcar os mares caso prescindíssemos dos aviões? Ou será que só os
inteligentes, milionários como os príncipes do Mónaco e os que poeticamente
dizem que resolveram largar tudo e partir à aventura (ou seja, vivem à conta da
família ou dos patrocinadores) é que viajavam?
Como se vê as pessoas
estúpidas perdem-se nos detalhes. Aliás as pessoas estúpidas são tão estúpidas
que não percebem como os mesmos políticos que falharam rotundamente quando, nos
incêndios de 2017, o país viveu uma situação de emergência se propõem agora
resolver nada mais nada menos que a emergência climática do planeta. Valha a
verdade, e contra nós portugueses falo, se nos fiarmos no percurso do
engenheiro Guterres, temos de admitir que é mais fácil ser bem-sucedido a
mandar no planeta que neste seu modesto retângulo! É evidente que as
idiossincrasias nacionais levam a que as nossas pessoas estúpidas sejam ainda
mais estúpidas que as demais. Por exemplo, perante a magnitude do conceito da
justiça climática qualquer estúpido português dirá que aquilo que ele queria
mesmo era uma justiça que funcionasse em prazos e moldes humanamente razoáveis.
Isto para não falar da desordem mental que alguns estúpidos experimentam quando
constatam que o mesmo país, Portugal, que segue com entusiasmo militante as
sessões do inquérito ao presidente dos EUA aceitou em silêncio que o presidente
da república e o primeiro-ministro de Portugal não fossem interrogados a
propósito do desaparecimento/achamento das armas de Tancos porque isso perturbaria
o desempenho das suas altas funções.
Está percebida a dimensão
estratosférica da nossa estupidez?
As pessoas estúpidas são
insensíveis aos altos voos e aos avanços civilizacionais. Por exemplo, as
pessoas estúpidas não compreendem como é possível que com a Segurança Social à
beira da falência o país tenha agora como desígnio não a resolução desse enorme
problema, mas sim a criação de um problema que nunca teve: as regiões e a
regionalização.
Uma das grandes dificuldades
das pessoas estúpidas resulta da sua mania de tomar tudo à letra. Por exemplo,
as pessoas estúpidas acreditam que desde novembro de 2015, o Tribunal
Constitucional, os reitores indignados, os bispos agitados e os empresários
compungidos entraram para a lista das espécies ameaçadas de extinção. Por quê?
Porque paulatinamente têm vindo a escassear os sinais da sua outrora
espalhafatosa existência.
Às pessoas estúpidas também
lhes escapa a dialética subjacente ao facto de o mesmo governo querer às
segundas, quartas e sextas construir um aeroporto no Montijo e urbanizar os
terrenos da antiga Lisnave e às terças quintas e sábados pretender que as
alterações climáticas vão fazer subir o nível das águas do estuário e
consequentemente inundar os mesmos terrenos que no dia anterior pretendia
urbanizar. Mas não acaba aqui a estupidez emanada pelas pessoas estúpidas. Por
exemplo, é de uma tacanhez profunda que as pessoas estúpidas não só não percebam,
mas sobretudo insistam em chamar a atenção para o facto, paradoxal dizem eles,
de os maiores defensores das escolas públicas e dos hospitais públicos,
tratarem de não os frequentar nem eles nem os seus filhos.
“Que mude o sistema, não o
clima” – gritava-se na Marcha do Clima, em Madrid, a tal marcha em que Bardem,
um daqueles atores espanhóis com muito pedigree esquerdista
que se mudou para os EUA para enriquecer a sério, resolveu prodigalizar o epíteto
estúpido a todo e qualquer que não pense como ele.
De facto as pessoas estúpidas
são mesmo estúpidas. Há quanto tempo têm de aturar esta conversa do “mudar o
sistema”? Está mais ou menos implícito que todos temos de querer mudar o
sistema, entendendo-se por sistema as democracias liberais. A quem quer mudar o
sistema não se lhe pede um programa ou reflexões. Apenas emoções e de
preferência algum mistério.
Num ápice os jornais enchem-se
de artigos hagiográficos sobre a figura de turno. Ainda se lembram do subcomandante Marcos com o seu rosto tapado que nos ia
ensinar novas formas de organização do estado, ou seja do sistema? Quanto mais
ignorante ou tresloucado for o candidato a guru da mudança do sistema maior a
possibilidade do seu sucesso. Uma constante do nosso sistema é precisamente a
disponibilidade das pessoas que se têm e são tidas como inteligentes para
apoiar os projetos mais desequilibrados e os líderes mais perversos. Basta que
acreditem que vão mudar o sistema e ei-los nas ruas, com aquele ar beatífico de
quem se considera do lado dos bons.
Vale aos fiéis seguidores de
Greta Thunberg que esta não passa de uma adolescente mimada e que o capitalismo
inventou os telemóveis, caso contrário acabariam prisioneiros numa
aparentemente perfeita comunidade agrícola, como aconteceu há 41 anos aos desgraçados que seguiram um dos ídolos do progressismo de então, Jim Jones.
Mas deixemos as pessoas
inteligentes e voltemos às estúpidas. Contra tudo e todos, as pessoas estúpidas
existem e estão fartas de tanto avanço civilizacional, de tanto combate e de
tanta mudança radical. As pessoas estúpidas querem simplesmente que quem
governa governe e não invente manobras de diversão. Pode parecer estúpido, mas
valia a pena tentar, digo eu.
As pessoas estúpidas querem
recuperar a naturalidade dos gestos. Querem comprar uma camisola este Natal sem
ter de pensar em todos os dramas do mundo. Querem que comer seja simplesmente
comer e não um manifesto em prol da saúde, do ambiente e do comércio um pouco
justo ou muito injusto. As pessoas estúpidas querem levar os filhos e os netos
ao Jardim Zoológico sem antes terem de fazer mea culpa.
As pessoas estúpidas querem
poder amar e desamar sem o medo dessa espécie de ébola das relações e das
palavras que é o politicamente correto.
As pessoas estúpidas às vezes
cansam-se. De ser estúpidas? Não. Apenas que não contem com elas. Afinal se a
comprovada inteligência de gente comprovadamente inteligente nos trouxe à farsa
desta semana em torno de Greta Thunberg é evidente que chegou o momento de dar
a vez aos estúpidos.
Título e Texto: Helena
Matos, Observador,
8-12-2019
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